MATTHEW
Meus pensamentos pareciam mais confusos do que já eram. Não conseguia entender o que se passava na minha cabeça, ou diferenciar os pensamentos de Lúcifer dos meus. Podia sentir um leve incomodo na boca do estômago. Uma dorzinha irritante que era a única coisa que eu conseguia sentir naquele momento, já que meu corpo estava inibindo a dor infernal que eu sentia.
Eu sabia que a dor que estava passando pelo meu corpo era insuportável, como se ele estivesse se despedaçando aos poucos, lutando para não se fragmentar. Mas, por alguma razão, meu cérebro decidiu me dopar. Havia uma linha fina entre estar consciente e não estar, e eu estava bem no meio daquela linha, quase pendendo para o outro lado. E, graças a isso, a única coisa que eu conseguia sentir era aquele incomodo na boca do estômago.
Subitamente, senti que a viagem nas sombras havia cessado. Tentei me concentrar no que via a minha frente. Podia ver as luzes iluminando uma cidade a minha frente, mas pude perceber também que estava em um beco escuro. Lúcifer respirava pesadamente, tentando trazer ar para os meus pulmões, me mantendo vivo. Podia sentir meu rosto coberto de sangue que jorrava dos meus olhos.
Haviam carros e pessoas passando na rua logo após o beco. Me perguntei onde estávamos agora, mas logo Lúcifer se encarregou de responder.
— Antananarivo, Madagascar. Nossa última parada antes de chegarmos onde eu quero. —ouvi minha voz mesclada com a de Lúcifer dizer —Lhe darei quatro dias para descansar. É bom que aguente a viagem até Amesterdão... Ou então afundaremos no Oceano Índico, por sua culpa.
Ele então se pôs a caminhar cambaleante pelo beco, indo até a rua principal. As pessoas então começaram a olhar, assustadas. Eles não deviam estar acostumadas a um homem chorando sangue andando pelas ruas daquele jeito.
Lúcifer continuou caminhando até uma parte elevada da cidade, onde as ruas pareciam vazias. Pude sentir uma força estranha vindo daquela rua. Os postes de iluminação antiquados faziam sombras nas calçadas e nas ruas de tijolos, e o único barulho que poderia ser ouvido era o dos meus sapatos batendo no chão.
Pude então ouvir o barulho de uma porta distante se abrindo e logo vi de onde o som havia vindo. Alguns metros a minha frente, a porta de uma das casinhas do morro se abriu, lançando uma faixa de luz amarela na calçada. Da pequena casinha vermelha saiu uma mulher. Ela era esguia e tinha pele morena com cabelos castanhos cacheados que caiam sobre seus ombros. O vestido branco que usava se balançava com a leve brisa que soprava naquela noite.
A mulher olhava diretamente para mim, com uma expressão calma e postura ereta. Demorou apenas alguns segundos para eu ver quem ela realmente era.
Seus olhos brilharam vermelhos por um segundo antes de voltarem a tomar a tonalidade escura novamente. Aquela mulher era um demônio.
Lúcifer chegou até a porta aberta e não disse nada, apenas entrou e foi em direção ao quarto, onde deitou-se na cama, fazendo meus músculos relaxarem quase que imediatamente. Ele passou as mãos no rosto, tirando o sangue que manchava minhas bochechas, e as esfregou em minha camisa imunda.
— Meu senhor... Posso fazer-lhe mais alguma coisa? —a mulher apareceu na porta do quarto e Lúcifer não se deu nem o trabalho de olhar para ela
— Não, Paimon. Já fez o suficiente. Ficarei aqui até que este corpo mortal se recupere.
A mulher então se aproximou da cama lentamente, sentando-se enquanto olhava para Lúcifer com luxúria. Levou então suas mãos ao meu peito, passando-a pela minha camisa suja vagarosamente enquanto seus olhos mudavam entre a íris vermelha demoníaca e os castanhos intensos.
— Tem certeza? Poderia lhe dar mais...
Senti o desconforto de ter o toque dela em minha pele e quis tirá-la dali, mas não podia controlar meu corpo. Mas, antes que eu me desesperasse, pude ver minha mão segurar a do demônio a minha frente e sabia que os olhos de Lúcifer queimavam de raiva.
— Já disse que não. Saia daqui, antes que eu acabe com sua existência.
A mulher levantou-se rapidamente e curvou a cabeça antes de se retirar do cômodo e fechar a porta do quarto.
— Não pense que fiz isso por você. —a voz de Lúcifer quebrou o silêncio —Apenas preciso manter esse corpo descansado. Infelizmente, não posso forçá-lo demais.
Ele então fechou os olhos e pude me ver num local escuro. Só então percebi que Lúcifer estava sentado a minha frente, me olhando com suas íris de sangue com um sorriso no rosto.
Ali, em minha mente, eu o via em sua forma original. Não uma que ele tomava para agradar os outros. Ali eu podia ver o verdadeiro Lúcifer, o Quarto Plano original. Sua forma original tinha cabelos cor de areia e ele irradiava uma luz vermelha hedionda de seu corpo. Três pares de asas negras como piche se projetavam de suas costas, abertas completamente. Elas brilhavam como se fossem feitas de metal negro. O sorriso em seu rosto juvenil parecia zombar de mim, e seus olhos de íris vermelhas me encaravam analisando minha alma minuciosamente.
Era o adolescente mais ameaçador que eu já havia visto.
— Espero que esteja preparado para o que vem a seguir, Matthew. —ele falou, sua voz ecoando de todos os lados, mas seus lábios nunca se movendo
— Você não vai ter sucesso nos seus planos.
— Ah, não? Eu tenho a vantagem da surpresa, caro amigo... Sua filhinha não faz ideia de para onde eu estou indo.
— Ela irá descobrir. Elizabeth é inteligente.
Lúcifer então abriu seus lábios e pude sentir quando prendi minha respiração. A forma que os Primeiros Planos tomavam nunca abriam as bocas para falar ou coisa parecida. Sempre as mantinham fechadas e faziam suas vozes ecoarem de todos os lados possíveis. Mas Lúcifer abriu seus lábios. Sua boca pareceu rasgar dos lados, fazendo um sorriso que era literalmente de orelha a orelha, e dentro podiam se ver dentes grandes e afiados, mas não havia garganta ou língua. Era apenas um buraco negro com dentes.
A visão daquele sorriso hediondo me fez ter medo. Uma risada ecoou de sua boca horrenda, assustadora e estridente, me fazendo cobrir os ouvidos.
— É O QUE VEREMOS, MATTHEW!
![](https://img.wattpad.com/cover/65928786-288-k675114.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Medium (Concluído)
Misterio / SuspensoS.M. e S.F. -Pessoa que, segundo o espiritismo, tem a capacidade de se comunicar com os espíritos, com pessoas que estão mortas. P.ext. -Pessoa que, supostamente, possui dons ou capacidades para perceber ações, situações ou coisas sobrenaturais. ...