XI - Solidariedade Trágica & Infortuna.

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MARCOS

Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando decidi fazer amizade com Antônio. Era de se esperar que alguém como ele só queria tirar aproveito de mim.

Não contarei disso para ninguém, nem para a direção da universidade, muito menos pra policia. Seria uma vergonha ir a delegacia abrir um boletim de ocorrência com queixa de abuso sexual.

Eu estava bêbado!

Em sã consciência eu jamais teria feito aquilo.

Isso mesmo, "aquilo".

Não consigo nem dizer o que aconteceu sem que meu estômago fique embrulhado.

Segundo o livro "A Ilha" do Aldous Huxley, livro do qual o idiota do Antônio me indicou, devemos falar de algo que nos espanta várias vezes até que esse tal "algo" se torne algo comum para gente, pois assim o espanto passará.

MAS AÍ QUE ESTÁ O PROBLEMA.

Eu não quero que isso se torne uma coisa normal.

Isso foi só uma experiência – traumática – e assim que eu arrumar uma namorada isso vai passar.

Caio tem sido um babaca comigo, mas ele é meu primo.

O sangue é mais denso que a água.

E se ele disse que tem umas meninas para me apresentar, sairei com todas até ver qual é a melhor opção.

Esse é o Marcos que eu costumava conhecer!

O Marcos que possuía uma garota pra cada dia da semana.

Não acredito que vou ficar até tarde nesse campus pra assistir uma palestra sobre Planejamento do Fechamento de Mina. Ainda mais eu que estou no primeiro período e mal sei o que é uma mina.

Ok, talvez esteja exagerando.

Mas o que mais desejo neste momento é o fim desse semestre.

Minhas primeiras semanas aqui foi uma maravilha, mas agora toda vez que penso em ir a uma festa lembro-me de todos os cálculos, trabalhos, provas e... ah! Eu não aguento mais.

Seria uma pena se eu tivesse saído do grupo da sala no aplicativo do celular pra não ter que conviver com Antônio e não saber se a palestra será realizada no auditório interno ou externo.

Alguns minutos andando pelo campus e localizei alguns alunos que eram da minha turma, pelo menos eu achava que era, e os segui disfarçadamente até localizar uma aglomeração maior de pessoas.

Quando cheguei ao local, me deparei com um teatro imenso com o palco há vários metrôs mais baixos a que o nível do campus. Suas cadeiras eram organizadas em forma de bermas e taludes formando um imenso cone. Seus estofados possuíam uma estampa se assemelhavam ao mármore e eram projetadas de uma forma que ficavam protegidas da exposição solar o dia inteiro. Além da proteção, forneciam todo tipo de auxílio que um local de palestras e apresentações carecia tais como iluminação, áudio e quando era necessário o uso de slides, um imenso painel era projetado no centro do palco.

Faltava pouco tempo para a palestra ter inicio e então logo achei um lugar para me sentar.

Havia mil lugares que eu preferiria estar.

Depois de algumas horas o professor resolveu dar fim na palestra.

Eu não aguentaria um só mais um segundo ouvindo aquele ser.

Mas como eu só tomo nessa vida, quando todos estavam prestes a aplaudi-lo, Alexandra surgiu ao palco e tomou a palavra.

— Boa tarde. — Ela disse sem o auxilio de um microfone. A potência de sua voz era tamanha que mesmo eu que estava sentado na última fileira não tive dificuldade para escutá-la.

Ouve um uníssono em resposta.

— Imagino eu que a maioria presente aqui estava muito novo pra lembrar de uma tragédia que acontecera na cidade de Mariana há mais ou menos onze anos atrás. Em condolências a todas as vidas perdidas em seis de novembro de dois mil e quinze quero anunciar que irá acontecer um simpósio sobre a importância da fiscalização realizada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral além de é claro, projetos para a recuperação ambiental de áreas prejudicadas pela ação minerária.

Que? É sério isso? Eu já estou lotado de coisas pra fazer e esse ser me inventa um simpósio?

