Maybe

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Quase perdemos o nascer do sol. Ela estava sem maquiagem, com o cabelo amassado pelo travesseiro e o rosto meio inchado, mas foi só subir naquela moto que parecia outra. Parecia poderosa, selvagem. Parecia mais dona da moto que eu. Bom, com a moto parada, é claro.

Nanda ficava recitando minhas instruções sobre a moto, mas, meu Deus, como ela era ansiosa! Atropelava as instruções com o que fazia e caímos uma vez, quando ela acelerou mais do que o necessário. Ganhei um arranhão bonito no braço porque eu a enlaçava pela cintura, sentado na garupa. Ela saiu ilesa e pediu desculpas dezessete vezes pelo arranhado da moto.

- Você é suicida, só pode! - Falei tentando parar de rir.

Parece que, com ela, eu ri mais do que minha vida toda. Ela fez bico e abandonamos a moto, fomos andando até a praia que, na verdade, era pertinho de casa.

Osol começou a subir, clareando tudo com aquela luz morninha da manhã. Nandaficava com os olhos bem claros no sol, mas não tirava eles dos meus, falando doverde que tinha espalhado no escuro.

Ela se divertia como uma criança, na praia. Assim que viu o mar, largou os chinelos na areia e correu para as ondinhas. Ainda era cedo e água estava fria, mas acha que Nanda ligou? Não. Se jogou no mar e me arrastou junto. Ela ria e me olhava com os olhinhos apaixonados, brilhando para mim. Linda.

Eu lembrava exatamente onde Clarice escreveu nossos nomes na areia, há anos atrás, mas não chegamos a passar perto. Ficamos noutra parte de praia e só me lembrei dos nomes rabiscados na areia quando estávamos indo embora, mortos de fome e cansados de correr um do outro.

Depois do almoço, Henrique saiu de casa com um violão e todo mundo sabia o que fazer. Fizemos um círculo no gramado, bem ao lado da piscina que era pra ficar de olho no Gabriel. O violão era meu, a voz era do Henrique. Primeiro as músicas de praia que todo mundo conhece: um pouco de Skank, um pouco de Maneva e, depois, Oasis. A música que Henrique cantou quando Flávia entrou na capela onde se casaram - foi um casamento lindo. Nanda estava encantada com a maneira que Henrique e Flávia se olhavam, só depois percebeu que eu tocava olhando para ela do mesmo jeito. As bochechas claras avermelharam, mas ela não abaixou o olhar, me olhava tocando para ela e não sorria, já tinha sentimento demais nos olhos sempre tempestuosos para sorrir. Me queimava, aquele olhar.

And all the roads we have to walk are winding
And all the lights that lead us there are blinding
There are many things that I would like to say to you
But I don't know how

Because maybe
You're gonna be the one that saves me
And after all
You're my wonderwall

E depois tocamos Red Hot Chilli Pepppers e mais algumas bandas até escurecer.

Quase não nos falamos depois de toda a música no quintal. Ela ficou conversando com a Flávia e eu fiquei preso num jogo de pôquer com meu pai e Henrique até o fim da noite. Mesmo durante a conversa - e o jogo - ela me olhava daquele mesmo jeito, um jeito indecifrável e que eu supunha bom, mas ela tinha o olhar sempre nebuloso.

Equando nos vimos a sós, no meu quarto, nós queimávamos. Separados, estávamosquentes, e juntos, em combustão. Entregues. Completos.

***

Ela dormia pesadamente, quando acordei. Não é para menos, já que o sol mal nascia, àquela hora. Em toda a minha vida, nunca tive uma noite assim e eu acreditaria que nunca mais teria nada igual, mas ela, enquanto em cima de mim, me prometia com os olhos que eu teria.

Euestava fisicamente exausto e psicologicamente revigorado ao mesmo tempo. Pelomenos, era o que eu sentia. Ah, não! Eu sentia mais, muito mais que isso. Saído quarto e deixei-a dormindo, mas não sem antes admirá-la da porta. O cabelobagunçado com alguns fios castanhos no rosto e o corpo nu parcialmente cobertopor uma manta azul. Linda.

Enquanto Flavia carregava Gabriel no ventre, aquele balanço era onde eu costumava pensar. Foi onde me peguei pensando na garota que levei numa festa na praia e, qual era o nome dela, mesmo? Amanda, eu acho. Isso, era Amanda. Foi minha primeira, eu lembro. Era ousada, dois anos mais velha que eu, mas tinha a experiência que só fui ter depois de muito tempo. Foi naquele balanço com tinta amarela descascando da madeira, que passei muito tempo pensando nela. Mas não era amor, longe disso. Era aquela coisa que adolescente tem mania de misturar sentimento com hormônio. Era só sexo, mas só concluí isso depois de passar horas descascando a tinha do balanço com a unha. Amor é diferente, é mais, foi o que eu pensei, na época. Naquele mesmo dia eu concluí que amor não existia.

E aí veio Clarice, fazendo minha versão de dezessete anos parecer ainda mais boba. Existia. Nossa, como existia! E agora, eu começava a entender algumas coisas. Amar Clarice não me impede de amar...

Ouvi passos na grama e virei para ver quem vinha. Era o "diferente e mais", vestida com uma camisa minha do The Smiths, da época da escola, ainda. Usava a manta azul para enrolar parte do corpo e isso não me permitia saber se usava só calcinha ou se estava com o mini shorts de pijama que tinha um milhão de mini Dumbos espalhados. Eu estava começando a gostar do elefanfinho.

Ela estava com o rosto inchado pelo sono e me sorriu antes de sentar no balanço de tinta verde, que não estava tão descascado quanto o amarelo.

- Eu sabia que ia te achar aqui. - Ela sorriu, mas eu não sorri de volta. Estava tão concentrado em memorizar seus detalhes, que não lembrei de sorrir. - Você... Tá pensando no quê? - Perguntou com a voz trêmula e eu também não respondi.

Me dá só um minuto, Nanda, quero te guardar assim, na minha memória. Ela abaixou os olhinhos, triste. E eu soube exatamente o que ela estava pensando. Clarice. É, Nanda, eu tava pensando na Clarice, mas não assim, não me sinto culpado pela noite que tivemos ou por ter trazido você para minha casa. Eu amo minha história com ela, mas também amo... É, eu amo.

- Nanda... - Peguei sua mão morna.

- Não, Dan, tudo bem. - Deu um sorriso triste, mas agora olhava para mim.

- Eu amo você, Clarice.

Prendia respiração assim que ouvi minhas palavras. Puta que pariu.   

Para: ClariceOnde histórias criam vida. Descubra agora