Capítulo 6

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Sam

Rondei pelo bairro inteiro, fui aos pontos mais conhecidos da cidade e até os menos frequentados, mas nada de Sammy. Volto para casa frustrado, cansado e triste. Seja lá onde Sammy estiver, que ela esteja bem.

Já são quase sete horas da noite, não comi nada o dia inteiro, exceto o café da manhã. Minha barriga ronca de fome exatamente quando mamãe abre a porta da frente e vem me abraçar. Com uma camisola comprida rosa e de pés descalços, ela envolve meu pescoço com seus braços, tendo de ficar na ponta do pé, sou muito mais alto que ela, devo ter puxado ao meu pai - eu não me lembro de seu rosto, pois quando eu tinha três anos, ele faleceu de um terrível acidente de carro.

-Ah Sam! Você me deu um susto - sua voz preocupada, meio chorosa. Seus cabelos negros, assim como os meus, estão perfumados, cheiro de flores, logo lembro do cheiro de Sammy. A abraço ainda mais forte, não por ela ser minha mãe e eu tê-la deixado preocupada, mas porque ela tem o mesmo cheiro de Sammy. - Te liguei várias vezes, você não atendeu e nem retornou. Filho eu fiquei preocupada.

-Eu sei me cuidar sozinho mãe, e além do mais, sou maior de idade - o que de fato é verdade, tenho dezoito anos e trabalho, sou responsável. - E antes que você me pergunte, eu não achei a Sammy, como você pode ver, e nenhuma pista dela.

-Sinto muito querido, eu sei o quanto ela significa pra você - será mesmo que ela sabe? Porque eu amo a Sammy, não como melhor amiga, eu a amo como mulher. - A polícia veio até aqui.

-O que? - meus olhos se arregalam e meu pulso acelera. Me solto do abraço rápido demais, como se tivesse levado um choque. - O que eles queriam?

-Saber sobre o caso de Sammy. Bom, como vocês dois são melhores amigos desde sempre - ela fala isso sorrindo. É bonito pensar assim, que eu e Sammy nos conhecemos desde sempre, e é meio que verdade porque crescemos juntos, nascemos juntos, literalmente, fazemos aniversário no mesmo dia (30 de outubro). Acho que nascemos perfeitamente um para o outro.

-E o que eles perguntaram? - sua cara se fecha, séria. Posso ver os contornos de seu rosto, os pés de galinha ao redor dos olhos, algumas olheiras não tão fundas, a pele pálida sobre o final do dia.

-Que tal entrarmos e tomarmos um chocolate quente enquanto te conto tudo? - concordo com ela, seguindo para dentro de casa. Fecho a porta atrás de mim e me dirijo até a sala de estar, me jogo no sofá cançado e decepcionado comigo mesmo.

Onde ela estará? Está aquecida? Tem comida? Está em apuros? Parece que todos esses últimos anos que passei ao lado dela estão sendo levados, estão sendo tirados de mim e mesmo que sejam dezoito anos, parece que todo o tempo que passei com ela não foi o suficiente. Seja o que for, que ela volte para mim, que ela volte em segurança, porque eu me recuso a enterrar Sammy, de lhe arrancar de mim. Sammy é uma parte de mim, e sem ela, eu não sou forte o bastante para enfrentar nada do que me espera.

Se alguma coisa lhe acontecer eu morro.

Jogo a cabeça para trás, esticando as pernas na mesinha de centro. Estou com muito frio e em parte isso é pelo medo. Mamãe está na cozinha fazendo o chocolate quente e a minha vontade mais que tudo é sair por aquela porta novamente e só voltar quando encontrar Sammy.

-Pronto, aqui está. - ela me estende uma xícara branca com chocolate quente e me oferece um biscoito de gotas. Logo se senta no sofá da frente e degusta a bebida, o vapor saindo da xícara indo em direção ao seu rosto. - A sra. Watson suspeita de você.

-O que? Como assim suspeita? Ela não acha que eu tenho alguma coisa a ver com o desaparecimento de Sammy, acha? - a olho incrédulo, sem acreditar que ouvi aquelas palavras.

