Sam
Assim que acordo, minhas mãos varrem o colchão vazio em busca de Sammy, abro os olhos ligeiros e olho em todas as direções para ter a certeza de que ela já não está mais aqui. Não há nenhum sinal dela. Poderia dizer que aquilo tudo foi apenas um sonho, onde retratasse meu desejo insano de poder voltar no tempo e poder reviver as mesmas lembranças que tanto sinto falta, mas o notebook conectado à televisão, confirma que tudo foi real e que Sammy realmente esteve aqui e dormiu comigo.
Acordar sem o ataque de cócegas nos pés era estranho, ainda mais sabendo que Sammy dormiu aqui. Por uma fração de segundos me ocorre a ideia de talvez ela estar na cozinha tomando sua xícara de café com duas colheres de açúcar com minha mãe.
Salto da cama e corro até o guarda-roupa, retirando uma camisa pólo branca e vestindo enquanto abria a porta e descia o lance de escadas rapidamente até a cozinha. Mamãe estava sentada ao balcão de granito com uma xícara de chá de camomila em mãos e folheava o jornal Correio do Povo, vendo as notícias mais quentes do dia.
-Bom dia mãe. - me aproximo dela e dou um beijo em sua bochecha, ela o retribui e sinto que meu rosto está marcado com seu batom rosa. -Acho que ficou batom no meu rosto. - ela levanta seu olhar atento ao jornal e olha para mim.
-Me desculpe filho, - ela esfrega seu polegar esquerdo no local manchado de batom, tentando remove-lo. - dormiu bem?
Como posso explicar para minha mãe que dormi tão bem quanto nos outros dias? Com Sammy em meus braços, a noite foi apenas de calmaria, como se estivesse dormindo com o som do mar de fundo.
Pego uma xícara no balcão e me sirvo de café, pondo três colheres de açúcar. Me sento ao seu lado na bancada e tento espiar por sobre seu ombro para ver as notícias.
-Dormi muito bem e você? - minha voz sai empolgada demais e seu alarme de mãe apita, ela já percebeu que algo está diferente.
-Eu dormi bem - seus joguinhos eram sempre assim, ela sabe que algo está errado mas nunca pergunta o que há, ela apenas espera até que eu fale.
Já são dez horas e se não fosse sábado, poderia dar a desculpa que estava atrasado para o trabalho. O jeito é falar a verdade, já que não sou bom com mentiras.
-Por acaso, tipo assim, a Sammy passou por aqui? - sua expressão relaxada muda para confusa e ela sacode a cabeça em negação. Então ela deve estar em casa. - É que Sammy entrou no meu quarto ontem há noite.
-Como? - ela quase derrama o chá sobre o jornal, seus olhos tão abertos, chocados. - Sammy dormiu com você? Ela esteve aqui?
-Calma mãe, não é nada disso que você está pensado. - falo, já a advertendo.
- Então o que eu deveria pensar? - ela sempre foi curiosa, quando as vizinhas do outro lado discutiam sobre não permitir que o gato invadisse a propriedade alheia, mamãe ia lá e tentava ajeitar as coisas.
-Se lembra do ritual que fazíamos quando éramos pequenos? - sua cabeça concorda e eu prossigo. - Então, Sammy veio ontem a noite no meu quarto para podermos assistir a um filme de terror, como nos velhos tempos. Só que hoje de manhã ela já não estava mais aqui.
-Ela só pode estar em casa a uma hora dessas - por um lado ela pode até estar certa, mas agora a mesma preocupação de ontem a noite me invade. Algo está errado.
-Acho que vou dar uma passada na casa dela depois - dou de ombros, largo a xícara na pia e subo até meu quarto.
Sammy era aquele tipo de garota que sempre enfrenta as coisas e por mais medo que tenha, se faz de durona até o último segundo. Não que ela seja fria em relação aos seus sentimentos, quer dizer, quando ela tinha treze anos e um amigo nosso tentou beijá-la, ela surtou e chutou as bolas do menino. Lembro de como o menino se curvou de tanta dor e de como seu rosto ficou vermelho. Depois daquela cena, nenhum outro menino se aproxima dela, digo, de tentar fazer o que esse garoto fez. Sammy ainda tinha a boca virgem e se orgulhava disso, segundo ela, nenhum homem era digno de ter seu coração.
Corro até a janela por onde ela passou na noite passada e espio por entre as cortinas para tentar ver alguma coisa, um movimento que seja em seu quarto, mas nada. As cortinas parecem estar do mesmo jeito que estavam ontem quando olhei pela última vez.
