Crows { H.S }

II

O medo misturou-se com o sentimento abrupto da inutilidade. Via os meus amigos serem violenta e enigmaticamente mortos sem poder fazer absolutamente nada. Ao fim, só me restou a tentativa desesperada de fuga.O meu esôfago queimava com as tentativas de respirar, o ar parecia escasso em meio à tantas árvores, debatia-me contra os finos galhos e folhas que apareciam na minha frente durante o percurso acelerado. Desabei após tropeçar num galho mais forte, o pânico domou o meu ser de tal forma que fiquei paralisada a percorrer o local com os olhos em busca do assassino. Sabia que ele estava próximo. Assim que recuperei, ergui-me e continuei a correr, desta vez para fora da floresta. O meu corpo foi suspenso e embatido contra uma superfície dura e grotesca. O pavor apoderou-se de mim quando senti a sua forte mão finalmente em contato com o meu corpo, ele não parecia exercer muita força, mas era o suficiente para eu não conseguir removê-la do meu pescoço. O meu lábio inferior tremia com o medo, o cansaço e a frustração. Não conseguia encarar os seus olhos. "Por favor" foi a única coisa que consegui expelir, não certa de que ele teria ouvido. As minhas pálpebras separaram-se de uma forma incomum assim que ouvi a pronúncia baixa do meu nome. Senti o relaxamento da sua mão a medida que ele soltava o meu pescoço, caí sobre a pilha de folhas velhas, ajoelhada enquanto que massajava o meu pescoço em choque. Ele sumiu. Não havia mais rastros ou sons de passos. Como se tivesse teletransportado ou voado.

Encontrei Rachel no estacionamento, junto dela estavam os oficiais, o lugar estava cercado de viaturas e ambulâncias, avistei ao longe o meu pai. A preocupação no seu rosto deixou-me com um vago sentimento de culpa, tal que corri na sua direção em busca dos seus braços. Ele abraçava com força e acariciava o meu cabelo loiro, mas isso não impedia o pânico de fluir dos meus olhos em cascatas quentes.

Os jovens da minha idade sempre diziam que letras não era um bom curso, é como estudar biblioteconomia numa cidade pequena, onde há 3 bibliotecas e 12 bibliotecárias. Já podia imaginar as redações absurdas que surgiriam na universidade à respeito do que aconteceu comigo. A respeito dos 4 jovens assassinados depois do cinema. Daquelas que sobreviveram para contar a história.

— Ele era alto, vestia uma roupa escura e longa. Tinha o cabelo longo, um pouco abaixo do maxilar, e era muito forte — os reflexos dos seus traços apareciam na minha mente em explosões. Poderia detalhar a perfeita linha firme do seu maxilar, a âncora desbotada em seu pulso e o peito tatuado, mas — É tudo que eu sei.

Comprimi a manta contra o meu corpo em busca de aconchego, uma maca não era um lugar confortável para estar sentada. Depois de alguns minutos fui para casa com o meu pai, até pediria a Rachel para dormir comigo, mas tenho a certeza que depois de uma noite assim, os seus pais agradeceriam um tempo com a filha.

Gabriel POV

A minha aterrissagem não foi das melhores, foi difícil equilibrar-me devido a tamanha alteração naquele momento. Resmunguei interiormente com a falha que os meus pés haviam deixado na grama quando pousei. Aquele jardim já esteve em melhor estado. Dentro da casa, a música clássica soava num tom baixo, Miguel sempre foi um nato em gosto musical, mas ópera não era algo que me cativava. Subi a escadaria, depois de ouvir as risadas femininas e murmúrios vindos do andar de cima. Entrei no quarto sem usar bater na porta, não surpreendido com o que encontrei. Ele estava sentado na casual poltrona de pele, a observar uma mulher nua que se masturbava no sofá oposto, à sua frente, enquanto fazia algum tipo de apontamento em um caderno.

— Veio estudar o sistema reprodutor comigo? — inquiriu ele, sem me olhar se quer, demasiado fissurado nas curvas morenas da garota.

— Tenho problemas. Brinca depois. — sentei-me no sofá de camurça clara, encarando o chão para não observar os desrespeitosos atos da vadia à minha frente.