Minha mãe te mata

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Ela se vestiu no banheiro, mas deu para ver pela fresta que a porta entreaberta deixava, que o biquíni era marrom. Marrom quase preto, cor de café forte e ficou lindo na pele tão branca dela. Colocou um mini short e uma camisa leve, depois descemos. Eu estava em casa e era assim que me sentia, segurando na mão dela e caminhando no corredor do lugar onde cresci.

Encontramos todos os outros em volta da mesa, exceto Flávia, que trazia uma salada colorida na mão. Ela sempre cuidava da salada porque era cheia de frescuras, mas até ficava boa. De resto, era a mãe. Henrique terminou de cortar o bife recém saído da churrasqueira e sentou na mesa, também. Eu ainda não sei se era a fome que era demais ou se aquela realmente era minha melhor refeição em muito, mas muito tempo.

Flávia saiu da mesa para a cozinha, Nanda se apressou para ajudar com os pratos, mas foi expulsa logo. A regra era a seguinte: Flávia e Henrique cuidavam da cozinha no almoço e Nanda e eu ficamos com a parte do jantar, porque todo mundo sabia que era noite de torta. Ela voltou para o gramado muito a contra gosto e sentou ao lado da minha mãe, que estava na cadeira solitária de praia, então Nanda sentou na grama, bem perto. As duas conversavam sorrindo, lindas. Eu estava gostando do que via, enquanto meu pai falava sobre seus planos de viajar com a dele para o Rio, mas tinha uma pistola d'água bem pertinho de mim e eu não resisti. Ela estava distraída com a conversa e levou um susto quando a água gelada atingiu seu tronco num jato. Deu um gritinho e um pulo, só depois que riu, quando até minha mãe ria junto.

Esperei ela parar de rir, se acalmar e parar de me fuzilar com os olhinhos castanhos, depois eu atirei de novo. Levantei da cadeira e fui atirando enquanto andava, Nanda se levantou e deu uns passos para trás antes de correr. Correu dando risada e eu larguei a pistola para correr atrás dela. Agarrei sua cintura fina com os braços e ela se debateu, rindo. Agarrei suas pernas e a coloquei debruçada sobre o meu ombro, e ela chacoalhava as pernas, rindo até chorar.

Pulei com ela na piscina e eu não me lembrava que era assim, tão funda.

Só depois de se debater muito, ela percebeu que eu estava quieto, só olhando para ela. Ficou sem graça, eu vi, quando percebeu que eu mergulhava em seus olhos. Segurei seu rosto com as mãos e encostei meus lábios nos dela. Foi a primeira vez que nos beijamos desde que eu contei tudo, desde que ela viu as cartas. Ela deu um sorriso lindo quando o beijo acabou, depois jogou água em mim.

***

Três anos antes

Lívia me odiava desde a primeira vez que me viu, mas era tudo por amar minha garota. Amava Clarice como amaria uma irmã, e tinha medo que eu a machucasse, então eu passava a gostar de Lívia. Mas foi Clarice quem a convenceu de nos dar cobertura. E então, eu a teria por um dia inteiro! Mas teria, também, que dividir minha garota com a minha família. Era a primeira vez que eu apresentava uma namorada para família, então minha mãe estava dando pulos.

Assim que parei a moto, ela desceu e esticou as pernas, estava incomodada, mas não reclamou nenhuma vez. Minha mãe já nos esperava no portão, mas não viu quando Luna passou pela lateral da casa. Luna pulou em Clarice, querendo brincar, só que Luna é grande e pesada. Clarice se assustou e caiu com o peso da cadela. Além de cair, chorou muito. Tinha medo de cachorro grande.

Carreguei-ano colo até a entrada, prometendo que faria isso no nosso casamento, e foi sóassim que minha garota se acalmou e me deu o sorriso mais lindo que eu já havia encontrado.

***

Amélia acabou deixando escapar que aquela era a primeira noite da torta em quatro anos. Daniel não via sua família há três, mas na noite que Clarice os visitou, não deu tempo de fazer torta, ela me contou. Tinha os olhinhos verdes cheios, mas um sorriso de saudade. Todos se apaixonaram por Clarice, quando a conheceram e isso fazia eu me sentir em segundo plano ou um... band-aid gigante. Isso, era assim que eles olhavam para mim, com uma gratidão tão profunda que eu só sabia sorrir meio sem graça.

A cozinha era onde eles reinavam, mãe e filho cozinhando juntos, cada um fazendo uma torta e palpitando na torta do outro. Todos os outros - contando comigo - ficaram na sala, assistindo qualquer coisa na tevê, esperando o jantar. Eu ouvia Dan cantarolando na cozinha, no ritmo da mãe.

O vento estava gelado, àquela hora da noite, então nos reunimos na sala de jantar, deixando a mesa de piquenique branca para outro dia. Eles puxaram os panos que cobriam as duas tortas de frango com um "tcharam!" alegre. Percebi uma coisa, enquanto provava um pedaço de cada vez: não importa o quão boa estivesse a torta de Daniel, ele sempre cederia a vitória para a mãe. Todos os outros pareciam entrar no jogo, sempre diziam "a sua tá quase perfeita, mas a torta da Amélia...!".

Acordei bem mais cedo que o normal. Só de abrir os olhos, dava para saber que o sol nem tinha acordado ainda, então por que eu tinha de acordar? Resmunguei bastante usando o meu argumento fenomenal sobre o sono do sol, mas Dan não estava nem aí. Primeiro me cutucou, depois me chamou, cantou, dançou em cima de mim e, quando viu que eu estava ficando irritada, cobriu meu corpo com o seu numa tentativa assassina de me sufocar, mas encheu meu rosto de beijinhos. Acabei deixando um sorriso escapar e ele sabia que tinha vencido.

Quando soltei um "por que você está fazendo isso comigo?" muito dramático, ele sorriu:

- Vamos ver o sol nascer na praia, para de reclamar.

Isso bastou para que eu levantasse. Ainda faltava bastante tempo para o nascer do sol, mas, graças à minha "manha matinal", ele disse, não dava tempo de tomar café da manhã. Então assim que coloquei o biquini, ele me puxou escada a baixo. Pegou a chave da moto e me entregou um capacete.

- Dan. - Chamei e ele me olhou, mordi o sorriso antes de continuar - Deixa eu pilotar?

- Ficou maluca?

- Por favor! Só um pouquinho, vai!

Ele pensou por alguns segundos, me encarando como se estivesse bravo pela minha ousadia. E eu sorria como uma criança pedindo um sorvete antes do jantar.

-Se você me matar, Fernanda, saiba que minha mãe te mata!  

Para: ClariceOnde histórias criam vida. Descubra agora