XXII

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— Achou mesmo que ele deixaria as merdas tão fáceis?! — Miguel falou num tom alto.

Gabriel estava perdido, ele não sabia o que estava ali, mas aparentemente entendia ao menos parte do que Miguel dizia. Ele olhou-me com os olhos flamejantes, a procura de respostas.

— Tem uma marca negra. É grande e... — o meu corpo estava atrás do seu, e embora ele fosse bem mais alto, conseguia ver a mancha negra quando erguia os seus cachos — Parece estar vivo. — sussurrei, e afastei-me um pouco receosa.

— Estão a sugar. Estão a sugar e estão por dentro...

Aquelas palavras não faziam sentido nenhum, não para mim, mas o meu anjo parecia assustado, ou decepcionado com aquilo. O que caralho se passava?

— Miguel, conta. — supliquei.

O Arcanjo mais velho se aproximou-se de Gabriel, e eu podia ver a decepção nos seus olhos.

— Vai se tornar um deles. — libertou, por entre os seus dentes.

— Não. — Gabriel parecia ainda mais raivoso, e oprimido.

— Está a sugar o que te resta de humano e anjo.

Miguel pigarreou, agarrando Gabriel pelo colarinho da camisa. De novo não. Gabriel revidou com o braço, soltando-se, e Miguel agarrou o seu pulso, a sua mão ficou estendida. A escuridão subia pelas suas veias novamente. Eles entreolharam-se, Miguel tinha razão. O anjo soltou-se, e fez o caminho para a casa de banho, deixando eu e Miguel sozinhos no quarto.

—Vai para casa.

Murmurei num tom baixo e amigável enquanto passava por ele. Estava cansada, abertamente cansada, o dia correra horrivelmente estressante e precisávamos de um tempo sozinhos, eu, precisava de um tempo sozinha, e sentia que ele também.

Eu fui para a cozinha, comer algo. Ele precisava de espaço. Se Miguel estivesse certo, Gabriel não seria o mesmo, tais pensamentos me deixavam assustada. Olhei para a janela da cozinha, não era muito grande, mas vi que chovia e já era quase noite. O céu tinha um tom azul escuro. Estava concentrada no som da chuva, e do chuveiro, já se ia uma hora que ele estava no banho. A casa parecia tão vazia e quieta, os cereais perdiam toda a sua classe, e eu perdia a minha fome. Depois de lavar a louça, voltei para o quarto. A água ainda caía na casa de banho. O meu atrevimento abordou-me e eu nem se quer bati na porta ao entrar, encostei-me à bancada do lavatório e apreciei a maravilhosa vista. Ele não parecia incomodado, de maneira alguma. Estava de costas para mim, o seu corpo nu bem estruturado e pálido. Eu precisava apreciar aquilo de perto. A água parecia desenhar um brilho na sua pele e o cabelo castanho contrastava, colado ao seu pescoço. Agarrei uma toalha no armário, o tecido branco acariciou a minha mão. Caminhei para perto do boxe do duche e acariciei a toalha antes de estender-lhe.

— Vamos. É melhor você descansar. — murmurei.

Observei o seu corpo a virar-se, e imediatamente o meu olhar foi dirigido para a zona onde deveria existir uns boxers. A minha respiração foi cortada e eu voltei a encarar o seu rosto, como se de alguma forma aquilo fosse natural para mim. Os seus olhos verdes estavam fixos em mim de tal forma, que me faziam gelar.

— Eu não preciso de descanso.

A sua voz estava mais rouca que o normal. Ele agarrou a toalha, e passou por mim enquanto secava um pouco do cabelo, e depois enrolou em torno da cintura. Eu caminhei para perto e depois saltei para cima da bancada, metendo-me à sua frente, ficando sentada.

— Você mesmo disse que anjos são mais fracos que eu pensava.

Ele olhou-me meio que a estudar-me, e tirou um tipo de colônia do armário.

Crows { H.S }Onde histórias criam vida. Descubra agora