Já era noite quando finalmente consegui me mover sem que gritasse de dor. Meu corpo ainda estava dolorido e haviam hematomas por todo ele. Meus olhos estavam cheios de olheiras, meu lábio estava cortado e uma de minhas bochechas estavam roxas. Minha imagem no espelho era deplorável, mas não havia muito que eu pudesse fazer.
Desci as escadas cuidadosamente e fui até a cozinha comer alguma coisa já que o dia todo eu só havia tomado dois copos de suco de laranja graças a minha garganta completamente ferida. Ela já havia melhorado agora e minha voz havia voltado ao normal. Uma das únicas coisas que ainda não estavam destruídas em meu corpo.
Comi um sanduíche com mais suco e fui até a sala, encontrando minha mãe e meu tio lá. Meu tio tinha um corte na sobrancelha graças a Lúcifer que o jogou bem em cima de uma mesinha de vidro no canto da sala na noite passada. Mas, fora isso, parecia bem fisicamente.
— Ainda acho que um de nós deveria ir com você... —ele falou olhando para mim
— Desculpe, tio, mas a Morte queria apenas eu e Sebastian.
— Por que confia tanto naquele fantasma?
Pisquei algumas vezes, refletindo sobre sua pergunta, mas apenas dei de ombros.
— Eu apenas confio. Sinto que posso confiar. —assenti, afirmando para mim mesma aquelas palavras, e logo voltei o olhar para minha mãe e meu tio — Não preocupem, vou ficar bem.
Meu tio bufou mas não insistiu mais no assunto. Minha mãe abriu os braços, me chamando para um abraço e eu me aproximei, me deixando ser confortada por ela por alguns momentos. Ali, no abraço dela, eu podia fingir que estava tudo bem enquanto o mundo ao meu redor caía aos pedaços.
— Boa sorte, meu amor... —ela sussurrou para mim
— Obrigada mãe.
Me soltei de seu abraço e caminhei até a porta. Sebastian estava do lado de fora, olhando para a chuva. Assim que cheguei do seu lado ele virou o rosto para mim e passou a me examinar. Percebi que seus olhos se demoraram mais no hematoma gigante da minha bochecha e vi sua mão se mover hesitantemente na direção dele antes de desistir do que quer que fosse que ele ia fazer.
— Estão preparados? —uma voz perguntou do meu lado
Nos viramos para ver o ceifeiro nos encarando sem expressão. Assenti lentamente e me deitei no balanço da varanda. Escolhi descansar ali pois me dava paz. Aquele balanço guardava boas lembranças da minha vida, e deitar nele me trazia calma. Dando uma última olhada na chuva fechei os olhos e senti minha alma sendo puxada do meu corpo.
Assim que abri os olhos estava no salão da Morte. Estava exatamente como eu me lembrava: Colunas de mármore iam até o teto absurdamente alto, quadros de acontecimentos históricos que levaram a morte de milhares estavam pendurados nas paredes. Me lembrei de um quadro em particular e me virei esperando ver o quadro vazio com apenas as escrituras de um título neles, mas meus olhos se arregalaram quando notei que o quadro não estava mais vazio.
Na moldura dourada no fim do corredor estava uma pintura da noite anterior, mas haviam detalhes... Diferentes. Minha casa estava retratada no fundo da pintura com raios iluminando o telhado e uma luz ainda mais forte saindo da casa até o céu. Mais a frente, na varanda da casa pude ver o meu pai, seus olhos estavam negros com a íris vermelha como sangue e em seu rosto havia uma expressão feroz. E na frente da casa, estávamos eu e Sebastian no meio da chuva forte. Mas havia uma coisa estranha naquilo. Tanto Sebastian quanto eu estávamos pintados com roupas diferentes e um tipo de brilho nos circundava. Sebastian parecia estar usando um tipo de saia egípcia e segurava na mão um cajado que parecia ser feito de ouro enquanto ameaçava Lúcifer. Eu estava caída no chão com um vestido branco, também lembrando o estilo egípcio. O vestido estava encardido e sangue e haviam rasgos por todo ele. Em minha mão eu também segurava um cajado, mas o meu parecia estar quebrado.
