Capítulo 6

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Continuo agarrada ao livro — que agora está envolto em uma sacola azul da Album— enquanto caminhamos em direção ao rio Sena. Ainda temos uma hora antes de eu encontrar Michel para comer sushi no Marais. Agora anoiteceu para valer, e está o maior burburinho nas ruas. Sinto como se estivesse flutuando. Olho para ela de canto de olho, sorrio, fico vermelha... E não só eu, mas ela também. Minha voz sumiu. Com a mão esquerda, Lica segura o cotovelo direito, um jeito de se proteger e de se manter composta. 

Como agir em uma situação como essa? Se ao menos a constatação de uma admiração mútua fizesse com que algo rolasse automaticamente... Se ao menos eu conseguisse dizer: "Então, eu gosto de você e você de mim, que tal irmos para um parque para a gente ficar de uma vez?" 

Nós nos aproximamos de um grupo de turistas remexendo em miniaturas da Notre-Dame. Lica engole em seco. 

— Olha, só para deixar claro, eu não estava, tipo, tentando roubá-la do Michel quando convidei você para vir até aqui comigo. Eu só estava tentando, você sabe... ser sua amiga. Não quero que pense que sou uma babaca qualquer. 

Sorrio para ela. 

— Eu não acho você babaca. 

Lica olha para uma sacada com uma grade de ferro toda cheia de detalhes, uma arcada de pedra esculpida, um cartaz enorme dos Jogos Olímpicos de Inverno em Chambéry. Ela olha para tudo, menos para mim. 

— Foi só no último fim de semana que percebi que... mesmo que você estivesse, hum...namorando, ainda assim eu queria sair com você.

 Então, desde o começo ela não me queria apenas como amiga. Sinto um aperto no peito, mas de felicidade. 

— No último fim de semana? — pergunto. — Yom Kippur? 

Lica olha para mim como se eu tivesse entendido o que ela acabou de falar. Mas não entendi, e fico grata quando ela começa a explicar sem que eu precise pedir. Parece aliviada por termos um novo assunto.

 — Então, é o período entre o Rosh Hashaná, que foi na véspera da volta às aulas e... 

— O ano-novo judaico? 

Ela faz que sim com a cabeça. 

— Isso. O período entre o Rosh Hashaná e o Yom Kippur é um momento de reflexão. É o momento de pensar em seus erros, de pedir perdão e de tomar decisões... esse tipo de coisa. E o Yom Kippur é quando esse momento termina, é o prazo final. 

Nós nos afastamos para dar passagem a um senhor que está passeando com um cão bassê, e, quando voltamos a ficar lado a lado, a distância entre nós diminui. 

— Não, espera aí. Você refletiu sobre a sua vida e... decidiu se tornar minha amiga? Mesmo não sendo mais uma judia praticante?

 Lica dá um sorriso malicioso. 

— Isso é um pré-requisito para sermos amigas? 

Eu a encaro por um momento. Ela ri, mas depois dá de ombros, pensativa. 

— Sei lá. Essa época do ano tem uma pegada meio... poética. E não é que eu tenha descoberto tudo isso por espiritualidade ou alguma coisa assim, mas realmente acredito que não há problema nenhum em tomar decisões nesse período. Do meu jeito. 

— Claro que não tem o menor problema. Minha família é católica, tanto por parte de pai quanto de mãe, mas eles nunca vão à missa. Eu nem sei se meus pais acreditam em Deus. Mas continuamos montando nossa árvore de Natal, e ela sempre nos transmite uma sensação de paz. Tradição pode ser uma coisa legal.

The HAPPY Ending • LimanthaOnde histórias criam vida. Descubra agora