-Sim, e filho você me desculpe mas eu também acho que você tem alguma coisa a ver com isso. - só que me faltava, como se não bastasse Sammy sumida, agora a sra. Watson e minha própria mãe suspeitam de mim. Como elas podem achar isso de mim? Eu amo a Sammy, jamais deixaria ela fazer tal loucura.

-Você também? - ela faz que sim e meu estômago se embrulha. Fecho os olhos, com raiva, e me levanto pronto para ir ao meu quarto quando sua voz me interrompe.

-Aonde você vai? - sua voz autoritária me faz parar na escada.

-Pro meu quarto. - não consigo olhar pra ela e não saber o que ela acha de mim, o que ela pensa sobre mim.

-Não! Você vai me falar o que houve com a Sammy! - falar? Mas que diabos está acontecendo? Ela realmente acredita que fui eu?

-O que? Você está me acusando? Você suspeita de mim? - grito com ela.

-É em você que ela confia Sam! É com você que ela esteve antes de fugir! É ela que é sua melhor amiga e te conta as coisas! Você deve saber! - ela grita mais alto que eu, tentando me mostrar o quanto aquilo era verdadeiro e fazia sentido.

-Você não me conhece mesmo, você não me conhece! Eu jamais, jamais - meu dedo indicador batendo em meu peito, a raiva a mil. - faria isso! Você realmente acha que eu gostei de saber que Sammy está desaparecida? Que minha melhor amiga sumiu? A mulher que eu amo! Como você acha que eu me sinto? - as lágrimas rolando em meu rosto, frias e solitárias. A minha parede está caíndo.

Sua expressão muda, está apavorada com o que eu disse, como se agora tudo vissesse sentido. Mas é tarde demais agora.

Subo as escadas e me tranco no quarto, pego minhas roupas que estavam no guarda-roupa e as jogo no chão, derrubo cadernos e lápis que estavam em cima da escrivaninha e soco as paredes com uma força que pensei nunca ter. Abafo os gritos em minha garganta e me permito me encolher no chão do meu quarto e chorar, pestanjar por tudo ser uma grande droga.

Acredite no que quiser se não em mim, mas eu, agora mais que nunca, estou disposto a encontrá-la e juro que assim que o fizer, eu contarei tudo para Sammy, que a amo, que a quero, que as muitas horas sem ela ao meu lado foram como em um filme de terror.

-Abra Sam! - minha mãe grita do outro lado, em desespero, esperando por uma resposta.

Por todos esses anos, a única coisa que eu queria era poder esquecer, esquecer que meu pai morreu, esquecer que minha irmã de dez anos morreu atropelada e agora, mais que tudo queria poder esquecer que Sammy sumiu e não me sentir culpado por nada dessas coisas que aconteceram.

Não posso perder Sammy, não quando ela é tudo o que me restou.

Recolho as roupas do chão e as enfio na mochila. Dane-se o emprego e dane-se a faculdade, Sammy sempre esteve em primeiro lugar pra mim, porque eu acredito que se possa viver sem bens materiais, mas não acredito que se possa viver sem o amor, sem aquele que mais amamos.

Ando até a porta e destranco a fechadura, mamãe leva um susto e recua. Sua boca aberta dá a impressão de que quer me dizer algo.

-Aonde vai? - não importa o que ela pensa Sam, ache Sammy.

-Vou atrás dela e você não vai me impedir - passo por ela e sei que ela está me seguindo, pois seus sapatos batem no chão de madeira. Sua voz se eleva atrás de mim.

-Isso é loucura Sam! Você está completamente obcecado em querer achá-la! - pra mim já deu.

-Você mãe, nunca se importou de verdade comigo, tudo o que faz é beber seu chá, ler seu jornal. Não finja que está tudo bem, que você superou a morte de Amy e a do papai, não finja que somos felizes porque não somos! Eu amo a Sammy e você não vai me impedir de encontrá-la porque eu não vou deixar a vida me tirar mais alguém que considero importante pra mim! - desabafar, por aquilo pra fora era tranquilizante e assustador.

Com lágrimas no rosto eu lhe dou de costas e sigo até o carro. Tudo está dando errado e eu me pergunto se poderia ficar pior.

Sammy & SamOnde histórias criam vida. Descubra agora