A palidez do inverno deixa a cidade ainda mais cinzenta do que já é. Os anéis olímpicos, brilhantes e coloridos, são a única coisa que se destaca em meio à pasmaceira visual. Estão estampados em todas as superfícies, por todos os lugares, inclusive na lateral dos edifícios. As Olimpíadas de Inverno serão em fevereiro agora, na região de Rhône-Alpes, no sudeste da França, embora haja tantos cartazes espalhados pela cidade que as pessoas jamais saberiam que o jogos não vão acontecer em Paris. São os atletas franceses que estampam os pôsteres, claro, mas alguns dos maiores esportistas dos outros países também receberam destaque.
Michel e eu saímos da estação de metrô Denfert-Rochereau e passamos por um painel gi-gan-tes-co de uma imponente patinadora americana chamada Calliope Bell.
— Vai torcer por quem? Pelos americanos ou pelos franceses? —
pergunto.As Olimpíadas sempre despertam em mim um misto de sentimentos. Sei que eu deveria ser patriota e torcer pelos atletas de meu país, mas de qual nação estamos falando exatamente?
Eu me sinto leal às duas.Michel observa o pôster.
— Torço pelo melhor atleta de cada modalidade. Ele não precisa ser necessariamente americano ou francês.
— Então… você torce para o vencedor. Isso não é meio que trapaça?
— Não. Eu torço pela pessoa que aparentemente está se empenhando mais.
É uma resposta estranha, mas ainda assim boa, que, felizmente, consegue me fazer pensar em outra coisa. Entramos em um edifício verde-escuro simples. Não há turistas por aqui hoje. Damos o dinheiro da entrada a um guarda, depois passamos por outro e descemos uma escada em espiral até chegarmos a um túnel extenso. Pisamos em pequenas poças, formadas pela água que pinga lá de cima. Faz um pouco de frio aqui nas catacumbas, mas não chega a incomodar, porque não está ventando.
Michel aponta para um túnel que foi fechado ao público.
— Eu já falei para você que há quase trezentos mil quilômetros de túneis abandonados em Paris?
Sim. Ele já me contou isso. Várias vezes. Michel tem falado incessantemente sobre túneis desde que voltamos para a escola. No último mês, ele passou do estado de fascinação para completa obsessão. Enquanto eu estava na detenção, Michel lia tudo o que podia sobre túneis: os do metrô, as pedreiras de calcário, túneis para abastecimento de energia, os do sistema de esgoto, as criptas. Juntas, essas construções formam uma das maiores redes subterrâneas do mundo.
É claro que ele quer fazer o mapa da rede.
É muito estranho que duas das pessoas mais importantes da minha vida estejam interessadas em mapas. Michel, no sentido mais literal possível. Mas Lica também. Ao narrar os principais acontecimentos da própria vida, Lica está desenhando um mapa. Eu me pergunto por quanto tempo farei parte dele. Onde e quando minha história se distancia da dela?
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The HAPPY Ending • Limantha
Fiksi PenggemarRomântica sem salvação, Samantha tem essa paixão na artista emburrada Lica desde seu primeiro ano na School of America, em Paris. E, depois de um encontro por acaso em Manhattan durante as férias de verão, um romance pode estar mais próximo do que S...