CAPÍTULO 28

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Willie não gostava da prisão. Já estivera em uma antes - muito tempo atrás - e a odiara. Um tanto temeroso do homem na cela ao seu lado - um prisioneiro grandalhão, assustador, com tatuagens, bigode, olhos negros e pequenos. Willie estava deitado em seu beliche, longe do camarada e do mictório que cheirava a urina. Queria que Rex surgisse para socorrê-lo, como sempre fizera, e prestou atenção nas passadas no chão cimentado, no chacoalhar das chaves num cadeado, nas vozes dos homens. Por que os policiais não voltavam com a expressão facial arrependida, enquanto explicavam que sentiam muito por terem cometido um erro ao prenderem um pobre desafortunado como o débil mental? Ele nem se importaria com os palavrões, se simplesmente pudesse sair de lá. Coçando o braço, tentou preencher a mente com imagens de coisas boas, de modo que não enlouquecesse. Tinha medo de enlouquecer. Loucos eram colocados em manicômios, e manicômios eram como prisões. Como o lugar onde estava.
Onde estava Rex? Mordeu o lábio e sentiu um gosto salgado na boca. Sentia a pele suja, suada, faria qualquer coisa para sair dali. Qualquer coisa. Até contaria mentiras. Somente para ser posto em liberdade. Contudo, Rex lhe dissera para não mentir, inventar histórias ou falar com a polícia. Deveria esperar e ficar de boca fechada. Acima de tudo, não deveria dizer nenhuma palavra.
Com um tinido, uma porta foi destrancada no lado oposto do corredor. Ouviu vozes acima do som de passadas. Willie levantou-se em seguida, ficando de pé na porta da cela, na esperança de que Rex tivesse ido ao seu encontro. Sabia o que se esperava dele. Rex o repreenderia como se fosse um garotinho, e Willie prometeria que seria um bom menino de novo. Então eles iriam embora. Achou que Rex teria de pagar a alguém, mas, na verdade, não entendia muito bem por que e não se importava. Queria apenas sair.
Dobrou os dedos sobre a barra de ferro e apertou o rosto contra a grade, sentindo o metal fazer pressão sobre sua face, quando dois homens apareceram.
- Olha, olha, olha, parece que tem gente doida para sair. - A voz pertencia a um homem de jaqueta de couro e calças jeans - sem uniforme -, mas Willie não confiou nele. Era o mesmo homem que estivera na casa da família Buchanan, fazendo perguntas sobre o incêndio. Embora Willie tivesse ficado se escondendo nas sombras da cocheira, vira o homem quando ele descera do carro segurando uma lanterna. O policial lhe sorriu estourando uma bola do chiclete. Não, não dava para confiar nele.
O camarada que estava com ele era aquele mesmo magrelo, com olhos negros e cabelos compridos. Ele já havia entrado ali para vê-lo, já havia tentado fingir que era seu amigo.
- Ouvi dizer que você deu um safanão em Marty Fiskus - disse o primeiro.
Willie não respondeu, ficou confuso. Não minta. Não minta. Se mentir, vão manter você aqui.
- Marty Figus é um filho da puta - disse o prisioneiro todo tatuado e com os cabelos frisados, na cela ao lado.
- Fique fora disso, Ben - avisou o policial magrelo.
Ben levantou-se de seu colchão imundo e, por instinto, Willie encolheu-se. Não gostava de brigar, mas, às vezes, quando ficava muito tempo no Burley, metia-se em brigas. Ben foi cambaleando até as barras que separavam sua cela da de Willie.
- Quero ver meu advogado.
- Certo, e eu quero ver o papa, e isso não está acontecendo.
- Tenho meus direitos, Wilson.
- Não muitos, Ben.
- Quando eu der o fora daqui...
- Se, Ben. Se.
- Chama a porra do meu advogado! - Ben ficou com o rosto repentinamente ruborizado, os lábios apertados, por causa da rispidez.
