Minha mente estava confusa. Coisas de mais passavam pela minha cabeça para que eu pudesse processar. Imagens de meu pai com os olhos de Lúcifer eram as mais decorrentes, assim como a lembrança da dor de ter sido jogada como um brinquedo múltiplas vezes.
Eu estava desacordada, mas algumas horas recobrava a lucidez, me fazendo sentir a dor de meu corpo machucado. Cada vez que acordava eu dava um grito de dor antes de desmaiar novamente. Durante os desmaios eu chegava a alucinar. Sentia como se ainda estivesse sendo jogada no concreto em meio a toda aquela chuva que caía. Podia sentir na pele o asfalto rasgando minhas roupas e ferindo minha pele descoberta enquanto as grossas gotas de chuva gelada parecia aliviar minimamente o desconforto. Podia ver em minhas alucinações a mão de meu pai se levantar em minha direção, pronto para acabar com minha existência.
Em meio a minhas alucinações, pude ver os olhos de Sebastian olhando para mim. Havia carinho e preocupação neles enquanto me estudavam. Mas logo os olhos azuis de Sebastian eram substituídos por olhos negros e vermelhos, me fazendo acordar e repetir o ciclo de dor que estava sofrendo.
Quando finalmente acordei sem gritar, senti medo de abrir os olhos. Ainda podia sentir a dor em meu corpo e não me atrevia a me mexer. Respirei fundo, sentindo minhas costelas doerem com o movimento de meus pulmões e abri os olhos lentamente.
Minha visão demorou alguns segundos para focar completamente, mas quando o fez pude ver que estava deitada em minha cama, no meu quarto. Não me atrevi a mover a cabeça, apenas estudei meus arredores com os olhos o máximo que pude. Parecia tudo... Normal.
Olhei para a janela, vendo que uma chuva forte ainda caía do lado de fora. O céu estava nublado e não me dava pistas de que horas eram, só que já havia amanhecido desde que eu perdi a consciência.
Me atrevi a tentar me sentar na cama.
Grande erro.
Ao mover os braços para apoiá-los no colchão, a dor pareceu preencher meu corpo inteiro, me fazendo soltar um grito. Fechei os olhos e respirei fundo tentando conter as ondas de dor que ainda me atingiam e senti raiva. Eu não podia estar assim. Não enquanto Lúcifer estava a solta por aí.
Ouvi a porta do quarto se abrindo e abri os olhos, vendo minha mãe entrar correndo no quarto. Ao ver que eu estava de olhos abertos ela arregalou os olhos e correu até mim, sentando-se na cama ao meu lado e me segurando para me ajeitar na cama com cuidado.
— Liz, não tente se mover! Você está completamente machucada...
— É, eu pude sentir isso... —falei e franzi o cenho assim que ouvi minha própria voz
Ela estava tão rouca e fraca que quase não a reconheci. Engoli saliva, notando o quanto ela ardia e me lembrei que Lúcifer havia apertado minha garganta pelo menos duas vezes enquanto me atacava.
— Os feitiços de cura estão funcionando, mas não são o suficiente para lhe curar por completo tão rápido... Tenho que fazê-los a cada vez que você começa a sentir dor... —minha mãe comentou, choramingando
Notei seus olhos inchados e vermelhos, cheios de lágrimas, e quis abraçá-la, mas não me atrevia a me mover novamente.
Ela pegou a caneta tinteiro que havia usado ontem e começou a escrever em meu pulso, pernas e próximo dos seios.
— Você estava a beira da morte ontem... —ela murmurou —Por pouco não perdemos você...
Antes que eu pudesse falar alguma coisa, notei uma figura na porta do meu quarto e fiquei confusa. Sebastian estava ali, de pé, me observando. Ele notou que eu o olhava confusa e me lançou um sorriso incerto.
— Quando Lúcifer saiu da sua casa, os feitiços de proteção caíram... Por isso eu estou aqui dentro. —ele explicou calmamente
— Você me salvou... —falei — Você poderia ter morrido... De novo.
— Você faria a mesma coisa por mim...
O encarei, lembrando de Sebastian se colocando entre mim e Lúcifer e no olhar de raiva que Lúcifer o havia lançado assim que apareceu. Lúcifer tinha o poder para desintegrar tanto eu quando Sebastian naquela hora, mas por algum motivo não o fez.
— Vou deixar vocês dois sozinhos agora, tenho que falar com alguns familiares e amigos... Avisá-los do que está por vir... —minha mãe falou, melancolicamente, e levantou-se, dando um beijo na minha testa e saindo do cômodo, me deixando sozinha com Sebastian
Ele se aproximou e sentou no chão, ao lado da minha cama, me fazendo virar um pouco o rosto para conseguir vê-lo.
— Como você se sente? —ele perguntou
— Como se um caminhão tivesse me atropelado enquanto eu levava uma surra.
Ele soltou uma risadinha e balançou a cabeça.
— Não esperava menos... Você estava muito mal ontem... Sangrava muito e parecia ter muita coisa quebrada aí dentro. —ele apontou para meu corpo
— Quanto tempo eu fiquei desacordada?
— Quase 20 horas seguidas. Já são 3 da tarde.
— E vocês tiveram notícias de Lúcifer e do meu pai?
— Sinto muito, Liz, mas não temos nada. Tudo que sabemos é que a tempestade que está caindo aí fora está se espalhando para cidades vizinhas.
Encarei o teto e quis chorar mas as lágrimas já não vinham mais. O sentimento de impotência parecia ainda maior naquela hora. Não podia nem sair da cama sem gritar de dor e provavelmente desmaiar.
— O que vamos fazer agora? —sussurrei tristemente e fechei os olhos
— Eu não sei Liz... Eu não sei...
Então me lembrei de uma coisa. Uma conversa que parecia ter acontecido a milhares de anos atrás, mas que havia sido a pouco tempo. As palavras do ceifeiro pareciam me atingir em cheio naquela hora, me fazendo entender o propósito da Senhora dele em mandar aquela mensagem.
Ela queria que a procurassemos quando chegasse a hora.
Quando o tempo se esgotasse.
Abri os olhos com rapidez e olhei para Sebastian, minha aura irradiando esperanças de que seja lá o que aquela mulher queria falar conosco poderia nos ajudar com o nosso problema.
— Elizabeth, o que foi? —Sebastian perguntou, colocando uma postura atenta, provavelmente sentindo minha aura mudar subitamente
— Eu já sei que que vamos fazer em seguida, Sebastian.
Ele franziu o cenho, confuso e eu engoli em seco.
— Nós vamos falar com a Morte.
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Medium (Concluído)
Mystery / ThrillerS.M. e S.F. -Pessoa que, segundo o espiritismo, tem a capacidade de se comunicar com os espíritos, com pessoas que estão mortas. P.ext. -Pessoa que, supostamente, possui dons ou capacidades para perceber ações, situações ou coisas sobrenaturais. ...