Ele devia ter lhe contado logo no início. Droga, havia planejado fazê-lo. Nunca quisera enganá-la, não daquele jeito, mas não teve escolha. Estava encostado na parede. Agora ela o odiava. Parada e ameaçadora na frente dele, com medo de dar um passo, ela não se moveu.
- Por que mentiu? - quis saber.
- Não menti. Vocês todos acharam que eu era o Chase.
- Seus documentos... a medalha... - Sua voz estava mais forte agora, tomada de emoções novas e conflitantes.
- Eu os troquei. Chase ficou preso, tentei soltá-lo, mas não consegui, e a ideia foi dele - admitiu Brig, o horror daquela noite o assombrando da mesma forma como vinha acontecendo desde o incêndio...Bang!
Brig foi jogado para o outro lado do quarto extenso, quando uma explosão ecoou pelo galpão. Caiu no chão, a alguns centímetros de onde estavam ele e Chase.
Vigas quebraram e caíram, trazendo o teto junto com elas.
Colunas tremeram.
Chamas arderam na direção do céu.
Brig saiu correndo. Tinha de sair dali. Naquele momento.
A fumaça subia pelo vão aberto no telhado.
- Chase! - gritou, a voz já grossa. - Onde você se meteu? - Franziu a testa, os olhos procurando no meio dos escombros, queimando por causa da fumaça acre. - Chase!
- Aqui! Vá embora! Agora! - Chase vinha em sua direção, arrastando uma perna.
Bam! A segunda explosão abriu um rasgo no galpão, e o telhado caiu em cima dele, vigas antigas de madeira, telhas de aço, vigas mestras, tudo desabando.
- Chase! Corra!
Mas era tarde demais.
Uma das vigas caiu sobre o corpo de seu irmão. Com um grito de dor, ele se curvou, a viga levando-o ao chão.
- Não! - Brig mergulhou na fumaça e na poeira, encontrando o irmão sangrando, semi-inconsciente, a parte inferior de seu corpo esmagada. - Vamos lá, vamos lá - disse ao irmão, enquanto ele gemia. - Vou tirar você daqui.
E tiraria mesmo. Apesar da muralha de chamas, do calor escaldante e da fumaça que lhe queimava os pulmões, fazendo-o tossir e engasgar, tiraria o irmão daquele inferno.
Tentou levantar a viga. Ficou de joelhos, forçando com o corpo a viga pesada para cima.
- Eu vou puxar, você se arrasta para fora! - disse, em voz de comando.
- Não consigo, cara. Não consigo me mover. - A voz de Chase demonstrava pânico.
- Claro que consegue! É a viga!
- Não, Brig, não consigo sentir o meu corpo. Ai, meu Deus!
Brig empurrou a viga com toda a força, os músculos tremendo, o suor escorrendo por seus olhos.
- Droga, Chase, mexa-se! - gritou, tentando tirar o irmão da pira funeral.
- Estou dizendo, não consigo!
- Saia agora! - Os músculos de Brig estavam tremendo, saltando, os dentes mal aguentando o esforço, queimando, a fumaça incendiando seus pulmões. - Agora, Chase, porra!
- Brig, pare. Pegue a minha pasta. Não consigo me mexer.
- Vou buscar ajuda.
O fogo urrou em volta deles, em chamas ardentes e desenfreadas.
- Será tarde demais. Porra, Brig, pegue a porra da pasta! - gritou Chase, a voz áspera quando se deitou no chão, o rosto ensanguentado, a espinha quebrada. - Deixe a sua comigo! - insistiu quando a fumaça subiu ao céu, e o fogo os cercou inteiramente.
- De jeito nenhum. Vou tirar você daqui! - O calor causava bolhas, o fogo devastava e, quando Brig usou de toda a sua força para mover a viga novamente, Chase gritou de dor.
- Saia! Agora! - Olhos azuis se elevaram desesperados por entre a fumaça. De um jeito ou de outro, ele conseguira puxar a carteira do bolso das calças. - Leve minha identidade, deixe a sua comigo - implorou, tossindo... - e se passe por mim. Pelo amor de Deus, salve-se!
- Não. Você vai ficar bem. - Tem que ficar bem!
- Pelo amor de Deus, Brig, acabou!
- Vou buscar ajuda.
- Troca a porra das carteiras! E fique com a minha aliança. Faça isso por Cassidy!
- Não, Chase, eu vou...
- Cale a boca e faça o que estou dizendo. Pela Cassidy e por mim! - Chase respirava com dificuldade, o sangue escorrendo pelo nariz e pela boca, os dentes à mostra por causa da dor. - Pelo menos uma vez na vida não seja tão egoísta!
Então fizera isso. Rapidamente, pegara a carteira da mão estendida de Chase e arrancara a aliança de seu dedo, antes de colocar sua própria carteira na mão do irmão e dobrar seus dedos sobre o couro gasto.
- Isso. - A voz de Chase saiu debilitada. Os olhos revirados quando Brig arrancou a corrente de seu pescoço e a enlaçou nos dedos de Chase.
- Aguente aí! Volto já. - Apavorado, Brig voltou correndo ao escritório. Chamas crepitavam e silvavam, devorando a serragem, pedaços de madeira, tábuas, tudo no caminho deles, lambendo a escuridão do céu. Com o coração acelerado, Brig tossiu quando nuvens nauseantes de fumaça negra subiram pelos ares e tomaram seus pulmões. - Por favor, meu Deus...
Aquilo não podia ser verdade! Não de novo! Escancarou a porta que dava para o escritório. A fumaça lhe queimava os pulmões. A porta escapou de sua mão assim que outra explosão balançou o galpão. Fagulhas subiram com força, como um gêiser de brasas enfurecidas. Sentiu os pés arrancados do chão. Caiu para trás. O céu estava uma mancha - negra e cor de laranja vibrante, repleto de chamas, e quente como o inferno! Tentou impedir a queda. O pulso bateu no chão, e a perna torceu para trás. A dor irradiou pelo braço e pela perna, e ele gritou. Um pedaço de metal que ia pelos ares bateu na parte traseira de sua cabeça.
- Chase! - gritou, assim que as luzes por trás de seus olhos quase o cegaram. A dor explodiu em sua têmpora, perto do olho esquerdo. Gritando, sentiu o negrume rodeá-lo. Pouco antes de perder a consciência, sentiu-se agradecido porque não perceberia a agonia das chamas que, certamente, iriam devorar-lhe corpo e alma.
Dias depois, acordou no hospital, e todos o estavam chamando pelo nome do irmão.
Agora, estava na hora de colocar tudo em pratos limpos. Exatamente como dissera a si mesmo que iria fazer quando saísse do hospital e estivesse de pé de novo.
- Quem fez isso? - quis saber ela. - Quem iniciou os incêndios? - Cassidy piscou brevemente, e Brig viu que ela mantinha sua postura por um fio tênue e que se desmanchava.
- Não sei - admitiu. - Mas vou descobrir. Prometi ao Chase.
- Mentira, Brig - acusou-o, pálida, trêmula, e olhando-o como se ele fosse a reencarnação de Satã. - Você estava lá, nas duas vezes!
- Eu não comecei nenhum dos dois incêndios. Juro por Deus.
Cassidy encarava-o como se quisesse desesperadamente acreditar nele.
- Quem iria querer matar o Chase?
A culpa se apossou dele como chumbo, pesando em seus ombros, apertando-o por dentro.
- Acho que muita gente. Ele sabia que Derrick estava desviando dinheiro, sabia sobre Rex e Sunny, sabia demais. Fizera sua parcela de inimigos ao longo dos anos, mas, no início, quando o primeiro incêndio foi provocado, ninguém o queria morto. - Enfiou as mãos no fundo dos bolsos. - Acho que estavam tentando me matar no incêndio do moinho que matou a Angie. Acho que quem quer que estivesse envolvido no primeiro incêndio me confundiu com Jed Baker. Esperavam que eu estivesse com Angie naquela noite. Fiz par com ela na festa da família Caldwell.
- Você acha que estavam tentando te matar - repetiu ela, como se uma luz estivesse se acendendo em sua mente.
- Talvez desta vez também.
- Então... desta vez? Mas quem? Ninguém sabia que você havia voltado...
- Uma pessoa sabia.
- Quem? - repetiu e pensou em todos os inimigos que Brig fizera durante os anos em que ficou em Prosperity.
- Willie sabia. Presenciou os dois incêndios. Ele me viu.
Cassidy ficou com os olhos foscos.
- Você não vai jogar a culpa neste pobre homem que não pode...
- Minha mãe sabia também. Acho que sentiu. Aquele dia no hospital, ela sabia quem eu era, tocou na minha mão e nem pestanejou; apenas disse que estava aguardando havia muito tempo por mim. Chamou-me pelo nome. - Brig aproximou-se lentamente de Cassidy, eliminando a distância entre eles, morrendo um pouco quando ela se esquivou e o examinou com olhos assustados e enfurecidos.
- Sunny não colocou fogo no moinho, Brig, pelo amor de Deus, ouça só o que está dizendo!
- Claro que não. Mas, se Sunny e Willie sabiam, outras pessoas sabiam também.
- Ou talvez alguém estivesse tentando matar o Chase - sussurrou ela - e, quando esta pessoa ficar sabendo que não conseguiu, tentará de novo. - Ergueu o olhar, os olhos brilhando. - Irão te matar também.
- A não ser que nós possamos deter essa pessoa. - Brig tocou-lhe o rosto com o dedo, e ela fechou os olhos por um segundo. Sentiu-a tremer antes de ela recuar, tomada de repulsa.