- Bico calado. Ele já foi chamado. Não está ansioso para visitar você de novo. Alguma coisa a ver com uma conta ainda não paga. Não que eu o culpe. - O policial voltou a atenção para Willie. - Desculpe. Sou o Detetive Wilson, lembra de mim? E este é o meu parceiro, Detetive Gonzales. Nós o visitamos na casa da família Buchanan, no dia seguinte ao incêndio na serraria.
- Eu disse que queria dar um telefonema. - Ben não se dera por satisfeito. - Vocês, seus babacas, não têm o direito de me prender aqui. Quando eu conseguir falar com o meu advogado, vocês vão se arrepender de ter brincado comigo.
- Acredite em mim - disse Wilson. - Já nos arrependemos.
- Idiota!
Wilson suspirou.
- Agora, Ben, isso é jeito de conversar com um oficial da lei? - Levou a mão ao bolso e pegou uma embalagem de chicletes. Abrindo lentamente o tablete, acrescentou: - É melhor tomar cuidado, ou tem gente por aqui que pode se ofender.
- Vá se foder, Wilson!
- Vem cá, Willie, vamos para outro lugar onde a gente não precise ouvir esse depravado. - As chaves chacoalharam no cadeado, e a porta se abriu. Willie sentiu como se os cintos de metal que apertavam seu peito, finalmente, tivessem se afrouxado. Quase conseguiu respirar. Mas ainda parecia cauteloso. Rex avisara a ele: Não minta. Não minta.
Ele seguiu o homem que havia se apresentado como Detetive Wilson até uma sala sem janelas, com uma mesa e cadeiras. Sobre a mesa escura de madeira, ficava uma pasta cheia de papéis. Willie começou a suar e mexer com braços e pernas. Isso não estava cheirando bem. Era para o deixarem sair. Onde estava Rex?
- Sente-se - disse o detetive, indicando uma das cadeiras de metal. - E me diga tudo o que sabe sobre isso. - Soltou a carteira sobre a mesa, e Willie evitou seus olhos. Não queria olhar para aquele couro queimado. Fazia-o lembrar-se dos incêndios. Dos dois. Lambeu os lábios.
- Você estava na serraria na noite do incêndio?
Willie mordeu o lábio. Não minta.
- Você sabe quem é o dono disso aqui? - Wilson empurrou a carteira para mais perto, e Willie se encolheu. Ouviu o coração batendo nas têmporas.
- Não é sua, é?
Não minta.
- Onde você a conseguiu? Encontrou-a em algum lugar? Roubou de alguém ou...
- Não roubei! Não roubei! - explodiu de repente, e os traços duros no rosto do Detetive Wilson se suavizaram até formarem um sorriso.
- Acredito em você, Willie. Então, onde a conseguiu?
- O dinheiro está todo aí! Eu não peguei! - Willie fungou e passou o dorso da mão sob o nariz. A mão tremia toda.
- Ninguém está dizendo que você fez isso, rapaz. Mas a carteira não é sua, é?
Franzindo o cenho, tão assustado que sentiu vontade de chorar, Willie negou com a cabeça.
- Não.
- Bem, então estou só perguntando se conhece o dono da carteira.
Willie movimentou as cordas vocais, mas nada disse. O suor escorria por sua face. Estava muito quente. Muito fechado. E o Detetive Wilson não acreditava nele. Ele o poria de volta na cela. Por muito tempo. Seu coração batia com tanta força que sua respiração ficou ofegante.
- Ele está hiperventilando - avisou Gonzales.
- Fique calmo, rapaz. - Wilson pegou a pasta e a abriu.
Willie não sabia por quê, mas sentiu um medo esmagador, o mesmo medo que sentia sempre que ficava sozinho com Derrick. Nervoso, coçou o braço, o mesmo que Derrick havia queimado com um cigarro havia anos.
