Capítulo 24-A Calma Antes da Tempestade(Part. 1)

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Sexta de manhã deveria ser um dia feliz para uma aluna comum do ensino médio. Infelizmente eu estava longe de ser comum.

Depois que revelei o que iria fazer quando Lúcifer ficasse livre, tive de me trancar no quarto e ignorar os gritos dos meus pais para que eu abrisse a porta. Não podia mudar minha decisão ou eles morreriam, isso era certo.

Eles não desistiam de tentar abrir a porta, mesmo depois de ter feito uma barricada nela, então fui obrigada a pegar minhas coisas e enfiar numa mala pequena junto com minha mochila escolar e pular a janela do primeiro andar. Havia dado um jeito no pé com a queda, além de ter alguns arranhões pelo corpo, mas não era como se aquilo fosse me parar. Caminhei até a casa de Hannah e a garota me escondeu em seu quarto para que eu pudesse dormir sem que os pais dela me vissem.

Hannah tentou arrancar de mim o que havia acontecido para eu ter que fugir de casa, mas tudo que consegui falar foi que muita coisa estava acontecendo e precisava de um tempo longe daquele lugar. Ela parou de fazer perguntas depois disso.

No meio da noite, acordei sentindo a presença de Sebastian ao meu lado. Nenhum de nós falou nada, apesar de eu ver a desaprovação pela decisão que eu havia tomado mais cedo. Depois um tempo em silêncio Sebastian apenas bufou e deitou próximo a mim, nunca me tocando, apenas me olhando com atenção e fazendo seu melhor para ficar calmo e passar essa calma para mim. Não demorou muito para que eu pegasse no sono depois disso.

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Não sonhei naquela noite.

Acordei com Hannah me balançando para que começasse a me arrumar para ir para a escola. Iria tentar passar esses últimos dias de calma vivendo o mais normalmente possível. Levantei-me, notando que Sebastian já não estava mais lá e me senti vazia sem a companhia dele. Sacudi a cabeça, me sentindo tola, e corri para tomar um banho no banheiro do quarto de Hannah.

Saí sem ser vista pelos pais da garota e pegamos o ônibus escolar. O barulho das pessoas a minha volta me dava uma certa paz. Me mostrava que estava viva e que o mundo não tinha se acabado ainda. Ainda havia tempo.

Sentei-me com Hannah no fundo do ônibus e passei o caminho todo olhando pela janela. Em algum momento, Kelly se aproximou e me olhou confusa, notando como eu estava acabada. Ela pareceu querer me ajudar mas desistiu quando Hannah agradeceu mas pediu para que ela me deixasse sozinha.

Não prestei atenção em nenhuma das aulas e acabei indo para a detenção quando o professor de matemática pediu para que eu respondesse uma questão no quadro que ele havia respondido minutos atrás e eu não havia prestado atenção, não sendo capaz de responder. Felizmente, ninguém ligou para os meus pais.

No intervalo caminhei até uma parte afastada do colégio, perto de uma árvore alta com fama de assombrada por um fantasma de uma garota suicida. E a fama era verdadeira. Ao me sentar no pé da árvore, pude sentir a dor e a aflição de um espírito inquieto que estava preso a aquele lugar.

Tentei barrar a aura do espírito para não acabar tomando o mesmo rumo da garota que um dia usou essa árvore para acabar com a própria vida, sem sucesso. Minha vida já estava acabada, me matar provavelmente não resolveria muita coisa.

Senti a presença de Sebastian ao meu lado e pude perceber ele sentado com as costas na árvore, olhando para o horizonte.

— Não é um lugar muito saudável para se passar o tempo livre... —ele comentou

— O que quer, Sebastian? —perguntei com arrogância na voz

Não queria ser grossa com ele, mas meu humor não estava muito bom naquele dia. Ele me encarou sem expressão e soltou o ar — que ele nem sequer precisava — pelo nariz.

— Não faça isso, Liz... Vamos dar um jeito de resolver isso...

Soltei uma risada seca e balancei a cabeça.

