CAPÍTULO 39

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T. John desligou o motor de sua caminhonete Cruiser e espanou uma nuvem de poeira da bota. Passara boa parte das últimas duas semanas perseguindo pistas do paradeiro de Sunny McKenzie. O tempo estava passando. Estava começando a acreditar que tinha tantas chances de encontrá-la quanto de atravessar correndo a antiga nave espacial que o velho Pederson afirmara ter aterrissado no meio da campina, queimando a grama e assustando seu rebanho de ovelhas cara-negra. Em sua opinião, Pederson exagerava um pouco no consumo de bebida - um tipo de cerveja que ele mesmo preparava, mas bebida, de qualquer maneira.
Os músculos de suas costas se projetaram ao se alongar e subir o meio-fio, em frente à loja de conveniência 7-Eleven. Lá dentro, algumas crianças jogavam fliperama. Um garoto tentava dar uma espiada nas revistas de mulheres nuas, enfiadas embaixo do balcão, e uma mulher com um bebê chorando no colo comprava um pacote de fraldas descartáveis.
A mesma coisa de sempre. A mesma coisa.
Ele sorriu para a balconista, Dorie Reader, uma cinquentona com belos pares de pernas, corpo atarracado e cabelos louros, crespos, em virtude de excessos de permanente. Enquanto se esbanjava em salsichas, pediu mostarda Dijon.
- Eu já te falei, T. John... se está a fim de coisas caras e sofisticadas, basta atravessar a rua e ir ao Burley's. - T. John riu. Era uma brincadeira costumeira deles, porque o Burley's, bar de strip-tease, havia fechado as portas o mesmo número de vezes que as havia aberto. Antes de trabalhar na delegacia de homicídios, T. John, várias vezes, fora um dos que as fechara.
Duas colheres de cebola, molho de picles, uma porção de mostarda amarela, esse foi seu almoço. Como não podia tomar cerveja, contentou-se com uma Coca-Cola extragrande e pediu um maço de Camel, junto com pastilhas de antiácidos.
- Bon appétit - disse Dorie quando ele abriu a porta com o traseiro.
- Para você também. - Do lado de fora, no clarão do sol do meio-dia, viu alguns adolescentes zanzando pela porta do Burley's e soube que era apenas uma questão de tempo, até que o departamento fizesse outra inspeção de segurança no local. Uma pena. Burley era um cara legal, que tentava pagar pensão alimentícia a três ex-esposas e tentava conceder a Prosperity um pouco de diversão honesta. As garotas subiam no palco e dançavam, balançando os seios e sacudindo o traseiro, mas os clientes ficavam de longe, e as dançarinas usavam fantasias e apelidos. Burley garantia que ninguém saísse ferido nem fosse insultado, e as meninas recebiam bem pelos problemas que enfrentavam.
No entanto, apesar das boas intenções dele, sempre havia problemas. Muita bebida, muita testosterona, garotas nuas e as inevitáveis armas de fogo; adicionem-se a isso os sermões vigorosos e críticos do reverendo Spears, e Burley parecia nunca ter descanso. Quando não era o comportamento dos clientes, era a baboseira religiosa. Na opinião de T. John, Burley deveria desistir, mas o homem parecia achar que era missão sua, recebida pelos deuses, oferecer seios e bundas aos residentes locais.
Reverendo Spears podia cuspir sua raiva de cima do púlpito, promover uma marcha contra o lugar e condenar todos seus patronos ao inferno, mas T. John sabia que alguns dos membros mais devotos de sua congregação certamente ficavam de ressaca no domingo de manhã, depois de terem bebido umas e outras e ficado olhando dançarinas quase nuas rebolando e dançando na noite de sábado.
Ele analisou as áreas próximas através de seus óculos de aviador e mastigou lentamente o cachorro-quente. Naquele dia, o problema não era a Burley's. Não. Estava preocupado, como estivera nos dois últimos dois meses, com a droga do incêndio na serraria Buchanan. Floyd Dodds estava trabalhando no caso, em busca de uma solução, esperando que ele conseguisse encontrar um culpado ou, pelo menos, um bode expiatório. Ainda assim, T. John não surgira com nada.
