Sammy
Já são passadas das três e o tédio me consome, enquanto Helena costura um cachecol eu fico sentada no sofá tentando não abrir uma passagem para meus pensamentos obscuros. A dúvida ainda batuca em minha mente mas o medo pela resposta me faz preferir o silêncio. A maioria das pessoas preferem ele, é mais fácil do que encarar tudo de frente, assim como fugir.
Astro,o gato, descobri que na verdade é do vizinho ao lado que se chama Landon, está engrunhado em meus pés. Astro solta um miado e levanta, saindo da sua zona de conforto, ele anda elegantemente até a porta e suas unhas começam a raspar sem parar pela madeira, produzindo um barulho irritante. Helena solta um palavrão e ele ligeiramente se afasta da porta.
Helena abre a porta e um menino muito alto de cabelos castanhos e um olhar provocante me encara, ele abre a boca para falar alguma coisa mas nenhuma palavra sai.
-Ham... - seus olhos ainda estão sobre mim, parecem estar hipnotizados.
-Landon, limpa aqui - ela leva seu dedo indicador até o canto do seu lábio inferior. - tá escorrendo um pouco de baba. - ele sai de seu transe e começa a rir, uma risada leve, quase como uma música para meus ouvidos, isso me faz sorrir.
-Desculpe, posso entrar? - Helena faz um sinal para que ele entre. - Ham, não vai me apresentar? - ele me olha com aqueles olhos verdes e meu coração salta.
-Claro, se você não for dar em cima dela. - solto uma risada e ele fica sério. - Essa é Sammy.
-Prazer Sammy, sou o Landon. - ele pega minha mão e a beija, seus olhos sempre fixos aos meus.
-O prazer é todo meu. - eu estou encantada com aquele olhar, não consigo parar de olhá-lo, era como se seu olhar chamasse o meu. Dou um sorriso e ele se senta ao meu lado no sofá, pegando Astro no colo.
-Vocês ficaram sabendo de um tal acidente por aqui perto? - ele disse acidente? Isso mesmo?
O ar frio entrava pela entrada da porta, mesmo assim parecia não haver oxigênio o suficiente para mim. E se este suposto acidente tem alguma coisa a ver com Sam? Por tudo que mais amo, tomara que não. Enfio minhas mãos no bolso do moletom, mesmo assim estremeço só de pensar em tal possibilidade. Landon me observa de canto de olho e meu impulso é apenas sair sobre seu olhar atento.
-Um acidente? - Helena olha direto para mim, acho que ela pensou no mesmo que eu. - Me fale mais do que sabe.
-Pelo que ouvi, fui um carro que bateu num caminhão, ele perdeu o controle e acabou invadindo a pista contrária. - minhas mãos vão de encontro a minha boca, me impedindo de soltar um suspiro de espanto. - Não sei se é verdade, mas pelo que ouvi, o motorista do carro está bem ferido.
-Santo Deus. - Helena junta as mãos como se fosse rezar para a salvação deste motorista, ou na pior das ideias, a de Sam.
Uma pequena tontura me faz cambalear para trás. Landon vem em minha direção, pronto para me pegar caso eu desmaiasse.
-Você está bem? - não consigo lhe dar uma resposta, mas Helena responde por mim.
-Tudo o que ela precisa é se distrair um pouco. Landon, por que você não a leva para dar uma volta? - faço que sim com a cabeça, esperando para que ele também concorde. Tudo o que quero é sair desta casa e recobrar minha sanidade mental, já que chorar não posso, não na frente de Landon.
-Tá bom. - assim nós saímos da casa de Helena rumo a rua. Suas mãos em minhas costas, com medo de que eu possa cair.
Me encolho no moletom e meus cabelos pretos sacodem com o vento gélido, a luz do dia está um pouco apagada graças ao outono, mas confesso que esta é minha estação do ano preferida, onde as folhas caem e formam rastros pelo chão.
Ali o bairro era calmo, as ruas continuavam para o oeste e as crianças brincavam de pega-pega na pracinha ali a frente. Após andarmos um quarteirão sem dizer uma palavra, Landon se vira para mim.
-Então, Sammy, o que está fazendo na casa de Helena? - garoto curioso. Seus cabelos castanhos caem em camadas sobre sua testa, o gorro na cabeça preto e as botas de couro parecidas com a de um motoqueiro, me lembram o menino que um dia tentou me beijar contra minha vontade.
-Na verdade é uma longa história. - ele sorri e aponta para uma trilha de folhas caídas ao chão, que nos levavam direto a pracinha.
-Gosto de histórias, me conte a sua. - foi impossível não sorrir neste momento, ele era tão calmo e sexy de uma forma que eu não conseguia explicar. Ele até me fez esquecer por um momento de Sam, então meu sorriso se fecha e a vontade de sair correndo me invade.
A pracinha era cheia de brinquedos, escorregadores, balanços, trepa-trepa, gangorras, as crianças iam de um lado pro outro enquanto as mães despreocupadas sentavam num banco com suas amigas e conversavam.
Acabamos escolhendo um banco que ficava um pouco afastado das crianças, embaixo de uma linda e gigante árvore. Cruzei as pernas e inspirei o ar frio, sentindo uma dormência em meus pulmões.
-Eu fugi de casa. -seus olhos verdes se arregalam e a dor em mim parece crescer. - Fugi do meu pai, da minha mãe, de Sam... - lembrar. Lembrar de tudo aquilo de novo.
Adeus Sam.
Essas palavras vivem ecoando em minha cabeça ultimamente, são minhas palavras de arrependimento.
Desse jeito, conto tudo para Landon, menos a parte do que descobri do meu pai, porque ainda não tomei coragem para admitir aquilo para mim mesma. Ele ficava cada vez mais surpreso conforme eu ia contando, e na hora de falar de Sam, tentei me segurar ao máximo para não chorar.
-Caramba.- essas foram suas primeiras palavras assim que terminei de contar. - Eu sinto muito.
-Eu também. - e num gesto surpreso, ele me envolve em seus braços. Acho que ele esperava me ver desmoronar, chorar sem parar e por tudo para fora, mas eu sei que não devo, quer dizer, ele não é a pessoa que deveria me ouvir e me amparar, a pessoa que deveria estar aqui, me envolvendo em seus braços e acariciando meus cabelos deveria ser Sam.
-Tenho certeza que tudo vai se ajeitar. - eu sei que vai, mas também sei que nada será como antes.
Tudo seria bem mais fácil se tudo o que vivi fosse de verdade e não uma mentira.
Tudo seria bem melhor se Sam estivesse aqui, e lembrar que dele também fugi, apenas aumenta o buraco que se abriu em meu peito. É difícil fechar os olhos e não lembrar de Sam, é difícil esquecer alguém que a gente jura amar por toda a vida.
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Sammy & Sam
Roman d'amourEra tão bom tê-la em meus braços outra vez, pensei que nunca mais olharia para este rosto tão delicado. Ouvir sua respiração perto de meu ouvido e sentir seu coração batendo ao mesmo ritmo que o meu, era a melhor coisa do mundo. Queria que este mome...