Então, cereja, no máximo.

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6 anos atrás


- Sam! Que bom que veio! – Davi o abraçou dando tapas em suas costas. – E trouxe um amigo, hein?

- Esse é o Daniel. Dani, esse é o Davi, já te falei dele.

- Ô se falou! – Daniel passou a mão no cabelo que quase chegava na altura do ombro.

- Bom, sejam bem-vindos à noite dos anos 80! – Abriu o braço com orgulho da ideia que teve só algumas semanas antes.

Os dois entraram, ambos com jaqueta de couro, mas isso nem chegava a destacar, já que todo mundo ali estava à caráter. Samuel em couro marrom e Daniel em couro preto, lado a lado. Foram direto para a mesa de sinuca, sem pensar duas vezes. Os dois pensando no que podiam apostar, sorrindo com a empolgação. Era uma ótima maneira de comemorar o aniversário. Logo depois da primeira bola encaçapada, Daniel percebeu as três garotas conversando perto da pista de dança quase vazia, ele se curvou sobre a mesa coberta com feltro verde, mas grudou os olhos na garota de vestido rosa e uma jaqueta que claramente não era sua. Com o taco na mão e toda aquela pose de badboy, ele travou quando ela olhou de volta. Esqueceu completamente do taco mirando a bola certinha na caçapa. Ela, com aquela pele tão branca, corou instantaneamente. Sorriu de volta e olhou de volta para a amiga, que falou sozinha por segundos que passaram em câmera lenta, para ele.

Existia, então, esse tal de amor. E tinha olhos azuis clarinhos.

- Dani? – Samuel chamou, entediado de esperar uma tacada que não vinha. – Gostou delas, hein? Vamos lá. – Largou o taco o colocou um sorriso no rosto. Sempre foi o cara que se dá bem com as garotas, sempre o cara que toma coragem do nada e vai falar com a garota que sorri para ele, mesmo que acompanhada.

Caminharam na direção das três moças e Samuel já chegou envolvendo o braço no pescoço da moça mais velha. Aquela já era mulher feita, tinha a pele dourada e era a única morena do grupo.

- Lena!

- Sam, nossa, que bom que veio! – Sorriu para o menino que viu crescer ali no bairro. – Olha só, essas são Lívia e Clarice, lindas, não é? – Pegou uma mecha do cabelo claro e ondulado de Lívia. – E você?

- Daniel. – Respondeu Helena com os olhos em Clarice, num sorriso daqueles que você dá quando quer mesmo conquistar alguém, nem muito aberto, nem muito fechado. E era charmoso, a menina via.

Ela era a mais branca das três, com as bochechas levemente coradas e ele queria acreditar que era por ele que corava. Tinha os olhos bonitos, brilhantes e bem azuis, tão azuis que ele não imaginava aquela menina conseguindo esconder alguma coisa de ninguém. Eram cheios de pureza. E os cabelos eram muito claros, bastante lisos e ajeitados com capricho com uma tiara vermelha que combinava com o vestido. Garotas como ela nunca fizeram o tipo dele, mas ela era diferente, só podia ser. Memorizou todos os detalhes que conseguiu: uma pinta marrom na têmpora direita, os brincos de bolinha vermelhos, o batom suave, um anel na mão direita, mas, ufa! Não era de compromisso, era daqueles que as meninas ganham do pai quando fazem quinze anos.

- É... O Sam já me falou de você. – Helena puxou assunto, cortando todo aquele flerte de olhos nos olhos. – Eu sou a noiva do Davi. – Abriu um sorrisão e estava morrendo de vontade de esticar a mão direita e mostrar a aliança novinha. – Olha, queridos, eu preciso ir ali e já volto! – Jogou um beijo para as meninas e saiu.

- Ah, então... Eu sou o Samuel.

- É, a gente já sabe. – Lívia riu um pouco.

- Ah, qual é, vamos pegar uma mesa e beber alguma coisa.

- Hm, não. Não vai rolar, mas obrigada. – Respondeu com um corte rápido e olhou para Clarice.

Daniel sentiu um gelo no estômago, aquela sensação de menino bobo do ensino fundamental que cria coragem de falar com a menina que tá apaixonado, mas ela não gosta dele. Era sua chance indo embora por causa de uma menina de nariz em pé, qual era o nome dela, mesmo? Não sabia, só havia memorizado Clarice bem fundo, no cérebro. Mas Sam ficou chocado, encarando a moça.

- Nós não estamos a fim, ok? – Lívia agarrou o braço de Clarice e a puxou, na direção do banheiro feminino.

- E quem disse que eu estava a fim? Só queria conversar, pô.


Daniel roubava um ou outro olhar de Clarice sempre que podia, passou a noite sem se concentrar na sinuca ou no pebolim por ficar caçando a menina com os olhos e mantendo pose de galã.

Os dois acabaram sentando no balcão do bar, ficaram trocando palavras com Davi, que estava bastante ocupado fazendo drinks e talvez fosse a hora de começar a contratar algum barman, e as duas sentaram ao lado deles, eufóricas. Clarice sentou ao lado de Daniel, mas tentou não sorrir tanto quanto estava com vontade, as bochechas dela estavam vermelhas e ele sentia o calor que só poderia ter alguém que dançou por bastante tempo. Lívia pediu tequila e depois entregou um copinho para Clarice, completo. As duas fizeram o ritual de sal, tequila e limão. Samuel caiu na gargalhada com as caretas que fizeram e Daniel podia jurar que Clarice estava passando mal.

- Você nunca fez isso antes? – Perguntou fazendo um esforço enorme para não rir.

- Não! – Resmungou com os olhos fechados. E depois ele riu. – Tem uma bala? – Pediu ignorando a dor de cabeça para rir um pouquinho.

- Só Halls Preto. – Ofereceu o pacote que tirou do bolso da jaqueta.

- É muito forte. – Recusou a oferta balançando a cabeça.

- Você não aguenta nem Halls Preto e quer tequila? – Riu mais alto, agora. E ela riu junto.

- Prefiro Halls de morango.

- Muito doce.

- Então cereja, no máximo.

- Certo, cereja é bom.

Ele pediu um pacote de Halls de cereja para Davi, depois ofereceu uma bala para a menina e pegou a segunda. Lívia se afastou dos dois que conversavam sozinhos e se aproximou de Samuel apenas o suficiente para pedir desculpas por algumas horas antes. Não que ela acreditasse que era necessário, mas porque Clarice encheu o saco a noite toda.

- Vocês já vão embora? – Samuel perguntou com intenção de fazer o que queria desde o começo da festa.

- É, já estamos indo. – Ela sorriu um pouco porque até que ele era bem bonito. E Daniel ouviu, elas já iam embora.

- É Clarice, né? – Confirmou o nome que ele já sabia e não esqueceria, assim, tão fácil. – A gente nem conversou e-

- Vamos? – Lívia passou por ela para pegar a bolsa no banquinho de madeira.

- Você tem uma caneta? – Perguntou para Daniel, mais agitada do que de costume porque sabia que seria difícil encontrá-lo outro dia e ele era diferente.

- Eu tenho. – Davi esticou o braço com uma Bic na mão.

Clarice corou e abaixou os olhos para o guardanapo em sua mão, começou a escrever apressada e Davi sorriu para Daniel. Ela dobrou o papel macio e empurrou para o cara da jaqueta de couro, deu um sorriso tímido e se levantou. As duas amigas saíram do bar conversando, mas agora ela levava um sorriso que não queria sair dos lábios de jeito nenhum, e Daniel sabia que era para ele.

Para: ClariceOnde histórias criam vida. Descubra agora