Sebastian também reparou na pintura e olhou com o rosto em confusão para cada detalhe da pintura. Não fazia ideia do que estava acontecendo e por que aquela pintura estava ali, até eu me lembrar do título que estava nela.
'O Despertar.'
— Gostou da pintura? Apareceu ontem a noite aí. —ouvi uma voz feminina falar e me virei para a voz
A Morte estava sentada em seu trono de ouro, suas vestes pretas esvoaçantes tocavam o chão, e seus olhos negros me encaravam com uma certa raiva. Suas sobrancelhas estavam curvadas numa carranca e parecia querer me matar de uma vez. Mas havia mais alguma coisa em sua expressão. Um tipo de desespero escondido atrás da raiva.
Em um movimento extremamente suave, Morte levantou de seu trono e pareceu flutuar em minha direção na velocidade de uma bala, me fazendo dar um passo para trás e cair sentada no chão, enquanto a Morte se inclinava para frente com uma rapidez inimaginável, trincando os dentes.
— ISSO É SUA CULPA! —ela gritou e sua voz vinha de todos os lados do cômodo, me fazendo tremer de medo — SE VOCÊ NUNCA TIVESSE NASCIDO ISSO NÃO TERIA ACONTECIDO! VOCÊ E SEUS DESCENDENTES SÃO OS CULPADOS DISSO TUDO!
Engoli em seco, sem saber o que dizer. Estava certa de que ela iria me matar ali, naquele lugar.
Mas não foi isso o que aconteceu.
A Morte se endireitou e flutuou para trás, tomando distância de mim. Me mantive no chão, a encarando, e Sebastian se aproximou, segurando meus braços como se quisesse me levantar.
— Infelizmente tenho que admitir que se vocês não tivessem nascido, poderia ser ainda pior. Não teríamos forças para parar Lúcifer... Além disso, vocês são a única esperança para impedí-lo...
Tendo dito isso, sentou-se em seu trono e bufou, passando a mão em suas têmporas e voltou a nos encarar com seus olhos negros.
— Nos chamou aqui só para reclamar? —Sebastian perguntou, com uma expressão ameaçadora em seu rosto
— Não, garoto. Tenho coisas mais importantes a tratar com vocês...
— Tais como...? —Sebastian se levantou, com suas mãos fechadas em punhos
Ele estava com raiva, isso era óbvio.
— Tais como dar a vocês o conhecimento de vocês de volta.
Levantei do chão com uma expressão confusa e vi Morte dar um pequeno sorriso, se agradando pela minha confusão.
— Vocês realmente acharam que estavam juntos por coincidência? —o tom dela era de deboche — O Sebastian aqui sabe mais do que ninguém que não é uma coincidência...
Virei minimamente minha cabeça para o lado em confusão e olhei para Sebastian que estava de olhos arregalados. Ele parecia nervoso e não olhava para mim hora alguma.
— Sebastian... O que ela quer dizer com isso?
Sebastian engoliu em seco e a Morte deu uma risada alta.
— Ah, minha querida... Sebastian só está com você agora por que ele conhece você. Sempre conheceu. Não é mesmo, Sebastian?
Franzi as sobrancelhas e esperei que Sebastian desse algum tipo de explicação. Ele coçou a nuca e respirou fundo.
— Bem... É que... Nossa, isso vai ser difícil de explicar.
— Não. Não vai. Por que quem vai explicar sou eu. —a Morte falou e novamente se levantou — Está na hora de vocês tomarem suas memórias de volta.
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Medium (Concluído)
Gizem / GerilimS.M. e S.F. -Pessoa que, segundo o espiritismo, tem a capacidade de se comunicar com os espíritos, com pessoas que estão mortas. P.ext. -Pessoa que, supostamente, possui dons ou capacidades para perceber ações, situações ou coisas sobrenaturais. ...