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 Lúcifer sorriu para mim, e em seguida o seu corpo desfez-se em uma sombra. 

— Vá buscar Miguel. Você pode leva-lo de volta. — ele disse, já sentado novamente em seu trono.

— E quanto ao portal? 

— O seu portal é o céu, Arcanjo.

Eu deveria saber que parecia muito fácil. Lúcifer nunca era completamente bom, ele era traiçoeiro. Ele fornece as nuvens, para tirar-te o chão mais tarde. 

Por mais que fosse preciso um portal, eu não o desafiaria. Se o preço para levar Miguel de volta ao exílio fosse as minhas asas, se Lúcifer as quer, eu estou disposto. 

O carrasco levou-me ao que parecia uma masmorra. Vários humanos e criaturas místicas estavam presas à tipos diferentes de jaulas e Miguel, ele estava na maior delas. Preso ainda pelo que parecia correntes de aço escuro. O corpo pálido estava suspenso, mas a cabeça baixa. Uma criatura celeste perde as suas forças num reino como o inferno, e não seria diferente para Miguel, independente do quão forte é. O carrasco abre a porta de aço e eu entro. A minha atenção estava fixa no encapuçado enquanto ele entrava na jaula, sem boas impressões daquilo. Observei as correntes, e tentei pensar em algo que me fosse ajudar no ato de quebra-las. Num movimento quase imperceptível com a velocidade, permiti a abertura das minhas asas, já cobertas pela armadura de ferro, como nada, parti as correntes grossas com as lâminas e voltei a recolher as asas. Senti a queimação imediata, e temi pelos momentos seguintes. 

O corpo de Miguel perdeu a sustentabilidade e desabou nos meus braços. Estava basicamente desacordado e inconsciente. Grunhi com o peso ao suspendê-lo e coloquei-o nos meus ombros, segurando os seus braços com uma mão e as pernas com a outra. O meu corpo adaptou-se ao peso, e ergui os joelhos, começando a caminhar para fora daquele lugar quente e baixo. 

A minha atenção foi tomada por uma voz familiar que amaldiçoava o lugar e os mandantes, foi quando vi o rosto raivoso de Malakai. Os meus lábios abriram-se com a surpresa, mas não proferi nada, e por mais chocado que estivesse, continuei o meu caminho para fora da masmorra. Observei o céu de coloração laranja e visualizei o fogo, aflito com a ideia de ter as minhas asas queimadas. 

— Miguel. Acorda. 

Pousei o seu corpo no chão, e balancei o seu rosto, mas ele parecia cada vez mais distante e empalidecido. Merda. Agarrei o seu antebraço com as minhas duas mãos, de uma forma firme. Inspirei fundo na tentativa de obter a coragem precisa para encarar o céu. Já teria feito uma vez, mas não de um lugar tão baixo, ou com algo tão pesado. 

Os meus pés deixaram o chão quando levantei voo, e num instante, o calor domou as minhas costas, triturando pena por pena, osso por osso. Por baixo da armadura de metal grossa, as minhas asas deixavam de existir. 

Íris

Já quase anoitecia, e ele ainda não teria voltado. Nada de anormal teria acontecido desde a sua partida, e eu não sabia se isso era algo completamente bom. Já não existia certeza de nada e nem segurança de algo. 

Os meus olhos brilharam quando avistei uma figura familiar. Ao longe, notei quando Miguel apareceu, sustentado pela força do outro Arcanjo. Os dois imediatamente perderam altitude e encontraram o chão num choque espantoso, que destruiu mais uma parte da relva do jardim. Usei as chaves para destrancar a porta de grade, e corri alguns metros na direção dos dois anjos. 

Miguel aos poucos erguia o seu corpo do chão, parecia enfraquecido por algo. Gabriel, depois de levantar-se, cambaleou com um certo desespero até o chafariz, que estava no centro do jardim. A sua ação de jogar-se na água deixou-me confusa, o bastante para que eu não me aproximasse. Ele rastejou para a grama, de bruços, e aterrou os seus dedos na relva. 

Crows { H.S }Onde histórias criam vida. Descubra agora