Dias atuais
Minha mãe estava sentada no sofá da sala, com meu pai ao seu lado, a ouvindo atentamente. Ela tentava explicar a ele a situação em que estávamos metidos enquanto eu estava sentada na sacada de minha casa, olhava a rua escura sendo iluminada precariamente pelos postes de luz.
Não me movia ou dava sinal de que iria me mover, apenas olhava a extensão da rua, inexpressiva, aparentando não sentir nada, quando na verdade sentia tudo.
Meus pensamentos voavam entre tentativas de achar maneiras de impedir o inevitável e reflexões sobre como eu pude me meter naquilo tudo.
Hannah havia voltado para casa para ficar com o irmão. Só Deus sabia o quanto tempo eles tinham vivos com tudo que estava prestes a acontecer. Sebastian estava do meu lado, silencioso, olhando a rua como eu. Sua presença era inquieta e provavelmente estava tão preocupado com tudo aquilo quanto eu.
Meus pensamentos foram cortados quando uma figura de terno apareceu em minha frente. Meu rosto não revelava nada, mas sabia que ele podia ver em meus olhos toda a angústia e raiva que sentia daquilo. O ceifeiro baixou sua cabeça, como se lamentasse algo, mas logo voltou a levantar a cabeça.
— Minha senhora tem uma mensagem para vocês. —disse
— A não ser que a mensagem seja uma forma de parar o apocalipse, não estou interessada, obrigada. —falei sem me importar em mostrar emoção em minha voz
— Não sei o que minha senhora tem a dizer, para dizer a verdade, mas deve ser importante. —o ceifeiro falou e olhou profundamente nos meus olhos — Ela disse que quando a hora chegasse, você e seu amigo deviam a procurar.
— Que hora? —perguntei, curiosa
— Ela disse que você saberia. Que seria quando o tempo se esgotasse.
— Por que não agora? —Sebastian perguntou
O ceifeiro encolheu os ombros quase que imperceptivelmente.
— Ela está meio ocupada agora... Os planos estão agitados desde que a rachadura foi aberta e os mortos estão tentando fugir por ela.
Fixei meu olhar em minhas mãos, não conseguindo afastar a sensação de que era minha culpa o que estava acontecendo com os planos. Eu era uma medium. Eu deveria ser aquela com o poder de manter os planos em harmonia, mas agora a sensação de que a desarmonia que se fazia presente neles era culpa minha fazia minha cabeça pesar.
Olhei para frente novamente e percebi que o ceifeiro havia ido embora, me deixando apenas com a dúvida do que a Morte teria para me dizer.
A porta de casa foi aberta e meus pais e meu tio saíram, vindo em minha direção. Meu pai estava pálido e parecia agora sentir o peso de suas ações.
— O que vamos fazer? —perguntei olhando minha mãe nos olhos
— Temos que falar com os outros mediums. Eles precisam ser avisados do que está por vir.
Apenas assenti e voltei a olhar para a rua. Percebi Sebastian me encarando e o encarei de volta. Podia sentir o medo e a agitação emanando dele, me contagiando.
— Então esse é o Sebastian... —ouvi a voz fraca de meu pai falar
Cortei o contato visual com Sebastian e olhei para minhas mãos, não falando uma palavra sequer. Estava com raiva de meu pai por aquilo tudo, acho que ele sentiu isso.
— Liz eu-
— Não peça desculpas. —o cortei com grosseria em minha voz — Graças a você, o mundo está prestes a acabar e as pessoas que deveríamos proteger vão morrer. Então não se atreva a pedir desculpas, porque a culpa é sua.
— EU FIZ ISSO PARA SALVAR SUA MÃE! —ele vociferou
Não olhei para ele mas podia perceber em sua voz que ele chorava.
— Você não a salvou. Você apenas a tirou de uma prisão para condená-la a morte, junto com todo o resto do mundo.
— EU NÃO-
— Você não sabia? —perguntei me levantando bruscamente e o olhando com toda raiva que eu sentia transparecendo em meus olhos — Você não sabia de muita coisa, pai. Eu vi a conversa entre você e o tio Jack enquanto eu estava desacordada. Você nem mesmo sabia se o feitiço iria dar certo, mas o fez mesmo assim, sem pensar nas consequências.
— Eu não podia deixar sua mãe daquele jeito... —ele soluçava graças ao choro, e sua aura passava tristeza, arrependimento e raiva — Eu simplesmente não podia. Sim, eu sou culpado pelo que vai acontecer, mas-
— Não existe um "mas". —falei com os dentes cerrados — Você causou a droga do apocalipse. E agora Lúcifer vai se libertar e vir me convencer a ajudá-lo. O que você acha que vai acontecer se eu disser "não" agora? Por que eu tenho uma ideia do que pode acontecer. Ele vai torturar vocês, se não matá-los, e você teria que assistir a mulher que você ama e que foi capaz de causar o maldito fim do mundo para salvá-la sendo torturada pela droga do Diabo.
Ele não falou mais nada, apenas me encarou com os olhos arregalados e a respiração pesada enquanto lágrimas ainda caíam de seus olhos.
Minhas palavras fizeram todos os que estavam presentes ali pararem por um momento. A dureza e a possibilidade delas serem verdade fez com que todos sentissem um arrepio.
Fechei os olhos e respirei fundo, sentindo meu coração pesar ao lembrar da conversa com Lúcifer e de minha decisão após pensar no que poderia ser "alto preço" que o mesmo havia mencionado.
— Mas não se preocupe, você deu sorte. Isso não vai acontecer...
Todos me olharam, confusos, e eu senti lágrimas caindo em meu rosto.
— Elizabeth... —Sebastian chamou meu nome, provavelmente entendendo o que eu iria fazer
— Eu não vou permitir que isso aconteça. Por mais que eu o odeie agora, você ainda é minha família, assim como a mamãe. Não posso permitir que nada aconteça a vocês...
— Elizabeth, não- —minha mãe se aproximou, notando aonde eu queria chegar e eu apenas dei um sorriso seco ao olhar para o meu pai
— Mas tenha em mente, a cada segundo que você viver, que a culpa foi sua. —falei, me afastando da mão de minha mãe que tentava alcançar meu ombro — A culpa é e sempre será sua por sua filha ter de se sacrificar para salvar você. Por que minha resposta será sim.
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Medium (Concluído)
Mystery / ThrillerS.M. e S.F. -Pessoa que, segundo o espiritismo, tem a capacidade de se comunicar com os espíritos, com pessoas que estão mortas. P.ext. -Pessoa que, supostamente, possui dons ou capacidades para perceber ações, situações ou coisas sobrenaturais. ...