Sammy
-Adeus Sam. - meu coração parece prestes a quebrar.
Pulo a janela de seu quarto, passando uma perna de cada vez e abaixando a cabeça para não bate-la, recolho a mochila jogada ao lado e a coloco nos ombros. Pego um embalo e consigo subir até a árvore, com muito cuidado vou descendo de galho em galho até chegar ao chão, em terra firme. Meus pés batem com força na terra seca e meu olhar voa atento até a janela de seu quarto, está tudo escuro.
Me agacho, com o joelho sobre a terra, e abro o zíper da mochila, recolhendo de lá de dentro minhas calças jeans preta, meu all star e meu moletom. Claro que se chegasse com roupas normais na casa de Sam, ele iria desconfiar muito mais de mim, como aquilo era para apenas dar a impressão de que seria mais um ritual normal e não uma despedida dolorosa, tinha que ir vestida como tal. Me enfio por trás da árvore troncuda e me visto rápido, sentindo o ar gélido passando por minha pele nua.
Assim que termino de calçar meus tênis confortáveis - minha mãe nunca entendeu do porque eu gostar tanto de usá-los - saio correndo entre a noite e o nascer-do-sol sem um rumo certo a seguir, com o desejo apenas de fugir para bem longe, de toda essa mentira que meu pai inventou. Corro sem olhar para trás, sem olhar para o que deixei para trás.
De todos que deixei, aquele que me trará mais falta, que me fará chorar de saudades e fará meu peito se contorcer de tanta dor, será Sam. Eu sei que não é justo crucificar o que sinto, a amizade que temos por um erro que não é nem meu, é de meu pai, mas também não é justo que Sam se irrite e tente ajeitar as coisas só porque aquele canalha enganou a todos nós. Estou fugindo para proteger minha mãe, para proteger quem sabe mais quem. Só não quero assumir, não quero fazer esse erro ser tão real.
Tudo o que mais queria neste momento era voltar para os braços de Sam, meu porto seguro. Queria me aninhar em seu peito e sentir suas mãos acariciando meu rosto. Lembrar dele, apenas faz com que tudo seja mais difícil.
Paro por um instante de correr, pondo as mãos nos joelhos para recobrar o fôlego, abaixo a cabeça e respiro, cansada. Olho ao meu redor e me pergunto onde estou, não me lembro de alguma vez ter passado por essas ruas. Ali há algumas casas pequenas, parece ser uma rua bem pobre, quase uma favela, mas não chega a ser isso. As casas de madeira pendendo a maioria para o lado, o chão coberto de terra úmida. Não há ninguém ali na rua, estou sozinha ao lado de um poste aceso, as casas todas em silêncio pelos moradores estarem dormindo, olho para meu relógio e são quase seis horas da manhã, daqui a pouco as pessoas vão começar a sair de suas casas e me verão. Mas não posso ficar aqui, nem sei onde estou e quem são eles, se são pessoas boas ou se me farão algum mau.
Sempre fui corajosa, mas estar perdida em uma rua desconhecida, com gente desconhecida me fazia tremer até os ossos.
Vamos Sammy, seja corajosa e enfrente isso de cara, voltar você não pode mais, então fique e suporte as consequências, penso.
Vejo um gato branco passar ao meu lado e levo um susto. Seu rabo se enrosca em minhas pernas e sua cabeça se esfrega em mim, ele começa a miar e me pergunto se ele não está com fome. Me agacho e começo a fazer carinho nele, seus olhos verdes se fecham, acho que ele está gostando. De repente ele sai em disparada até uma certa casa, a varanda de madeira com duas cadeiras de praia abertas, e se senta em uma delas, ele se vira em minha direção e como se estivesse me chamando, vou até ele.
Me sento ao seu lado e continuo a correr os dedos por seu pelo fofinho, ele ronrona quando acaricio sua barriga e aquele gesto me faz sorrir. Sinto um barulho de chaves e me viro em direção a porta atrás de mim bem na hora em que uma velinha de cabelos brancos com as costas meio curvadas me olha com espanto, acho que ela não esperava encontrar uma adolescente na varanda as seis da manhã acariciando seu gato.
-Quem é você? - ela aponta com o dedo em minha direção e eu me levanto devagar da cadeira de praia, me posicionando a sua frente. Sua camisola rosa e os óculos de armação fina, me lembram a vovozinha da Chapeuzinho Vermelho.
