Capítulo 16-O Inferno de Dante(Part. 1)

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A casa estava escura mas isso não parecia me impedir de caminhar pelos corredores até a escada de minha casa, onde pude ver claramente meu tio e meu pai tendo uma conversa. Um calafrio percorreu minha espinha assim que eu percebi que, junto a eles — deitado no chão — estava meu corpo, imóvel.

Os dois estavam sentados em suas próprias pernas, o que me fez perceber que aquilo que eu estava vendo era o momento em que eu tinha deixado meu corpo para tentar salvar Sebastian.

Franzi o cenho, confusa por estar vendo aquilo, sendo que minha alma estava num lugar totalmente diferente quando tudo aquilo aconteceu. Assim que fiz menção de descer as escadas, pude ouvir a voz de meu tio claramente, apesar de estar baixa, como se no sonho eu estivesse ligada ao meu corpo, e o que meu corpo ouvia, eu também podia ouvir.

Matthew, quando você me contou aquele plano... Você estava brincando, não é mesmo?

Meu pai baixou mais a cabeça, como se não quisesse falar sobre aquele assunto e pude ver meu tio franzir os lábios.

Matt, isso não vai funcionar, é suicídio! E além do mais-

Além do mais o que? —meu pai falou, olhando para o meu tio com um olhar sombrio

Além do mais, Hazel não iria querer isso. —meu tio disse, num tom soturno

Como você poderia saber disso? —meu pai trincou os dentes e fechou os punhos após ouvir o nome de minha mãe

Por que eu sou o irmão dela, e ela o amava. Não iria querer que você fizesse uma besteira dessas.

E é por ser irmão dela que você deveria me ajudar. Não quer salvar sua própria irmã?

É claro que eu quero, mas não desse jeito!

Bem, sinto lhe avisar que esse é o único jeito.

Isso que você quer fazer não deveria nem ser considerado como uma opção, é loucura! A Liz vai acabar perdendo também o pai por você ser tão estúpido!

Os olhos de meu pai brilhavam de raiva pelas palavras de meu tio e eu nunca havia me sentido tão confusa. Parte de mim sabia que aquilo não era apenas um sonho. Parte de minha consciência deve ter ficado na casa assim que eu deixei meu corpo e me permitiu ver aquilo tudo. Mas eu não entendia o que estava acontecendo.

Jack, me escute. Hazel está presa no limbo a tempo de mais. Nem mesmo um corpo eu pude enterrar por que tanto seu corpo quanto sua alma foram dilacerados no momento em que ela tocou aquele espírito. Ela está condenada a dor eterna naquele limbo, e eu não aguento passar todos os dias da minha vida vendo-a morrer e sentir dor quando há uma opção para tirá-la de lá. A questão é: você vai me ajudar a salvar sua irmã ou não?

Meu tio o encarou sem expressão por um momento. Ele também sofria pela "morte" de minha mãe e em seus olhos o conflito entre ajudar meu pai em seu plano aparentemente maluco ou deixar as coisas como estavam podia ser visto com clareza.

Por fim, ele soltou o ar com força e encarou meu pai nos olhos.

Pode contar comigo.

Após essas palavras, senti um vento forte me levar pra longe dali, e fui parar num local escuro. Não podia ver meu corpo graças a escuridão, apesar de saber que estava ali, e, se eu ouvisse bem, eu poderia ouvir gritos distantes. Gritos horrendos e cheios de dor.

De repente, pude ver e sentir o que estava a minha volta. Eu estava em pé em um lago de gelo, com um vento congelante batendo em minha pele. Minhas vestes haviam mudado e eu usava um tipo de vestido grego, o que fazia o frio ainda pior já que meus braços estavam descobertos.

Olhei para o lago de gelo e arregalei os olhos sentindo minha respiração parar por alguns segundos. Debaixo do grosso gelo, haviam homens e mulheres congelados, todos com expressões de dor e sofrimento. E, por alguma razão, eu sabia que eles estavam vivos debaixo daquele gelo, sentindo suas peles congelando pelas águas geladas, sem poder se mover.

Olhei ao meu redor e o vento parou do nada. Franzi o cenho e me virei para trás, tomando um susto ao ver que havia alguém lá.

Um homem ensanguentado e quase totalmente desfigurado se mantinha de pé ali, tremendo e me encarando enquanto respirava pesadamente. Suas roupas pareciam antigas e estavam completamente rasgadas.

30 moedas... —sua voz soava rouca e cansada — 30 moedas não valeram a pena... 30 moedas pelo preço que pago por toda eternidade, sendo dilacerado todos os dias...

Dei um passo para trás, sentindo meu coração bater rapidamente graças ao medo que sentia. O homem então sorriu para mim, com seus dentes e lábios sangrentos.

Deves ser mesmo importante... Ele parou meu castigo apenas para ver você. Meu castigo é interminável, mas por você ele se desfez de mim, pelo menos por alguns momentos. Seja lá quem fores, és importante.

Minha cabeça trabalhava a mil por hora, tentando entender o que estava acontecendo. Então eu finalmente percebi uma coisa. Eu reconhecia aquele lugar pela descrição dele.

Ao perceber quem aquele homem a minha frente era, dei mais um passo para trás, sentindo minha garganta secar instantaneamente.

"30 moedas..."

Você é Judas. —falei em voz alta, notando ele inclinar a cabeça um pouco ao ouvir seu próprio nome — E este é o Judeca, a quarta divisão do nono círculo do inferno. Eu estou no Último Plano...

Judas deu outro de seus sorrisos sangrentos e ouvi uma risada que mais parecia que ele estava engasgando no próprio sangue.

Garota esperta.

Mas não é possível. Ninguém vivo já chegou ao Último Plano, a não ser Dante.

Lembro-me deste nome. O ouvi a muitos milênios atrás, enquanto sofria meu castigo sendo dilacerado pela besta.

Balancei a cabeça um pouco, sem acreditar naquilo e me sentindo ainda mais assustada que antes.

Dante havia sido o único infeliz a ter a sorte, ou a falta dela, de andar pelas divisões do Último Plano, e ainda escrever sobre elas para que pudéssemos conhecer a geografia do Último Plano. Não fazia sentido eu estar lá, e muito menos Judas estar de pé diante de mim.

Neste momento, segundo Dante, Judas deveria estar sendo dilacerado por Lúcifer enquanto ele o mastigava. Mas lá estava ele, completamente machucado, mas sem sofrer sua punição.

Senti o vento frio bater novamente em minhas costas e o rosto de Judas se contorceu em uma expressão de pavor ao olhar por cima do meu ombro.

Não, por favor... —sua voz rouca implorou, antes de sumir da minha frente subitamente

Engoli em seco, sentindo aquela presença tão perto de mim. Era uma presença forte e maligna, capaz de enlouquecer meus sentidos me fazendo quase desmaiar.

Não vai se virar para me olhar, Elizabeth? Achei que tivesse modos. uma voz extremamente doce e atrativa falou

Senti meu corpo se arrepiar ao perceber o quanto aquela voz era perigosa. Não era uma voz alta como um trovão ou dura e amedrontadora. Era uma voz doce e melodiosa, calma e serena. Não me fazia me sentir com medo ou aterrorizada como a presença fazia. Pelo contrário. Eu sabia que aquela voz era a própria tentação, e que se eu não tomasse cuidado, faria o que aquela voz me mandasse fazer.

Com uma respiração profunda, tomei coragem e me virei para encarar Lúcifer.

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