O aperto em meu peito estava cada vez mais forte e a sensação de que algo estava errado, ainda permanecia.
Me sento frustrado na cadeira do computador e pego meu celular, faço a senha e procuro no Whatsapp pelo contato de Sammy, vejo que ela foi vista por último ontem ás dez e meia. Ela esteve aqui eram as onze já.
Talvez ela apenas esteja dormindo, mas Sammy odeia dormir até mais tarde. Quer saber, eu vou até sua casa ver se tudo está bem.
Calço meus tênis preto e pego meu casaco xadrez, logo sigo rumo a casa ao lado, passo por mamãe e a digo que vou ver Sammy.
O ar está muito frio do lado de fora, minhas mãos tremem e eu as enfio por dentro do casaco xadrez que não tem bolsos. A vizinhança toda parece estar acordada, mas a casa de Sammy parece estar dormindo. O bairro onde moro é pequeno, com uma estrada sem saída é menos perigoso de acontecer assaltos ou qualquer outra coisa.
Pulo de dois em dois os degraus da frente e bato na porta, dando rápidas batidas na madeira. Logo a mãe de Sammy, a sra. Watson, surge ao pé da porta.
-Olá Sam, como está? - sua cara não é das melhores, mas assim como Sammy, ela não é de falar muito as coisas. Pelas bolsas em baixo de seus olhos e o vermelhidão posso ver que há dias ela não dorme bem e agora a pouco estava chorando.
-Bem, a Sammy está? - então ela começa a chorar e soluçar bem a minha frente, e por impulso eu a abraço. - O que aconteceu sra. Watson?
Espio por dentro pela porta e noto que ela está sozinha em casa, não há nenhum barulho vindo do andar de cima, muito menos no debaixo. Ela me olha com lágrimas nos olhos e tenta controlar o choro que a impede de falar.
-Sammy... - um soluço. Sinto que meu coração pode parar de bater a qualquer momento. - Sammy sumiu. - por um momento queria lhe dizer que não, que Sammy estava bem, que ontem a noite estivera em meu quarto e que assistimos a um filme de terror, mas então lembro de como parecia que algo estava errado com ela e que hoje de manhã quando acordei ela não estava mais ao meu lado.
-C-co-como assim? - guaguejo. Mal consigo manter minha respiração num ritmo normal, aquilo não podia ser verdade, ela jamais seria capaz de alguma coisa dessas.
-Hoje de manhã quando fui acordá-la ela já não estava mais lá, liguei para todas suas amigas e todas elas disseram não ter visto Sammy - mais lágrimas rolam de seus olhos, seu rosto branco como uma vela, tão delicada, dá pra ver a quem Sammy puxou.
Então conto para ela que Sammy passou a noite comigo e de como estava diferente.
-Quando acordei ela não estava mais ali, pensei que tivesse voltado para casa - lembro de que ela apenas estava de camisola, uma seda bem clarinha, quase transparente. - Mas ela estava de camisola quando veio me ver.
-As coisas dela sumiram, as roupas, perfume, dinheiro - ela joga as mãos pro ar e as deixa bater ao lado do corpo. O lenço em sua mão todo molhado de lágrimas. - Já liguei para a polícia, mas você sabe como é quando uma pessoa desaparece.
Não importa se a polícia quer esperar, não importa nada do que essa gente pensa, eu vou atrás de Sammy e a trarei de volta. Não posso passar mais um minuto nessa aflição, com esse medo de que talvez ela esteja em apuros, preciso encontrá-la e saber o porquê fugiu.
Lembrar da garota que cochilou em meus braços, que sempre esteve ao meu lado e nunca me abandonou e saber que ela está sumida, é como levar vários tiros no peito.
O seu sorriso, o seu jeito bobo de brincar, o modo desencolçado de andar e como sempre ri das mesmas piadas velhas que já não são mais tão engraçadas assim, faz com que meus olhos embacem minha visão e o sol que nasceu no horizonte se transformasse em um tremendo temporal de infelicidade.
Juro por todo o amor que sinto por Sammy, que a trarei em segurança para casa.
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Sammy & Sam
RomanceEra tão bom tê-la em meus braços outra vez, pensei que nunca mais olharia para este rosto tão delicado. Ouvir sua respiração perto de meu ouvido e sentir seu coração batendo ao mesmo ritmo que o meu, era a melhor coisa do mundo. Queria que este mome...