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Íris POV

Eu sabia que ele só aparecia se eu precisasse, se estivesse em perigo ou mal. Não o via a dois ou três dias. Miguel mantinha contato. Sentia-me mal por estar sempre a perguntar pelo Gabriel. O Gabriel. Sabia que estava perdidamente incondicionalmente apaixonada por ele. Mas de alguma forma ele parecia me evitar. Sempre que atendia as minhas ligações usava um tom frio o bastante para eu sentir o resfriamento da minha alma. Isso quando raramente atendia. Talvez eu estava a sufoca-lo. Talvez Gabriel estivesse novamente a pensar em abandonar-me, sem querer ter um humano, uma responsabilidade. A noite no Birush não abandonava a minha mente, eu sentia a sua ausência por toda parte. Talvez Gabriel estava a fazer isso para me proteger, mas qual maior proteção se não ele? A paisagem lá fora passava rapidamente por meus olhos, enquanto as mãos do anjo me tocavam nos meus pensamentos mais profundos. Os meus olhos estavam fixos no vidro do carro, distantes daquele mundo. Despertei-me quando o meu pai me dirigiu a palavra.

— Está tudo bem? — ele inquiriu ao olhar-me de soslaio.

Assenti. A neve já cobria os jardins e umedecia as estradas. O natal estava próximo, e ainda não tínhamos preparado nada. Acredito que o meu pai optaria por comprar comida congelada como no ano passado.
O meu pai insistia que eu usasse o véu da minha mãe para ir à igreja. Ajeitei a renda negra na minha cabeça, e humedeci os meus lábios para que não parecessem tão pálidos. O meu rosto estava sem cor, como que cansado. Assim que estacionamos, eu desci do carro. A igreja não estava cheia. Provavelmente estavam ocupados com os preparativos para o natal. Algo naquele espaço me incomodava, algo que nunca aconteceu. Uma sensação estranha comprimia o meu estômago, impedindo-me de estar atenta às orações. Os meus olhos vagavam pelas paredes decoradas, observando as imagens, pinturas e estátuas simbólicas.

— Você vai ficar aí? — inquiriu o meu pai. A missa já teria acabado e eu nem dei por conta disso. Precisava de um tempo sozinha.

— Vou.

— Como vai para casa depois?

— Eu ligo para a Rachel.

Ele assentiu, e beijou o meu rosto antes de deixar a igreja. Esperei, e esperei. Até que a última pessoa deixasse a casa santa. Dirigi-me ao confessionário, o padre já não estava recebendo pecadores.

— Padre? — inquiri assim que entrei na cabine.

— O horário das confissões já acabou, minha jovem. — o sotaque latim não abandonava a sua voz.

— Perdoa-me padre, só queria conversar.

— Estou a ouvir.

Respirei fundo a procura de palavras, não sabia ao certo o que dizer, se podia dizer, ou se devia dizer.

— Eu conheci um anjo. — sussurrei.

Ele riu.

— Minha cara, isso é inteiramente impossível.

— Não é. Eu o vi. Eu o vejo. Eu posso senti-lo.

— Blasfêmia. — a voz dele pareceu endurecer. O seu tom assustou-me.

— Ele tem asas negras. Ele caiu.

— É um demônio. — disse entre dentes.

— Ele me protege. Do mal. Querem a minha alma, padre.

— Isso é absolutamente um tragente! Menina, blasfemar em nome das criaturas de Deus é dos maiores pecados. — a sua voz alterou drasticamente, tornando-se extremamente grossa. Não era mais o padre. — Espero que Asmodeus tenha pena da tua alma, e contente-se em devorar o teu corpo puro. — ele agarrou as grades do purgatório enquanto falava.

Crows { H.S }Onde histórias criam vida. Descubra agora