Eu queria estar bem morto.

Ela fez uma pausa e logo Antônio se intrometeu.

Porra! Até a voz da insuportável da Alexandra estava mais agradável.

— Coloque o meu nome na boca do sapo aquele presente aqui que nunca ouviu alguém dizendo alguma coisa ruim relacionada à Mineração? — Ele pausou parecendo esperar por alguém levantar e utilizar seu nome para um feitiço. — Nós sabemos que a mineração é à base do nosso desenvolvimento. O dia que a humanidade concordar que não quer mais evoluir e se manter inerte retrocedendo para épocas pré-históricas onde sobrevivíamos apenas das coisas que a natureza nos fornece, ai tudo bem. Ai sim eu concordarei em acabar com as extrações.

Para meu espanto, um rapaz que estava sentado a meu lado levantou a mão e no mesmo instante todos voltaram à atenção para o mesmo. Me encolhi no meu assento na esperança que Antônio não me visse.

— Mas por que seriamos obrigados a voltar a viver como selvagens caso concordássemos com o fim da mineração? — Questionou o aluno a meu professor.

— A resposta para essa pergunta é simples meu caro.

— Simples? Ainda não consegui pensar em nada. — Ele retrucou.

— Olhe ao seu redor e me diz uma coisa aqui que não veio da mineração. — Antônio riu. — O calcário que é proveniente de uma rocha de carbonato de cálcio é a matéria prima do concreto que utilizamos nessa construção. Nos milhares de fios que passam por aqui há o cobre. Ah, nos seus celulares, tabletes e computadores há inúmeros minerais, fora os metais presente nos meios de transporte, os minerais na pasta de dente e nos remédios... Ah, os fertilizantes que nos permitem ter alimentos o suficiente pra alimentar toda nossa população...

— Já entendi! Não precisa continuar, mas só acho que tanta devastação prejudicará muito as gerações futuras. — O aluno respondeu parecendo estar ofendido.

— Por isso foi criado há uns sete anos atrás o novo marco regulatório da mineração que foi elaborado por Engenheiros de Minas, Engenheiros Ambientais, Advogados e Geólogos para que haja uma produção sustentável. É dever do ser humano proteger e preservar o meio ambiente. — Meu professor estava começando a ficar um pouco irritado. — Não faço ideia de quantos anos você tem para lembrar, mas o país enfrentou muita coisa por causa da mineração, não obstante se somos um país de segundo mundo hoje é apenas por causa da mineração que trouxe o enriquecimento do país.

Alexandra percebendo o clima que estava se formando, colocou as mãos no ombro do professor e tomou mais uma palavra.

— Não vamos tomar mais o tempo de vocês. Todas as informações sobre o simpósio serão enviadas por e-mail para os alunos. Muito obrigada por terem assistido as palestras. — Ela abriu um enorme sorriso, mantendo os olhos fixos no nada.

— Oxum, rainha dos rios junto da mãe Iemanjá rainha dos mares chora até hoje pelos rios, animais e flora que foram mortos pela barragem de rejeito que estourou em Mariana. Conto com a ajuda de vocês para provarem que essa nova fase da mineração não permitirá que o peito de Oxum e Iemanjá seja preenchido novamente por mágoas.

Que?

Iemanjá? Oxum?

Desde quando esse negrinho está metido com macumba?

Está amarrado e arrependido pelo sangue do cordeiro do Divino Espirito Santo.

Deixa-me sair daqui antes que ele faça algo contra mim.

Já estava cagando de medo desse filho da puta, imagina agora que sei que ele pode me fazer um ebó...

Cê ta é louco!

Eu já estava a caminho de casa tomando uma gelada quando recebi uma mensagem de Caio me chamando pra uma festa na piscina.

Não pensei para aceitar o convite.

É hoje que vou esfolar meu pau até dizer que chega.


Teus Olhos MeusOnde histórias criam vida. Descubra agora