Capítulo 23 - Andrew Harper

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República: 28/03/2015 - Sábado, 7:23 p.m.


Não era muito de ir no quarto da franjinha, porque ela sempre ia para o meu e nunca passou pela minha cabeça ir para lá antes. Porém, eu precisava saber de umas coisas, mesmo que ela não me dissesse por ainda não confiar em mim. Considerava-a como uma grande amiga, no entanto, para isso se consolidar era necessário que confiasse em mim o bastante para me contar um pouco sobre a sua vida.

Desde a primeira vez que a vi, tive certeza de que escondia muito mais do que parecia. Não só pela franja que realmente a deixava misteriosa, mas principalmente pelos segmentos dos seus olhos que tinham uma variabilidade significativa que apenas ela podia entender. E, por ser o seu amigo, precisava fazê-la sentir-se segura perto de mim, porém, para isso, teria que conversar sem ninguém por perto.

Mandei uma mensagem para o seu celular perguntando se ela estava sozinha e, por incrível que parecia ser, estava. Devia ser sorte mesmo. Por isso nem esperei muito para levantar da minha cama e ir até seu quarto.

Aqui na república o dormitório dos homens e das mulheres eram separados. Havia três andares, o das mulheres era no segundo andar e o nosso, no último. No primeiro, ficava o refeitório para quem quisesse tomar café da manhã, almoçar e jantar. Tinha um horário certo para essas refeições, então quem quisesse era só descer e entrar na fila, como nas escolas. E também era onde ficava a secretaria ou a sala da Alícia, a dona deste lugar.

Esperei pelo elevador e quando ele parou, dois caras saíram de lá e cumprimentaram-me com um aceno de cabeça e um sorriso. Devolvi o mesmo gesto e entrei no elevador. Era impossível entrar em qualquer elevador e não relembrar do dia ao qual a franjinha falara que tinha medo de elevador. De primeira instância, achei engraçado o fato da fobia dela ser isso, no entanto, eu apenas concordei e continuei conversando sobre as nossas fobias. Nesse mesmo dia, falei sobre a minha mãe. Que a perdi pelo câncer e tudo mais. Ela me contou que nunca chegou a conhecer seus pais e que foi criada pela avó desde que se entende por gente.

Nunca, definitivamente nunca passou pela minha cabeça que logo ela, que era uma pessoa alegre, determinada, direta e brilhantemente inteligente pudesse ter todas essas qualidades e muito mais outras apenas com a criação da sua avó. Aparentemente, nos trazia a impressão de que a sua vida era perfeita. Uma família perfeita, não daquelas ricas, mas daquela que era sempre concebida por algum afeto indispensável. Que colocava o amor acima de qualquer outra coisa supérflua, como a minha fazia. O meu pai, sendo mais específico. No entanto, isso a tornava muito mais especial que qualquer outra coisa, porque, mesmo sem os seus pais, sem ao menos conhecê-los de verdade, ela seguiu em frente sem pensar em desistir ao menos uma vez; era o que parecia, pelo menos.

Saí do elevador assim que parou e bati na porta do seu quarto duas vezes com a mão fechada.

— Oi, encaracolado! Pode entrar!

Era a primeira vez que me chamava assim, porém não reclamei nem nada. Era bom ter apelidos porque queria dizer que a pessoa era importante o suficiente para receber um apelido carinhoso e nunca mais ser esquecida. Ao menos para mim, esse conceito servia muito bem, pois não sabia como as pessoas encaravam a minha mania de apelidá-las. Só apelidava quem eu achava que seria uma peça importante na minha vida, e sim, apenas as mulheres. Apelidar homem já era se agregar muito ao exagero da minha parte. Não que eu não considerasse meus amigos uma peça importante na minha vida. Na verdade, todos aqueles que trombaram comigo sequer uma única vez já fizeram parte da minha vida, porque são momentos nos quais simplesmente não podia ignorar, um processo muito relevante de aprendizado.

Primavera Sem Rumo (Livro 1) - CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora