Vinho nunca é demais

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Eu quase podia abraçar o mecânico baixinho e gordinho quando ele disse que o carro estava pronto. Ele mantinha um sorriso cansado sob o bigode branco e fiquei ainda mais feliz quando ele disse que o conserto já estava pago, com o brinde de uma revisão. O carro ficou pronto no sábado de manhã e vinha bem a calhar com o horário de uma entrevista de emprego para mim. Tinha um bom salário e era num bom horário para casar com a faculdade, era num barzinho bem frequentado de São Paulo, não era tão longe de casa e era conhecido pelas caipirinhas fisgadoras de gringos.

Estacionei meu carro recém revisado bem em frente à entrada do bar, que não funcionada às 13h e com o sol brilhando tão forte. Com as portas duplas fechadas, o que me esperava era uma porta lateral. Entrei com um sorriso suave, esperando causar uma boa impressão, mas não dei mais que dois passos. O bar estava completamente revirado, muito diferente das fotos do site. Havia uma cadeira de madeira quebrada no chão, enquanto outras estavam reviradas e apenas algumas pareciam em seu lugar habitual. No sofá de couro encostado na parede, numa espécie de área vip, tinha um homem semiacordado e completamente bagunçado: roupas, cabelo e ainda contava com alguns machucados no rosto e rastros de sangue na roupa. Do outro lado do bar, havia dois homens e mais uma mulher. Tive tempo de observar, já que ninguém havia notado minha presença. Um dos homens tinha os cabelos grisalhos, estava bem vestido e parecia bastante irritado; a mulher estava igualmente bem vestida, mas não parecia irritada, tinha compaixão no rosto. O terceiro homem era Daniel, o motoqueiro do outro dia. Ele parecia não ter dormido, os olhos cansados e vestia uma regata branca com uma pequena mancha de sangue.

A mulher foi a primeira a me ver. Lançou um olhar para que os outros não falassem mais e se aproximou de mim.

- Oi, você deve ser a garota para a vaga, não é? - Deu-me o sorriso materno mais alegre que já vi. - Eu sou Helena, primeira dama daqui. - Estendeu a mão e eu a tomei.

- É, sou eu. Fernanda, muito prazer.

Trocamos um aperto de mãos que durou menos que o aceitável, graças à entrada de outro homem, que passou direto por nós duas. Demorei os olhos nele por um tempo, até ter certeza de quem era mesmo sem ver o rosto: Samuel. Ele fazia alguma especialização em Arquitetura no campus e era noivo da minha colega de equipe em todos os grupos de trabalho, Lívia. Ele passou voando pelo bar, direto para onde Daniel e o homem grisalho conversavam em sussurros.

- Sinto muito por tudo isso, querida. Tivemos alguns imprevistos, então a entrevista será breve, certo? - Balancei a cabeça. - Você sabe equilibrar um bandeja e sorrir mesmo depois de horas em pé?

- Com certeza.

- Então a vaga é sua. Você pode começar na próxima sexta-feira? Assim podemos usar essa semana para acertar os detalhes.

- Claro, muito obrigada.


Foi uma briga feia. Entrei no carro, mas sucumbi à curiosidade e fiquei parada no carro por alguns minutos, sequer coloquei a chave no contato, apenas fiquei olhando para entrada por algum tempo. Quando Sam saiu do bar com Daniel logo atrás, não pensei muito e saí do carro, fazendo com que os dois olhassem para mim. Sam parecia aliviado e Daniel revirou os olhos avermelhados.

- Oi, Nanda.

- Tudo bem? Quero dizer, você precisa de ajuda?


Conversamos por dois minutos e tudo acabou com Daniel entrando no meu carro sem dizer palavra alguma, protestou apenas com o olhar, mas não adiantou muito, a palavra de Samuel prevaleceu. Entrei logo depois de Sam marcar o endereço no Waze do meu celular. "Só preciso convencer o cara de não chamar a polícia pro Dani e vou correndo pra lá. Te devo essa.".

Para: ClariceOnde histórias criam vida. Descubra agora