Capítulo 31

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[...]

Jogo o livro debaixo da cama. Estou exausta.

Tiro os sapatos molhados, o casaco e a legging.

Lavo o rosto.

Escovo os dentes.

Mas o livro não sai da minha cabeça. Vejo o reflexo dele no espelho do banheiro. O objeto parece ao mesmo tempo tragicamente morto e assustadoramente vivo. Não tenho outra escolha a não ser me deitar na cama e ler. Brinco com uma mecha rebelde de cabelo que teima em sair do lugar. Cutuco os poros do nariz. Levo um bom tempo para acender a luminária.

Eu me deito na cama. Tento ouvir o barulho da neve, que agora está caindo com mais intensidade, mas não ouço nada. Apenas vejo os flocos iluminados pela luz dos postes.

Coloco os papéis no colo. E começo a ler.

O início mudou. Nada da aluna do primeiro ano de olhos arregalados e queixo caído. Agora vemos uma Lica mais velha, mais experiente e mais amargurada. É o verão que antecede o último ano do ensino médio. Lica está sentado em uma cafeteria, sozinha, desenhando.

E então… eu apareço.

Minha aparição é uma espécie de sonho. Lica é transportada para uma noite surreal e maravilhosa que a faz esquecer os problemas e se sentir entusiasmada pela primeira vez em muito tempo. Há uma página que eu já tinha visto, dela correndo para me desenhar, mas há outra na qual estou com uma coroa de rosas na cabeça. O desenho ocupa a página inteira e há um brilho sobre mim que remete a algo sagrado. Lica está de joelhos na parte de baixo da página, olhando para mim, emocionada.

Minhas mãos tremem tanto que mal consigo virar a página.

PRIMEIRO ANO. É a história com a qual já estou familiarizada. A maior parte continua a mesma. Engraçada, triste, mas doce. E ingênua. Mas há algumas diferenças. Lica acrescentou
traços sutis para chamar a atenção para certos pontos da história que eu sei que serão importantes mais tarde. Coisas que ela pode não ter considerado tão significativas quando as que desenhou anos atrás.

Então eu apareço. Mais uma vez. Ela acrescentou cronologicamente os quadrinhos sobre a primeira vez que conversamos e quando ela me viu lendo o livro do Sfar na cafeteria. Até acrescentou um coraçãozinho em cima da própria cabeça, enquanto fala. E desenhou um outro, partido, quando pensa que não gosto dela.

Toco o coração partido com a ponta do dedo.

Reconheço outra parte da história do livro anterior. Agora os quadrinhos com Felipe são menos coloridos. Fico triste ao me lembrar do quanto me machucaram na primeira vez que os vi. Ela reduziu as cenas em que ele aparecia, assim como a quantidade de páginas inteiras só com o ex-namorado. Felipe continua presente em grande parte da história, como não poderia deixar de ser, mas o foco está nela, na própria Lica. Como não poderia deixar de ser também.

O último verão. A Kismet. Um quadrinho nos transporta para o começo da história: Lica me vendo com Michel na noite seguinte.

Novas páginas aparecem. Lica com os pais. Há uma distância cada vez maior entre eles — agora devidamente retratada —, mas, ao mesmo tempo, ela deseja uma reaproximação. Lica quer que os pais lutem por ela. Ela volta para a escola, para o último ano. Da outra vez, quando cheguei a essa parte, havia apenas esboços. Agora, as páginas estão repletas de cores, que dão um novo sentido de permanência a tudo.

Então começo a ler sobre a nossa história. Sobre quando ela percebeu que estava a fim de mim, sobre como sentiu saudades de mim na Oktoberfest e sobre o nosso primeiro encontro. Leio a parte em que ela se apaixonou por mim. Depois, vem a Casa da Árvore, as inscrições para as universidades, o aniversário dela, nossa viagem para a Espanha, nossa noite de amor. O desenho de nós duas ficou maravilhoso. O modo como ela retratou suas emoções nessas páginas é mais pungente do que tudo que ela já desenhou antes.

The HAPPY Ending • LimanthaOnde histórias criam vida. Descubra agora