— Você é idiota se pensa que é tão fácil assim. Sinceramente, não entendo o porquê você se preocupa tanto comigo. Me deixe em paz, Sebastian.

— Me preocupo por que você se preocupa também. Você tem que parar de tentar descontar sua raiva em mim, Liz...

— Se não quer que eu desconte minha raiva em você então vá embora.

— Não.

— Por que não?

Sebastian travou a mandíbula, se recusando a falar qualquer que fosse o motivo de não me deixar ali e eu senti a raiva de tudo que estava acontecendo se misturar com a raiva de Sebastian sempre esconder seus motivos de mim.

— PARE DE GUARDAR SEUS SEGREDOS E DIGA LOGO O MOTIVO DE VOCÊ NÃO PARAR DE ME ABORRECER!

— Elizabeth, tenha calma...

— CALMA? VOCÊ QUER QUE EU TENHA CALMA? EU JÁ ESTOU CANSADA DE TER CALMA, SEBASTIAN! ESSE SEU SEGREDINHO CERTAMENTE NÃO ME AJUDA A TER CALMA.

— Liz...

— NÃO. QUER SABER? CALA BOCA. EU NÃO QUERO MAIS OUVIR NADA. MUITO MENOS DE VOCÊ!

Sebastian me olhava com pena enquanto lágrimas caiam dos meus olhos. Ele se levantou e segurou meu braço calmamente, me fazendo ficar tonta e quase cair no chão, se não fossem seus braços que me seguraram.

— Vem, vou tirar você daqui. Esse lugar não está te fazendo bem... —pude ouvir a voz dele dizer calmamente

Senti que estava me movendo e a raiva diminuiu a cada passo que dava para longe da árvore. As lágrimas ainda caíam pelo meu rosto. Seus braços me apertavam num abraço e senti quando paramos de nos mover, mas não quebrei o contato.

O frio de sua presença me envolvia e senti a vontade de poder sentir a pele dele no lugar daquela coisa fria que era seu espírito. Queria saber como era abraçá-lo de verdade. Tentei imaginar e por um momento pude sentir como era seu abraço. Pude imaginar vividamente o calor de seu corpo me envolvendo enquanto me escondia em seu abraço e senti ainda mais vontade de chorar por uma saudade estranha daquela sensação. A sensação era real demais em minha mente, mais como uma lembrança que um fruto da minha imaginação. A saudade que sentia do abraço dele parecia apertar meu coração como se eu já o tivesse sentido antes, e aquilo me deixava confusa.

Me soltei dele vagarosamente, sentindo meus sentidos voltarem ao normal assim que quebrei contato com ele. Olhei para os lados, notando que estava longe da árvore, e que a falta da aura do espírito me envolvendo me acalmava mais.

Enxuguei as lágrimas e olhei Sebastian nos olhos. Eles pareciam cansados.

Antes que pudesse falar alguma coisa, Sebastian se aproximou e encostou os lábios em minha testa, me fazendo perder os sentidos durante os segundos em que ele me deu o beijo. Assim que senti seus lábios quebrando contado com minha pele, a presença dele sumiu e me encontrei sozinha.

Alguns minutos depois Hannah me achou sentada na grama, onde eu estava arrancando as tiras de grama e amarrando-as umas nas outras sem razão aparente, apenas queria ocupar minha mente com alguma coisa.

Assim que Hannah abriu a boca para falar comigo, senti um tremor. Aparentemente Hannah sentiu também, pois abriu os braços tentando se equilibrar. Nos olhamos por um segundo até que outro tremor aconteceu e senti meu corpo tensionar completamente, me fazendo sentir dor. Imagens de uma rachadura gigante se quebrando chegaram a minha mente, junto com dois olhos negros com íris vermelhas me encarando, parecendo refletir vitória neles. E, no fundo de minha mente, uma voz melodiosa ecoou, me fazendo querer me encolher e chorar de medo.

Tic-toc, tic-toc... Consegue ouvir o relógio bater? O tempo está acabando, eu estou me erguendo...

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