Nem sequer conseguia localizar aquela velha maluca. Isso o incomodava. Droga. Até os cachorros haviam sido enganados. Deram algumas voltas na mata onde as crianças juravam que haviam visto a "bruxa", deram uma boa fungada numa camisola antiga que Sunny usara naquele "lar" sofisticado no qual Chase a havia internado e, depois, saíram em corrida desabalada. Começaram a latir na mesma hora, correndo pela área em círculos confusos, de forma desvairada. Mas não deixaram a clareira, não podiam se enfiar na mata. Era como se Sunny simplesmente tivesse desaparecido. Como a bruxa que diziam ser. Talvez um dos alienígenas de Pederson a tivesse descido e abduzido antes de a levarem apressadamente para o outro lado do universo.
Ou talvez não fosse louca, afinal de contas. Apenas muito mais esperta do que todos que tentavam encontrá-la.
Ainda assim, o incêndio na serraria e o assassinato ainda estavam sem solução.
Nenhum álibi se provara legítimo. Os Buchanan mais velhos estavam na Califórnia, Derrick e Felicity estavam em casa na companhia das crianças, Sunny estava confinada num hospital psiquiátrico, e Willie estava na cidade, bebendo. Várias pessoas o haviam visto antes de ir dar uma espiada nas cinzas. Somente Cassidy estivera sozinha em casa, trabalhando no computador, ou assim dizia ela.
Contudo, não parecia suspeita. T. John dizia a si mesmo que não se tratava do fato de ser muito bonita, de ter aqueles olhos dourados e os cabelos fartos e soltos; simplesmente ela não fazia o tipo de quem colocaria fogo na propriedade do próprio marido.
- Você está perdendo o jeito, Wilson - murmurou, terminando o cachorro-quente. Limpando a boca num guardanapo, jogou o pedaço de papel engordurado na lata de lixo e entrou no interior aquecido do carro que lhe fora cedido pelo condado. As coisas estavam andando, mas devagar, devagar demais para Dodds. Devagar demais para T. John.
Todas as semanas, conseguia mais informações do Alasca sobre Marshall Baldwin e ficava observando tudo o que podia das famílias Buchanan e McKenzie, na esperança de perceber algum deslize. No entanto, os investigadores que havia contratado para irem atrás das famílias não apareceram com nada, e toda a sua lábia, até então, não havia descoberto nenhuma mentira que pudesse ser comprovada. Seus homens estavam investigando todos os hospitais e clínicas do condado, à procura de algum tipo de ferimento que tivesse deixado cicatrizes no corpo de Brig McKenzie, ao longo da vida - uma criança como ele devia ter quebrado algum osso ou se cortado e levado pontos, pelo menos uma ou duas vezes. Quando T. John encontrou arquivos antigos, comparou as marcas de ferimentos com a autópsia de Baldwin. Até então, ninguém havia encontrado nenhum registro que pudesse ajudá-lo. Além de um nariz quebrado, uma ou duas vezes, e de alguns cortes, Brig não parecia ter grandes históricos médicos.
- Merda. - Em um dado momento de sua vida, sentira inveja da riqueza. Como filho de um fazendeiro sempre sob o risco de perder seus poucos acres empoeirados de terra e de uma mãe que trabalhava do raiar do dia ao pôr do sol para pagar as contas, T. John, o mais velho de seis irmãos, sempre achara que o dinheiro resolveria a maior parte de seus problemas pessoais. Agora, já não tinha tanta certeza assim. Quanto mais perto chegava da família Buchanan e do dinheiro deles, mais certeza tinha de que jamais encontrara gente tão problemática e infeliz em toda a sua vida.
Tomou um gole grande de Coca, engoliu dois antiácidos e abriu o maço de Camel. Tinha a sensação de que aquele caso o faria voltar ao vício da nicotina e não se sentiu nem um pouco culpado ao acender o cigarro e tragar fundo até os pulmões, antes de se acomodar atrás do volante. Engordara três quilos desde a última vez que parara de fumar e sabia que emagreceria e pensaria com mais clareza se fumasse. Quando o caso fosse solucionado, pararia de novo. Daria um descanso aos pulmões.
Com o cigarro enfiado firme no canto da boca, virou a chave na ignição e saiu do estacionamento. Gonzales telefonara com mais informações sobre Marshall Baldwin. Talvez, finalmente, tivessem encontrado uma deixa.

O último gritoOnde histórias criam vida. Descubra agora