-Eu sou Sammy, me desculpe por...
-Oras garota, não precisa se desculpar por nada. Apenas quero saber o que está fazendo aqui sozinha a uma hora dessas. - ela não me parece ser nenhuma sequestradora, está mais para a avó querida que se senta no dia de natal com seus netos ao redor do fogão a lenha e lhes conta uma bela história antes de dormir.
Seja lá quem ela for, ela não me conhece e provavelmente nem se importará se contar o verdadeiro motivo que me levou até ali, irei embora e ela continuará com a sua vida, apenas lembrando que um dia encontrou uma adolescente sentada ao lado de seu gato na sua varanda. Além do mais, eu quero desabafar, quero poder tirar um pouco desse peso das minhas costas.
-Eu fugi de casa - as primeiras palavras que saem de minha boca a fazem se assustar. Acho que ela esperava que eu lhe dissesse que estava fugindo da polícia depois de assaltar ao banco.
-Entre querida, entre e vamos conversar - sua expressão relaxada e seu olhar compreensível me faz ter a confiança de que ela é uma boa mulher.
Ela dá um passo para trás e faz um gesto para que eu entre, assim o faço. Logo que entro sinto o cheiro de incenso, a sala de estar junto a cozinha tem uma péssima iluminação, mas acredito que quando abrir as janelas o lugar se iluminará. O sofá era de apenas dois lugares e ao lado havia uma pequena poltrona com uma linda almofada cheia de rosas vermelhas. Ela indica o sofá e me sento, sem falar nada ela me trás uma xícara de chá meio fria.
-Então, me conte o por quê fugiu. - ela se senta na poltrona, a xícara de porcelana pousada em um pratinho em cima de uma mesa de centro, pouso a minha também e a olho meio sem graça. Por onde devo começar?
-Descobri um segredo terrível do meu pai, ele... - não consigo falar, não consigo admitir aquilo em voz alta. Uma lágrima escorre, fazendo o contorno da minha bochecha e morrendo em meus lábios.
-Ou meu bem, não precisa me falar agora o que seu pai fez - sua mão pousa em meu joelho esquerdo com carinho, um gesto maternal quase. Faço que sim com a cabeça e seco o rastro que a lágrima deixou em meu rosto.
-Depois que descobri seu segredo eu não sabia o que fazer, se contava para minha mãe, se contava para Sam. Foi demais para mim, saber... - dou um suspiro - daquilo. Então tomei a decisão de fugir, porque achei mais fácil fugir do que enfrentar a verdade, não estou pronta para isso, não sei o que irá acontecer quando a verdade vier à tona. - com a voz falhada permito algumas lágrimas a mais serem derramadas.
-Seja lá o que esse seu pai tenha feito, ele deve ser um idiota - ela me faz rir com suas últimas palavras, nada que eu já não soubesse, mas ouvir aquilo de outra pessoa me fez se sentir um pouco mais leve. - Mesmo assim querida, ele ainda é seu pai e seja lá o que ele tenha feito, ele te ama, porque você é a filha dele. Imagina a preocupação dele ao ver que sua filha sumiu? - sua sobrancelha se ergue.
Não havia parado para pensar nisto, mas ele não merecia tal pensamento, tudo o que eu consigo pensar é naquilo que ouvi. Ele sendo ou não meu pai, não sei se sou capaz de perdoa-lo, se sou capaz de ver ele do mesmo jeito que eu o via antes de tudo isso.
-Acho que ainda não posso perdoa-lo. - falo com certeza, pode ser que com o tempo eu aceite ou então não.
Mesmo assim, não irei voltar para casa, não agora, quero que ele sinta na pele como é ter uma filha desparecida. Ele não sabe que sei de seu segredo. Eu o farei se arrepender apenas por este meu gesto. Um pai ausente, sempre ausente, quero ver como ficará ao saber que desapareci, bem debaixo de seu nariz.
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Sammy & Sam
RomanceEra tão bom tê-la em meus braços outra vez, pensei que nunca mais olharia para este rosto tão delicado. Ouvir sua respiração perto de meu ouvido e sentir seu coração batendo ao mesmo ritmo que o meu, era a melhor coisa do mundo. Queria que este mome...