- Agora, Willie, esta aqui é a sua pasta - disse Wilson. - Veja como ela é grossa. Você se envolveu em um bocado de delitos leves por aqui, filho. Que bom que Rex Buchanan e sua equipe de advogados sempre encontraram uma forma de livrar a sua cara! Vamos ver o que temos aqui? Embriagado e criando tumulto. Dirigindo sem habilitação. O-oh, não estou gostando da cara disso aqui... uma garotinha reclamou que você a estava seguindo e espiando pela janela dela, mas retirou as acusações. Lembra? O nome dela era Tammi Nichols? Você se lembra dela? - O mesmo sorriso de novo. - O que estava fazendo, Willie? Tentando dar uma espiadinha por baixo da saia dela?
- Não. - Willie balançou freneticamente a cabeça.
- Você gosta de olhar garotas nuas?
Um ruído surdo encheu sua cabeça. Seu pomo de adão subiu e desceu nervosamente. Aquilo não estava bom. Não minta. Não minta.
- Ah, para o diabo, Willie, todos nós fazemos isso. Não é nenhum crime! A não ser que esteja enfiando o nariz onde não seja chamado. - Recostou-se novamente na cadeira, balançando-a para trás, apoiando-a nos pés traseiros enquanto fazia bola com o chiclete. - Acho que você gosta de ver garotas nuas. Não posso culpar você, mas... - Virou a página, e o estômago de Willie ficou apertado de tanto medo. - O-oh de novo. Olha só aqui. Outra garota. Mary Beth Spears. Achou que você estava espiando pela janela dela enquanto estava só de calcinha e sutiã. - Estalou a língua. - Isso a aborreceu muito, você sabe, justamente ela, a filha do reverendo. - As sobrancelhas de Wilson se arquearam. - Olhou para os peitinhos dela, Willie?
As bordas da visão de Willie ficaram escuras, e ele teve de se segurar na mesa para não escorregar pela cadeira.
- Isso não é nada bom. O reverendo, garanto que sentiu vontade de tirar o seu couro vivo.
O quarto girou.
- Agora essas acusações, todas elas retiradas ou resolvidas de um jeito ou de outro, não são muito sérias. - O detetive fechou a pasta e a pôs de lado. - Mas se houvesse mais acusações arquivadas, digamos, algo mais sério como recusa em ceder provas de um crime, ou se você tivesse atrapalhado o exercício da justiça, ou até mesmo participado de um crime, bem, nem todo o dinheiro de Rex Buchanan te livraria dessas coisas. Não mesmo. Nem toda a equipe de advogados dele seria capaz de livrar você da cadeia.
O suor descia pelo nariz de Willie e pingava na mesa. Estava tão assustado que se sentia todo apertado por dentro, como se fosse urinar nas calças. Não se moveu, apenas se agarrou à mesa de forma que não desmaiasse.
- Mas, por outro lado, se você se dispusesse a cooperar conosco, sabe como é, nos dizer o que sabe, bem, eu diria que as chances de você ser posto em liberdade seriam muito grandes. Você não diria o mesmo, Gonzales?
- Grandes mesmo - concordou o homem magrelo.
- Está entendendo?
Willie não se mexeu.
- Está bem, vamos entrar em um acordo. - Os pés frontais de sua cadeira alcançaram o chão, e Willie inclinou-se, apoiando-se sobre os cotovelos. - Você nos diz a verdade e pode sair daqui. Me sacaneia ou fica de boca fechada, e a gente vai ter que voltar com você para a cela do lado do Ben. Detesto sacanagem, Willie. Você não, Gonzales?
- Odeio.
- Portanto, não pode ter sacanagem aqui. Você vai ter que ser direto com a gente, Willie. Honesto até o último fio de cabelo, e aí é bem provável que consiga se livrar dessa confusão.
Willie engoliu em seco. A saliva se acumulou em sua boca. Onde estava Rex? Por que estava deixando aqueles homens horríveis o atacarem com perguntas rudes?
O detetive pegou a carteira e a balançou debaixo do nariz do rapaz.
- Vamos lá, garoto. Vai ficar tudo bem. Tudo o que tem a fazer é me falar como acabou com essa carteira enfiada no bolso de trás da calça.

O último gritoOnde histórias criam vida. Descubra agora