Vai ter que se acostumar a me ouvir falando isso

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Aceitar amar/ser amado é um desafio. Aceitar amar é, por vezes, mais fácil que aceitar-se amado. Mais difícil que isso é aceitar-se não mais amado, não mais amor, não mais consegue amar. Acordar um dia e ver que tudo aquilo que se fazia imenso em sua vida, não mais ocupa espaço, ou talvez não haja mais espaço para tudo aquilo. Acordar num dia e ver que aquilo que mais importava, não tem mais importância alguma. É doloroso e cruel aceitar que a única constante do universo é a inconstância, a mudança irrefreável.

Não é de repente que acontece, claro. A cada dia, coisas perdem e ganham espaço. De repente mesmo, é a dor de ver que não tem volta. Essa dor vem pra fazer pensar nas atitudes que tentaram, de um jeito ou de outro, mostrar o que só se vê quando não tem volta, quando o sentimento já está partido em estilhaços e mal se consegue levantar da cama, tamanho é o peso da consciência.

Depois de mais alguns minutos - que realmente tinham o peso de horas - consegui levantar da cama. Fiz tudo o que minha rotina normal mandava, mas, mesmo que a noite anterior tivesse sido minha folga e eu estivesse, basicamente, apenas esperando minha formatura, eu me sentia exausta. Esgotada. E era exatamente assim que eu parecia, no espelho.

Da última vez que nos vimos, na noite de comemoração do meu TCC, tudo estava bem. Tivemos uma noite ótima, mas...

Era culpa, o que eu sentia. Fiz aquele homem desperdiçar anos, mediar brigas entre sua família e eu, planejar um futuro que não existia mais. Respondi cada uma de suas mensagens de um jeito inexpressivo, quase monossilábico. Tinha gosto de culpa, aquelas mensagens, pelo menos para mim.

Fui até a sala meio andando e meio arrastando, e desabei numa cadeira na frente de Rafa. Ela digitava fervorosamente em seu notebook, sobre a mesa, desviou os olhos azuis para mim e os arregalou instantaneamente.

- Nanda, o que foi?

- Eu acho que vou terminar com o Bruno. - Falei rápido demais e ela levou dois segundos inteiros para absorver.

- Sério? Mas... Por quê? - Ela mesma podia colocar seus motivos na mesa, mas preferiu ouvir os meus.

- Está tudo diferente. Eu não sei...

- Você não gosta mais dele?

- Não, eu... Quero dizer, sim, eu gosto dele, mas não... Não parece ser o que eu quero.

- Tem a ver com... outra pessoa?

- Não.

- Tem certeza?

- Sim. Tem a ver comigo, Rafa.

- Tá ok. Você vai fazer isso hoje?

- Não. Não sei.

- Você sabe que prolongar isso só vai piorar, né?

- ... sim.

- É melhor sofrer de uma vez do que parcelado. - Ela falava isso para mim e para si ao mesmo tempo.

***

- Rafa... - Comecei a falar pela primeira vez desde o café da manhã. Nós fazíamos o almoço juntas num silêncio esmagador. - Faz uns três dias, a Lívia falou comigo.

- Eu sei. Eles adiantaram a data do casamento.

- Não é isso. É que o Sam tinha me chamado para fotografar o casamento... Antes de tudo isso acontecer, sabe. E agora a Lívia quer que fotografe eles daqui um mês e pouco.

- Você vai?

- Não, claro que não.

- Por que não?

- Oi?

- Sabe... Eu vou, Nanda. Eu preciso... Eu quero ver isso, é melhor assim. Ter certeza de que é real. Vá comigo, você tira as fotos e eu fico na sua cola.

Ela queria ver. Queria ouvir Samuel dizer "sim" e saber que não era para ela. Queria fazer doer da pior maneira possível, porque aí seria fácil conviver com a dor amena dos dias seguintes. Mandei uma mensagem de texto para Samuel,dizendo que aceitava o convite, e ele apenas respondeu "ok".

***

São Paulo, 15 de dezembro de 2012.

Querida Clarice,

Essa é a primeira carta de muitas, nem sei se você vai chegar a ler, nem posso me imaginar te entregando, talvez eu faça um charme de pedir para o garçom entregar quando você for almoçar sozinha no seu restaurante favorito, ou talvez eu deixe em baixo do sério travesseiro, ou talvez essa carta fique guardada em uma caixa com muitas outras que não chegarão a ser entregues.

O fato é que estou louca e perdidamente apaixonado por você. Não sei lidar com isso, não quero que me interprete mal, nem que sinta a necessidade de fugir. Por mais que eu aparente ser um cara durão, há mais sentimentos dentro de mim do que em um poeta qualquer.

Desde a primeira vez que te vi, sei que quero estar ao seu lado para sempre, dane-se o "até que a morte nos separe", um amor assim dura até a pós vida. Eu poderia te observar todos os dias e querer sempre que o dia seguinte seja junto com você, não importando o que faríamos, desde que juntos. Consigo nos imaginar sentados em um balanço vendo nossos netos correndo felizes no quintal.

Peço que não fuja, sei que ainda não temos nada sério. Isso ainda não é um pedido de casamento, é apenas o meu mais profundo desejo. Espero que sinta algo parecido, e que queira continuar comigo. Juntos vamos superar os obstáculos que aparecerem – e os que já estão aparecendo.

Meu amor, ainda não consigo pensar em como entregar a carta. Minhas bochechas queimam ao pensar em você lendo tudo isso. Sabe, eu tenho sentimentos, mas não costumo sair falando. E com você é diferente, tudo com você é diferente. Tenho vontade de sair gritando que estou apaixonado, completamente dominado por uma loirinha rica que mora no Jardins! Logo eu, amando. É, amando mesmo.

Te amo, menina, e você vai ter que se acostumar a me ouvir falando isso.

Uma hora dessas eu decido entregar.

Com amor,

Daniel.

Para: ClariceOnde histórias criam vida. Descubra agora