Fico contigo

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- Eu sabia que você ia comer! - Levantei os olhos e lá estava ela, na porta do meu quarto com um sorriso presunçoso e os braços cruzados.

- Eu estava com fome. - Dei de ombros.

Ela riu um pouco e pegou o prato vazio. Demorou uns segundos para voltar com um copo d'água e dois comprimidos.

- Eu tô bem. - Coloquei o copo sobre o criado mudo ao lado da cama.

- Eu sei que sim. Aliás, de nada. - Ela se sentou ao meu lado.

- Eu já agradeci.

- Eu me lembro. - Ela sorriu sem olhar para mim, com os olhos baixos.

Qualquer coisa nela me fazia lembrar da sensação de ser beijado. O sorriso, a regata preta e justa que contornava o corpo bonito, o olhar intenso que parecia tão cheio de caos... Tudo.

- Nanda, eu queria saber uma coisa... Quando você me encontrou, acho que eu estava sonhando, ou...

- Ou...? - Ela arqueou a sobrancelha.

- Você me... Beijou? - Perguntei meio rindo, dando de ombros. Fingindo que acho graça, que não me importo. Porque não saberia fazer isso sem ser babaca.

- Hm... Não.

- Eu sei, só queria ter certeza. Era um sonho. - Dei de ombros.

- É. Então, falando em sonhos, você devia dormir um pouco.

- É, acho que sim.

- Certo. - Ela se levantou.

- Espera! - Segurei sua mão impulsivamente e quase senti o gosto do arrependimento.

- O quê?

- Antes de você ir... Só... Fica. - Nos encaramos por alguns segundos, sua mão na minha. Por um segundo pensei que conseguiria ser sincero, fingir que não sou tão babaca assim, mas emendei: - Você trabalhou a manhã toda e estava me ajudando, sabe... você pode...--

- Tá bom.

Ela soltou minha mão com delicadeza, contornou a cama e deitou com as pernas dobradas, as mãos sobre o abdômen e o rosto virado para mim. Eu me deitei, mas com os olhos colados no teto, eu não conseguia olhar para ela agora sem querer... Sem ter vontade de...

Só fechei os olhos.


Abri os olhos e tudo estava muito mais escuro do que quando os fechei. Virei o rosto e encontrei os números vermelhos vibrantes do meu relógio digital: 23:16. Virei o rosto para o outro lado e encontrei Nanda dormindo, tão serena, ao meu lado. Um pouco da luz amarelada dos postes entrava pela janela e eu podia ver fios de cabelo do coque desmanchado grudados em seu rosto e a regata preta grudada e delineando seu corpo. Era uma noite bastante quente e minha regata também estava grudando, me sentei na cama e tirei a regata. Eu me sentia sufocado, quente.

Encarei a parede vazia e tudo o que Sam havia dito fazia minha mente rodar. Eu me lembrava de Clarice, deitada naquela mesma cama com o sol iluminando-a pela janela, seus olhos azuis brilhantes e seu sorriso apaixonado quando me ouvia tocar uma música que gostava no violão. Tudo isso ali, na cama onde Nanda dormia. E isso era, no mínimo, perturbador.

- Dan? - Tão perturbador que eu não notei Nanda acordando, sentada ao meu lado. - Você está bem? - Ela esfregou um dos olhos como uma garotinha faria e tive vontade de sorrir.

- Eu estou bem, eu...

- O quê?

- Estou confuso, Nanda. Eu acho que estou ficando louco... por você, no caso. Eu... - Ela sorriu um pouco, um sorriso apaixonado e tão lindo.

Seus olhos cor de tempestade brilhavam para mim. Toquei seu rosto com a ponta dos dedos e ela se aproximou, ela respeitava o meu espaço, mas conquistava o dela. Tive a sensação de que qualquer movimento brusco poderia quebrar aquele momento delicado. Beijei seus lábios por apenas um segundo antes de afastá-la.

- Não foi um sonho. - A lembrança e o gosto dos seus lábios nos meus era real, só podia ser.

- Não. - Ela sorriu sabendo exatamente do que eu falava.

Trocamos mais um beijo lento e intenso, tão cheio de sentimentos que me tirou o ar em segundos. Eu a puxei lentamente até que ela estivesse sentada em meu colo, com o corpo colado no meu. Ela afundou os dedos no meu cabelo e eu mantive minhas mãos em sua cintura por alguns segundos, antes de puxar sua regata preta para cima, ela deu um sorriso fraco e sensual antes de colar seus lábios nos meus outra vez.

Tive vontade de dizer a ela que o cheiro de sua pele me entorpecia, que sua voz rouca no meu ouvido me enlouquecia e que suas mãos deixavam um rastro de calor por onde passavam na minha pele, mas eu sentia uma necessidade intensa de manter meus lábios em seu corpo.

***

Ele não estava na cama quando eu acordei e deu tempo de fazer duas coisas antes de sair do quarto: vestir minhas roupas e constatar que eu me ferrei. Sim, eu queria aquilo. Mas não imaginava que seria tão intenso e tão carregado de sentimento. Eu me ferrei muito.

Eu o encontrei na cozinha, arrumando a mesa para o café da manhã vestindo a calça de moletom e com o cabelo preso num coque mal feito, que ficava muito mais sexy do que quando eu fazia o mesmo com o meu cabelo. Estava de camisa, de novo, e fiquei aliviada e frustrada ao mesmo tempo. Seria mais fácil se concentrar em pensar, mas, ao mesmo tempo, era tão lindo sem.

- Oi. - Falei, mas quase não passou de um sussurro.

- Oi.

Ele não levantou os olhos para mim, continuou tirando e colocando coisas da mesa. Estava de cara fechada, como se minha presença ali o obrigasse a arrumar a mesa para mim. E isso me incomodou.

- Não precisava fazer tudo isso. - Sentei na cadeira que estava em sua frente.

- Não é para você, é para mim.

Talvez o incômodo da suposição que ele faria algo para mim fosse melhor do que a patada que veio. Deu tudo tão errado. Ultrapassamos a barreira da amizade para ficar num clima extremamente pesado e desconfortável, foi tão idiota. Ele se sentou na minha frente e começou a comer um pedaço da torrada que ele havia feito - e também havia um par de torradas na minha frente.

- Nanda. - Ele levantou os olhos para mim e eu o encarei, ele parecia... leve? - Fica comigo?

WTF?

- Eu sei que eu já te dei muito trabalho, mas eu estou... apaixonado? - Admirou-se com a própria palavra. - É isso, eu tô apaixonado. Eu tô muito na sua, fica comigo.

Aquele homem daquele tamanho, exibindo aquele corpo tão bonito com um par de olhos escuros tão intensos... ficava bobo ao falar de sentimento. Eu sorri antes que ele pudesse pensar que a resposta seria negativa.

- Fico contigo.

Para: ClariceOnde histórias criam vida. Descubra agora