Capítulo 17-O Inferno de Dante (Part. 2)

150 18 2
                                    

Ao me virar, esperava encontrar uma figura grotesca e assustadora com mais de 20 metros de altura, três cabeças e asas de morcego, mas o que vi na verdade foi totalmente diferente do que Dante havia descrito em seu livro.

Diante de mim estava um adolescente, não muito mais velho que eu, usando uma camisa de botões branca e uma calça jeans preta, com sapatos sociais brilhantes até demais.

Seus cabelos tinham cor de palha e eram bagunçados de um jeito charmoso. Ele tinha um sorriso encantador e parecia irradiar uma luz de seu corpo. Mas sua beleza acabava ali. Sua presença continuava a me assolar, me deixando desnorteada e querendo fugir dali o mais rápido possível.

E além de sua presença forte, também haviam seus olhos. Ao invés de brancos, eles eram negros como a noite mais escura e suas íris brilhavam tão vermelhas quanto sangue. Havia um brilho perigoso neles. Um tipo de fogo que queimava por trás de suas íris. Um fogo que eu tinha certeza que poderia incinerar minha alma.

Não vai dizer oi? —ele perguntou, alargando seu sorriso, me fazendo me perder por um tempo

Sacudi a cabeça e me concentrei em olhá-lo nos olhos, onde eu poderia ver com quem eu estava falando.

O que quer de mim? —perguntei, pondo o máximo de autoridade em minha voz

Lúcifer deu uma risada. O som melodioso de sua voz ecoou por toda extensão da Judeca e fez o gelo abaixo de meus pés tremer e as almas gemerem com medo.

Não quero nada de você, Elizabeth. Não ainda, pelo menos...

Então por que me trouxe aqui?

Achei que você iria gostar de ver o último círculo do inferno. É certamente meu preferido." ele falou e abriu os braços, como se quisesse que eu olhasse para o resto do local

Ao invés de olhar em volta, foquei meu olhar nos olhos dele, mantendo a coragem, tentando arrancar dele alguma resposta.

Ele diminuiu o sorriso e continuou olhando para mim com os olhos cerrados, ainda com o fantasma de um sorriso no canto dos lábios enquanto abaixava os braços vagarosamente.

Não vai comprar essa, não é? me mantive calada, ainda o encarando. Ele levantou os braços como se estivesse se rendendo e o fogo em seus olhos pareceu aumentar. — Você é mais corajosa do que eu esperava, tenho que admitir...

Ele se aproximou e eu tentei dar um passo para trás, mas meus pés pareciam estar presos ao gelo.

Minha respiração se acelerou quando notei que Lúcifer andava em círculos a minha volta, me analisando com seus olhos.

O que você quer de mim? —perguntei novamente

Sua ajuda.

Franzi o cenho e o encarei confusa quando ele parou em minha frente, ainda me encarando com um sorriso no canto dos lábios.

E por que eu te ajudaria em alguma coisa?

Por que você não vai ter escolha, querida Elizabeth. Se você não me ajudar, as consequências serão duras.

Ajudar com o que?

A causar o apocalipse, oras!

Arregalei os olhos por um instante, mas acho que enlouqueci por um momento naquela hora, já que minha reação foi rir na cara do Diabo.

Você está preso no Último Plano, Lúcifer. Não pode causar danos no Primeiro Plano. Seus poderes são limitados. Você não pode fazer nada —eu falei sorrindo como se a vitória já estivesse na palma da minha mão

Mas o sorriso que ele deu fez com que eu duvidasse de minhas palavras e tirasse a expressão vitoriosa do meu rosto.

Seus olhos mostravam que ele sabia de alguma coisa que eu não sabia e que as palavras que eu havia dito com tanta confiança eram apenas afirmações estúpidas e irrelevantes para ele.

Ele sacudiu a cabeça lentamente, como se tivesse pena da minha ignorância e segurou meu queixo com uma de suas mãos. Seu toque era ainda mais gelado que o gelo que estava abaixo de meus pés. Ele parecia estar sugando toda minha vida de mim e me fazendo perder toda esperança.

Você é inteligente, Elizabeth, porém ainda é ingênua em alguns pontos. —ele disse e soltou meu rosto, me fazendo soltar o ar que eu não sabia estar segurando — É verdade, eu estou preso aqui. Minha prisão domiciliar onde meu querido Criador me prendeu pela eternidade. —e então ele se aproximou de meu ouvido e sua voz doce me pareceu a coisa mais ameaçadora que eu já havia ouvido em toda minha vida — Mas quem disse que eu vou continuar preso aqui para sempre?

Assim que eu ele falou essas palavras, o mundo a minha volta girou e eu pude ver ao longe uma besta de três cabeças, cada uma delas devorando um homem diferente. Suas asas se assemelhavam a asas de morcego e era tão grande quanto Dante havia descrito.

Abri meus olhos e me encontrei em meu quarto escuro, suada e respirando profundamente.

Tentei me sentar na cama e entrei em pânico ao perceber que não conseguia me mexer. Podia sentir uma pressão no meu peito, me mantendo imóvel, incapaz até de abrir a boca.

Tentei de tudo para mexer sequer um dedo mas não consegui.

Em meio ao meu pânico, pude ouvir com clareza em meu ouvido palavras sendo sussurradas por aquela voz perigosamente melodiosa.

Minha oferta tem um prazo, Elizabeth. Assim que o momento chegar, precisarei da sua resposta. Seja sábia para que você não sofra as consequências de uma escolha errônea.

Assim que a voz se foi, consegui mexer um dedo da mão e a pressão em meu peito foi passando.

Assim que me senti livre, me sentei na cama, respirando o mais fundo que podia, sem sentir o ar entrando em meus pulmões.

Lágrimas de desespero se formaram em meus olhos e não tive escolha a não ser deixá-las correrem livres.

Ao fechar os olhos para chorar, as imagens das almas congeladas e de Judas ensanguentado voltaram a minha mente, me fazendo abrir os olhos rapidamente para me certificar de que eu não havia voltado para a Judeca.

Eu estava desesperada e sentia um pânico indescritível. Meu corpo doía e eu ainda podia sentir resquícios da pressão em meu peito.

Não dormi mais naquela noite.

Medium (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora