A chuva ainda caía incessantemente, me fazendo refletir sobre de onde estava vindo toda aquela água. Pelo menos o barulho das gotas grossas de água e o cheiro de terra molhada me faziam me sentir mais calma e me concentrar mais no livro que estava em meu colo.
Eu estava do lado de fora da casa, na varanda, com um livro de estudo dos mediums, tentando ao máximo achar alguma coisa que pudesse me dizer onde meu antigo cajado estava.
Segundo minha mãe, os cajados haviam sido mantidos em algum lugar já que faziam parte da história de nosso povo. Mas não sabia dizer onde eles estavam. Infelizmente, eu tinha a sensação de que Lúcifer sabia e estava indo direto para lá. Se ele chegasse antes de nós, acho que estaríamos perdidos.
Bufei, indignada pela informação não estar na primeira página do livro e continuei lendo atentamente, tentando achar alguma coisa.
Ouvi a porta da frente abrir e senti que era Sebastian. Ele sentou do meu lado mas eu não o olhei. A aura dele parecia estar agitada, e a minha provavelmente também estava.
— Você não respondeu antes... O que eu te fiz? —ele perguntou, sua voz soava baixa e parecia tomar cuidado a cada palavra que falava
Levantei meus olhos do livro e olhei para ele. Ele estava tenso e parecia acuado. Seus olhos me estudavam como se tentassem descobrir a razão da minha raiva súbita.
Fechei o livro em meu colo e olhei para a chuva, tentando pensar numa resposta que não fizesse minha raiva parecer infantil e desnecessária.
— Por que você não me contou antes? —murmurei, incerta das minhas palavras
Não olhei para Sebastian, mas pude ver ele se movimentar minimamente pelo canto do olho. A aura dele parecia estar mais calma agora.
— Eu não sei... Acho que fiquei com medo de que você se afastasse. Não é todo dia que um fantasma fala que conheceu você em uma vida passada...
— Mas... Não e justo. Você sabia quem eu era e eu não fazia ideia de quem você deveria ser e por que estava na minha vida...
— Agora você sabe.
— Mas mesmo assim... Você devia ter falado!
— De que adiantaria?
Franzi o cenho e o olhei, notando um olhar melancólico em seus olhos. O azul deles estava escurecido pela falta de luz, e pareciam tão nublados quando o céu acima de nós.
— Mesmo que eu dissesse, o que teria mudado? Eu estava morto, nunca poderia ter você novamente daquele jeito... Dizer só iria lhe fazer consciente de que eu lhe amava, e só iria me fazer ter certeza de que nunca mais iria poder ter você.
Respirei fundo e olhei para meus pés que balançavam um pouco acima do chão. Ele estava certo. Se ele tivesse dito não iria adiantar muito. Eu não poderia ficar com ele, nem ele comigo.
— Desculpe. Eu só estou... Estressada. —falei
Ouvi uma risada abafada vir dele e o olhei.
— Você está sempre estressada, Elizabeth. Não mudou nada em todos esses anos...
Não contive um sorriso ao ouvir aquilo. Sempre havia sido a garota estressada e com a expressão dura. Não importava qual fosse a vida. Esse posto só era tirado de mim quando Sebastian estava por perto. Ele sempre havia sido a única coisa capaz de me acalmar e me fazer sentir em paz. Era calmo ao lado dele e minha aura sempre era manipulada pela dele.
Ele me olhava com um certo brilho nos olhos e parecia feliz em me ver ali. Meu sorriso se desfez e a pergunta voltou a minha cabeça... Eu o amava? Ainda não era capaz de definir o que eram lembranças e o que estava realmente acontecendo naquele momento. Não podia dizer se aquilo era apenas o fantasma do sentimento que um dia tive.
Baixei minha cabeça, olhando para o livro no meu colo e o apertando com um pouco mais de força. Sebastian percebeu minha atitude e franziu o cenho, incerto do que estava acontecendo.
— Tem mais alguma coisa te incomodando?
— Como você sabe que me ama? —falei baixinho e pude sentir a aura de Sebastian se tornar agitada — Como você pode ter certeza que o sentimento é real e não apenas uma lembrança como todas as outras?
A mão dele segurou meu queixo e me fez olhar para ele. Seus olhos prenderam os meus e senti meu coração bater mais forte.
— Eu sei porque é forte demais para ser uma lembrança. Por que cada vez que olho para você eu sinto isso. E eu não posso esquecer isso, por mais que eu tente. Mesmo que eu me livre das lembranças o sentimento fica. Mesmo que eu não soubesse quem você era eu ainda sentiria isso.
Pisquei algumas vezes, pensando no que ele disse e senti a confusão que eu tinha em minha cabeça se esvair pouco a pouco. Mesmo não sabendo quem ele era antes eu já sentia algo por ele, só não sabia o que. Desde o primeiro dia que eu o vi, eu senti.
Pulei nele e o abracei, o segurando forte contra mim e senti seus braços me abraçarem também. A paz que ele me trazia me enchia e me fazia esquecer do mundo afora. Me afastei um pouco e me surpreendi quando senti os lábios dele tocarem os meus.
Por um momento não soube o que fazer e senti meus sentidos fugirem de mim, como se Sebastian ainda fosse um fantasma e seu toque ainda me fizesse perder a noção do que estava envolta de mim. Assim que os lábios dele se separaram dos meus pude ver o sorriso no rosto dele.
— Você não faz ideia o quanto eu esperei para poder fazer isso novamente.
Pisquei algumas vezes e ri, vendo-o rir comigo. Assim como em todas as outras vidas, eu e Sebastian estávamos juntos novamente.
O momento foi cortado pela voz do meu tio gritando por nós da sala de estar. Nos soltamos e corremos até lá, na esperança de ser alguma coisa sobre os cajados e, ao ver a cara do meu tio, soubemos na hora que era.
— Onde eles estão? —perguntei
Minha mãe levantou do sofá e nos olhou com um certo receio em seus olhos, me deixando tensa.
— Os cajados estão sendo guardados por mediums no local aonde vocês dois nasceram. Uma casa de partos antiga que o nosso povo não deixa os humanos normais chegarem perto. —ela disse
— Mas...? —perguntei, tentando fazer minha mãe falar o que a estava deixando receosa
— Mas... O cajado de Amonet... O seu cajado... Está quebrado.
Franzi o cenho e a olhei sem conseguir falar nada.
— Meu cajado está... O que?
— Eles foram achados numa cidade grega antiga a muito tempo atrás e levados de volta para o Egito para que pudessem ficar seguros. —meu tio falou, jogando o livro que estava em suas mãos no chão — Mas eles o acharam partido ao meio.
A memória da pintura no salão da Morte me atingiu em cheio. Eu estava caída no chão, com meu cajado quebrado.
— Eles tentaram reconstruir o cajado mas nada dava certo. Era impossível fundir o ouro do cajado e fazê-lo novamente.
— Os únicos capazes de consertar são os seres do plano que nos deram o cajado. Eles não foram feitos por mãos humanas, provavelmente também não podem ser consertados por elas.
— Ok, ok... —falei abanando as mãos acima de minha cabeça. Era muita coisa de uma vez só. — Vamos primeiro achar os cajados e pegá-los. Depois nos preocupamos em consertar o meu cajado. Se Lúcifer chegar até o cajado antes de nós teremos ainda mais problemas.
— Liz tem razão. Acho melhor irmos imediatamente. Sebastian disse
— Então acho melhor prepararmos as malas. Estamos indo para o Egito. —minha mãe comentou
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Medium (Concluído)
Mystère / ThrillerS.M. e S.F. -Pessoa que, segundo o espiritismo, tem a capacidade de se comunicar com os espíritos, com pessoas que estão mortas. P.ext. -Pessoa que, supostamente, possui dons ou capacidades para perceber ações, situações ou coisas sobrenaturais. ...