XVII

40 5 0
                                    

Gabriel PVO

— Peço desculpas por ter atrapalhado. Vocês podem continuar.

Mirage pigarreou, antes de fechar a porta com força. Eu podia ver a fúria no seu olhar. Ou bem pior, a mágoa. A sua presença foi inteiramente inesperada. Perguntava-me interiormente como Íris se sentia. Era como se eu estivesse em meio a um mar de cobras, numa prancha. Nenhum dos lados agora parecia seguro.

Quando dei por mim estava na porta, apoiado, a procurar por Mirage no corredor mas ela já não estava. Não pude impedir o suspiro de frustração que escapou por meus lábios. Por instantes, esqueci-me completamente da presença de Íris.

Os meus olhos pairaram sobre a cama. Ele estava deitada de lado, a olhar-me. Os seus olhos azuis e grandes fixados em mim, e magoados, mas com orgulho a esvair-se da sua alma. O rosto estava pousado na almofada a qual agarrava, e a medida que movimentava o meu corpo pelo quarto, ela virava-se para nunca deixar de acompanhar-me com os olhos. Peguei novamente num copo, deixando-o meio-cheio com a bebida quente, recusando-me a por gelo desta vez.

— Você ia fazer amor comigo?

A sua voz macia perfurou o meu peito, não encontrei palavras no momento certo para responder aquilo. Caminhei para a penteadeira, apoiando os meus cotovelos na mesma enquanto a olhava através do espelho.

— Você gosta dela? — murmurou.

— Você faz muitas perguntas. — não pude evitar o tom frio, e precisei consertar. — Somos amigos.

— Ela gosta de você. — parecia a primeira afirmação do dia.

Permaneci calado por um tempo indeterminado, o suficiente para acabar com a bebida, precisava repor.

— Eu gosto de você.

Aquela conversa aquecia o meu corpo, juntamente com a bebida. Aquelas palavras romperam o meu corpo, sem precisarem sair pela minha boca. Uma certa onda de alívio atinge-me mas eu ainda não sabia o que me levara a dizer aquilo.

— Porque? — sussurou.

Coloquei mais um meio-copo, e voltei para a penteadeira. Aquela garrafa de whiscky já estava no fim. Cruzei os meus braços sobre o móvel, erguendo um deles para levar o copo aos meus lábios.

— Porque você é completamente louca. — murmurei antes de levar mais um gole da bebida.

Pude ver o seu rosto corar, através do espelho. Encantava-me a forma como que ela podia ser tudo. Hora ingênua e indefesa, como uma criança frágil, outrora sexy, quente, irritante, dura. E como conseguia jogar com isso tão perfeitamente. O único ser vivo capaz de tirar-me do sério, apenas com um fluxo maior de sangue nas bochechas.

— Dorme comigo.

Ela murmurou. O seu rosto parecia mesmo cansado, mas recusava-me a deitar-me na cama com ela. Parte de mim queria terminar o que começamos, mas nem se quer sabia onde aquilo nos ia levar. A dor constante e ardente que aqueles gestos me causavam, avisou-me do quão descontrolado aquilo poderia ser. Doía ficar perto dela. Doía olhar para ela. Nunca deixava de doer, só por pensar nela. Mas eu viveria na dor, para viver com ela.

— Vem para a cama. — voltou a insistir.

O que caralhos ela faz, comigo. Olhava-me com o rosto esperançoso, aquilo fazia-me derreter por dentro, e estremecer. Fechei levemente os meus olhos e percebi que o meu coração quase quebrava as minhas costelas. Não sou o tipo de pessoa que o tenta impedir de bater, ou acalma-lo. Ajeitei os meus cabelos castanhos antes de abandonar o espelho e caminhei para a poltrona. Com uma perna e a ajuda da mão livre, girei a poltrona, até que esta estivesse de frente para a cama, e sentei-me, afundando o meu corpo. Os meus braços descansaram nos apoios, e uma mão ainda segurava o meu copo. Ela olhava-me, nos olhavamos. Nos olhamos por alguns longos minutos. Depois distraiu-se a brincar na cama. Brincar com os seus cabelos dourados, com as almofadas ou até mesmo os próprios dedos. Ela parecia uma criança distraída a conhecer a própria anatomia. Não se deu ao trabalho de tapar o corpo. O seu tronco ainda estava exposto quando ela virou-se para o teto, a contar estrelas que ali não existiam. Depois de uma ou duas horas, ela sentou-se na cama, a camisa fina raspando os seios expostos, o cabelo completamente fora de ordem. Íris deitou-se em modos, na cama. Escolheu o lado esquerdo. De seguida puxou as mantas e tapou o seu belo corpo. A minha alegria diminuiu naquele instante. Ela permaneceu a olhar-me, até adormecer. O rosto sereno contra a almofada.

Crows { H.S }Onde histórias criam vida. Descubra agora