Antes vadia, que santa do pau oco

33 2 1
                                    


Eu estava praticamente saltitando pelas escadas do prédio por uma única razão: a última reunião do meu grupo de TCC acabou uma hora mais cedo. Todo o grupo resolveu comemorar na Casa do Pastel, mas eu percebi que podia ir para casa e tomar um banho relaxante antes de enfrentar meu trabalho no bar.

Abri a porta e a casa parecia vazia, exceto pela TV conectada ao Netflix e exibindo alguma temporada de Prison Break, o que significava que Rafa estava em casa. Quando chamei por ela, ela saiu do próprio quarto. Tinha o nariz inchado e os olhos vermelhos. Ela havia chorado, e muito.

- Rafa, o que...? - Ela passou direto por mim e sentou no sofá. Eu a segui e tive que puxar seu braço para ela parar de fingir que estava assistindo a série - Rafa, o que aconteceu? - Ela me encarou por um segundo antes de começar a chorar.

Eu a abracei e deixei-a chorar até soluçar. Só quando ela suspirou, ainda soluçando um pouco, eu a encarei.

- Nanda, eu... É que o Sam-

Ela começou a falar, mas foi interrompida pela porta sendo escancarada. Nat entrou como um furacão.

- Rafaela. É verdade isso o que a Lívia me contou? - Berrou as palavras rápido demais.

- O que aconteceu? - Perguntei para Rafa, que já não chorava, mas olhava como um animal na defensiva prestes a atacar.

- Eu te conto, Nanda. A Rafa está dando em cima do Samuel desde que se conhecerem! Sem a menor discrição! Rafa, ele tem um compromisso sério! Meu Deus, eles vão se casar ano que vem! Qual é a graça em estragar o relacionamento alheio?

- Isso não é verdade!

- Ah, não? Vocês conversam vinte e quatro horas por dia! A Lívia viu algumas conversas, isso é ridículo, Rafaela!

- Falou a vadia.

Ai. Meu. Deus.

- Antes vadia, que santa do pau oco.

Ai! Meu! Deus!

- Já chega! Nat, volta mais tarde, ok? Por favor.

- Não conte com isso. - Virou as costas e foi embora.

Olhei para Rafa. Ela parecia com raiva, brava e... chorando mais. Desabou mais uma vez.

- Nós somos amigos. Eu nunca tentei nada, Nanda! A gente só se dá bem. E eu tô muito, muito na dele. Só que ele também tá na minha. Ele veio aqui antes de você chegar e... a gente se beijou. Foi a primeira vez, eu juro! E depois eu mandei ele embora, ele disse que não vai amanhã.

"Amanhã" era a apresentação do TCC de Engenharia Civil dela. Eles conversavam o tempo todo porque Samuel se ofereceu para ajudar no projeto, já que era Arquiteto formado e se especializando. E isso era uma droga, agora. Rafa chorava baixinho.

- Eu não queria nada disso.

Alguma coisa lá no fundo da minha mente gritou "EU SABIA!", enquanto outra coisa no fundo da minha mente dizia que o comportamento de Lívia durante a reunião não era ruim só por causa da tensão gerada por uma Tese de Conclusão de Curso.

Liguei para Daniel e ele não se importou em cobrir minha falta, depois disse algo sobre saber o que aconteceu e desligou.


Passamos a noite de um jeito que Nat chamaria de "bad", se estivesse ali. Rafa escolheu dois filmes, mas eu sei que não assistiu nenhum. Logo depois da meia-noite, ela recebeu uma mensagem de texto de Samuel, que dizia apenas "Sinto muito.". A situação dele parecia ser pior que a de Rafa.

***

Ele não apareceu para assistir o TCC, assim como Nat. Quando Rafa saiu para beber com os amigos do seu grupo que havia tirado a maior nota da banca, encontrei Samuel encostado no meu carro, me esperando.

- Ela foi maravilhosa. - Ele sorriu de um jeito triste e me deu a certeza de que a última cadeira do auditório estava ocupada, sim.

- Sinto muito, Sam.

- Eu também.


***


Naquela mesma semana, logo depois da minha apresentação de TCC, quando todo o grupo se apressava para comemorar no bar em que eu trabalhava, cortesia de Davi, Lívia me chamou.

- Eu quero te fazer um convite. - E me deu um sorriso que eu não conseguia engolir mais. Não que ela me tivesse feito algum mal, mas se é para tomar a dor de alguém, não precisa ser muito esperto para saber de quem eu tomaria. - Eu quero que você seja a fotógrafa do meu casamento. Seu trabalho é um máximo, sabe. Eu ia te falar isso antes de apresentação, mas resolvi deixar para depois.

Ela era inteligente o bastante para saber que me fazer um convite daqueles colocaria em risco toda a minha - modéstia à parte, ótima - desenvoltura naquela noite. E isso comprometeria a melhor nota da banca para os TCCs de publicidade.

- Samuel já tinha me convidado para ser a fotógrafa.

- Ah, sim, eu sei. É que mudamos a data e eu queria reservar você. Vamos nos casar em dois meses.

Ela sorriu e apertou o passo, seguindo o restante do grupo. Eu fiquei ali, andando atrás de todos como um zumbi, tentando assimilar as coisas. Eu esperava que Samuel, no mínimo, adiasse a data do casamento, mas eu trabalhei quase quatro anos com a noiva dele para saber o quão persuasiva ela podia ser.

Bruno, que ainda não sabia de detalhes, não era tonto e já tinha percebido o clima entre Sam e Rafa, envolveu meus ombros com o braço, protetor. Não disse nada porque não tinha o que dizer e ele também não saberia o que dizer, só prometeu me fazer esquecer disso para que eu pudesse aproveitar minha grande noite. E essa promessa ele cumpriu.


Quando cheguei em casa, Rafa já sabia da notícia.    

Para: ClariceOnde histórias criam vida. Descubra agora