Eu não o conhecia, nunca o tinha visto. Rafael não parecia confiável, talvez os traços fortes e sarcásticos do seu rosto camuflavam sua boa personalidade.
— Íris. — sussurrei amistosamente.
Ele saltou do galho que estava, partindo as folhas secas do chão. Agora no mesmo nível que eu, era notória o quão maiores as asas de Gabriel eram, ou pareceram, naquela noite. Rafael tinha penas brancas e sedosas, transmitiam uma sensação de paz divina, tive vontade de toca-las. Afastei uns dois passos quando ele caminhou um pouco na minha direção. Rafael falou de Gabriel, provavelmente o conhecia, talvez fossem amigos ou, até mesmo irmãos.
— É lamentável que Gabriel tenha abandonado uma humana tão bela.
— Ele não me abandonou.
— Sim, ele abandonou. Ele o fez há alguns anos, minha cara. É surpreendente, a maioria dos anjos e arcanjos não conseguem fazer isso. Ele apenas voltou para ti porque pensa que protegendo o seu humano Deus vai perdoa-lo. Ele não contou nada, não foi? — ele inquiriu, passando depois as mãos pelo cabelo loiro frustradamente — Vá lá, acreditavas mesmo que Gabriel estava a fazer isso por ti?
A minha expressão permaneceu intacta, embora não conseguisse disfarçar a decepção e desilusão nos meus olhos. Limitei-me a ficar calada, abraçando os meus próprios braços quieta.
— Eu posso explicar tudo. Mas vais precisar dar uma volta comigo. — ele baixou gradualmente o tom de voz e estendeu o braço.
Não tinha nada a perder. Não sabia o que Gabriel pensaria do que estava a fazer, mas estava tão decepcionada que seria capaz de me matar apenas para que ele não tivesse chance de obter nenhum tipo de misericórdia. Era por esse e provavelmente mais motivos que ele não contou nada naquela noite. Por isso não me matou. Agarrei a mão de Rafael, e ele me puxou para bem perto, quase recuei. Ele apanhou o meu corpo como Gabriel o fez na noite que me encontrou, por instantes, desejei o conforto dos seus braços mais uma vez. As lembranças, agora dolorosas e vazias, não faziam absolutamente sentido algum. Eu não significava nada para ele.
— Ele alguma vez voou contigo? — inquiriu Rafael. Abanei de forma negativa a cabeça. Aquilo fez com que um sorriso vitorioso iluminasse o seu rosto.
Um calafrio intenso dominou o meu estômago, os nossos corpos foram suspensos. Impulsivamente agarrei o seu pescoço, escondendo o meu rosto no ombro moreno. Proibindo-me de abrir os olhos.
— Eu não te vou deixar cair. — Rafael expeliu num sussurro. Abri lentamente os meus olhos, deixando o meu corpo perder a tensão nos seus braços. Estávamos alto o bastante para que a vista da cidade fosse embaçada pelas pequenas acumulações de vapor das nuvens finas. Que tipo de humano não gostaria de voar? Um sorriso largo iluminou o meu rosto, mas este mesmo se desfez quando pude ver a silhueta do anjo negro pairada no ar à alguns metros de Rafael.
— Eu acho melhor descermos. — proferi baixinho baixando o meu olhar.
— Tens medo de altura? — Rafael quase foi interrompido.
— Afasta as tuas mãos dela. — a voz rouca de Gabriel me fez estremecer, adquirira um tom suave mas completamente mal-intencionado e sombrio.
Não sabia como nos havia encontrado. Talvez da mesma forma que me encontrou na noite que salvou-me das criaturas que gritavam. Podia ser um tipo de ligação. Observei a sua imagem nos segundos de silêncio que se seguiram. O cabelo castanho e longo estava mais selvagem que o normal, devido a movimentação do vento. O torso longo, era completamente exposto, exibindo as diversas tatuagens escuras e confusas. O cinto que envolvia as calças justas pretas não estava completamente abotoado, e ele estava descalçado. Todos esses fatos me faziam pensar que Gabriel não estava a espera de estar aqui. Pude imagina-lo a levantar-se da sua cama, sem tempo para mais nada, e sobrevoando até onde eu estava, nos braços de um completo desconhecido. O que estaria aqui, Gabriel a fazer, se ele não se importava literalmente comigo? A minha cabeça estava a mil e eu não sabia no que acreditar. Rafael permanecia a segurar o meu corpo, virou-se para o anjo negro com uma expressão de implicância no rosto.

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Crows { H.S }
УжасыAqui, fixarei a minha eterna súplica, por mais que vagueie pelo vale sombrio da morte, que padeça nas mais prolíferas agonias do submundo, livra-me do mal que pelo chamado exílio caminha. Aquele cujo o coração é quente e o olhar, assassino. A criatu...