- Não... não posso, Brig... Eu... pelo amor de Deus, por favor, não me toque. Nem sequer consigo acreditar que estamos tendo essa conversa. - Mas ela sabia. Uma parte sua sabia que ele não era o mesmo, que não era o seu marido. Embora tivesse negado isso conscientemente, sentira uma diferença, não apenas nele, mas em sua própria resposta. Por que outro motivo teria decidido contra o divórcio se estivera tão irredutível antes do incêndio, por que outro motivo pedira uma segunda chance, por que outro motivo se agarrara tão desesperadamente a ele quando ele tentara mantê-la distante, com tanta indiferença? Por causa de algum senso de lealdade retorcido? Por que o incêndio a fizera ver o quanto amava o marido? Por que sua fé a fizera evitar o divórcio? Ou por que um sexto sentido lhe dissera que ele era Brig?
Cansada de si mesma, dele, a culpa correndo pesada pelas veias, Cassidy passou por ele, indo na direção da sala de TV, para o lugar onde Chase guardava seu estoque de uísque, mas, ao pegar a garrafa, viu-se no espelho acima do bar, assim como o reflexo de Brig, quando ele apareceu sob a moldura da porta.
- Quer um drinque? - perguntou.
- Quero, mas não acho que seja a hora certa.
- O... O que você vai fazer? - Suas mãos estavam trêmulas, e ela as mergulhou nos bolsos do roupão. Deus do Céu, como seria agora? Era casada com Chase, e ele estava morto; dormira com Brig, se entregara a ele, fechara os olhos para as mentiras ostensivas, da mesma forma como fizera no passado.
Estava furiosa por ele a ter enganado, furiosa consigo mesma por estar apaixonada por ele de novo e mais do que assustada. Havia um lunático solto por aí. Alguém que queria Chase ou Brig morto.
- O que vou fazer? - repetiu ele. - Vou descobrir quem fez isso. Espere aqui. - Saiu correndo pelo corredor, com seu passo irregular, e Cassidy caiu num canto do sofá. Sustentou o rosto com as mãos, na esperança de que o latejo em sua cabeça e a dor profunda em sua alma desaparecessem. Sempre fora apaixonada por Brig, mas agora isso lhe parecia imoral, uma fantasia de estudante que se transformava num trabalho do diabo.
Por mais que amasse Brig, nunca quis sacrificar Chase - sacrificar um irmão pelo outro. Sentiu ânsia de vômito e correu ao banheiro, trancando a porta e vomitando repetidas vezes até não lhe restar nada para pôr para fora a não ser a bile. Recostou-se na lajota fria do piso, tremendo ao limpar a boca com o dorso da mão, lágrimas escorrendo pelas faces. Será que algum dia chorara tanto na vida?
- Cass? - Ele bateu à porta com os nós dos dedos, e o coração dela bateu freneticamente. Brig! Ah, Brig! Apertando os olhos, tentou bloquear os sentimentos de traição, traição sua com relação ao marido. - Ei, você está bem, querida?
Meu bom Jesus, não permita que ele seja doce comigo. Não consigo aguentar nenhuma ternura agora.
- Cassidy? - A voz dele saiu mais forte agora. Como ela não percebera? Tremia por dentro, as mãos balançavam, não conseguia pensar direito... - Se você não me responder, vou quebrar a droga dessa porta e...
- Deixe-me em paz!
- Eu juro por Deus, Cass, ou você sai daí agora, ou eu arrombo a porta!
- Me deixe sozinha, Brig! - Mais uma vez vomitou no vaso, ainda o ouvindo jurar aos brados, as palavras indistintas, o sentido claro.
Pondo-se de pé, sentiu uma dor entre as pernas, lembrando-se de que haviam feito amor, lembrando-se da fúria e do calor com que se dera.
- Ai, meu Deus, Chase, sinto muito - sussurrou ela. Em seguida, curvou-se na pia e lavou a boca. Seu reflexo, de um pálido fantasmagórico com olhos dourados e condenadores, olhou silenciosamente para ela, acusando-a de crimes terríveis do coração. - Ah, vá embora - disse para a própria imagem e jogou água fria no rosto. Podia ficar se recriminando e se culpando pelo resto da vida, e isso não lhe faria nenhum bem. Não, a única forma pela qual poderia expiar seu mau julgamento involuntário, o pecado de não amar o marido tanto quanto deveria, seria encontrar seu assassino.
E se for Brig? E se for o homem que há semanas está se fazendo passar por seu marido? O homem que a deixou? Que a enganou? Que traíra a si mesmo, à mãe e ao irmão? O homem que fez amor com você e a virou do avesso? O que você realmente sente por ele? Nada! Nada!
Mas não estava com medo. A despeito do que acontecesse, nunca mais teria medo de Brig McKenzie. Apenas não tinha mais certeza se poderia confiar nele.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O último grito
RomanceProsperity, Oregon, 1977. Um incêndio criminoso no moinho da abastada família Buchanan faz Cassidy, filha caçula de Rex Buchanan, dono da propriedade e de metade da cidade, ver sua adolescência e seu amor serem levados pelo fogo. A autoria do incênd...