Tá esperando o quê?

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As coisas começam a complicar quando você tem um evento no lugar onde trabalha e um encontro inadiável com suas melhores amigas. Acontece que o barzinho é cheio de tradições, e uma delas é comemorar o aniversário dos funcionários. E o encontro era inadiável porque eu mesma adiei umas três vezes, sempre por conta de trabalho. Então a solução foi misturar tudo. Juntei as meninas com o trabalho e elas reclamaram, mas não tanto.

As duas chegaram no barzinho cedo, assim como os outros funcionários e mais alguns amigos, exceto Victor. Colocamos um bolo sabor prestígio em cima do balcão do bar, dividindo espaço com docinhos recheados com licor e algumas garrafas de cerveja. Ju e Nat começaram a usar um talento recém descoberto para decoração e arrumaram as bexigas em arranjos coloridos em volta do balcão.

Daniel chegou depois de todo mundo, entregou dinheiro para Ju - que eu ainda não sabia se era Juliana ou Júlia ou sei lá - e ficou atrás do balcão.

- Nandaaaaa! - Nat sussurrou chegando do meu lado. - Aquele é o badboy gato daquele dia? Você jura que trabalha com ele?!

- Eu já te contei isso, tonta.

- Então esse é o Daniel que te levou em casa aquele dia? - Perguntou e eu balancei a cabeça. Estava exageradamente chocada.

- Pessoal, ele tá chegando! - Helena agitou as mãos e se juntou a nós, em volta do bolo.

Gritamos surpresa e ele fingiu ficar surpreso, o que foi muito gentil da parte dele. Deu um abraço de urso na Ju e começou a agradecer os outros. Bárbara, uma outra garçonete ligou o som num tipo de música que tocava raramente no bar, mas todo mundo dançava e Victor sabia todos os funks na ponta da língua.

- Será que esse aí também vai me dispensar? - Nat perguntou, olhando para Victor, que pulava com a Ju.

- Nat, se toca, ele ta no maior clima com a garçonete loira. - Rafa balançou a cabeça.

- Mas ela fica secando o tal do Daniel, vai ver eles são só amigos.

No fim, ela não teve coragem.

Depois da festinha e do expediente, Ju agarrou Victor e eu pelos bracos.

- Gente, vocês já perceberam que a gente nunca fez festa pro Daniel?

- Ju, é sério, desiste desse cara.

- Mas é mancada com ele, todo mundo ganha festa.

- O aniversário dele nem está marcado no quadro de aniversariantes.

- Olha, eu posso descobrir. - Foi a primeira vez que abri a boca e Ju deu um pulinho. - Tenho um amigo que é amigo dele, ele deve saber.

Sinceramente, não sei o que me fez abrir a boca, mas a consequência disso foi uma Ju enlouquecida com a ideia e um Samuel meio bravo, que acabou aceitando a ideia. Alguns funcionários não quiseram participar por alguns motivos: "eu nem falo com ele" ou "ele não participou da minha", no geral. Então, os que quiseram participar da festinha surpresa, entraram para o grupo no WhatsApp que Ju criou, e que incluía Sam, Nat e Rafa, também.

Por motivos de: o aniversário dele caía na segunda-feira - dia que o bar não abre nem por decreto -, Sam emprestou uma chave para que fizéssemos no apartamento de Daniel. Passamos duas horas arrumando e limpando aquele apartamento que não podia estar mais descuidado do que estava, e só depois arrumamos uma mesa na sala com um bolo de chocolate - ninguém sabia do que ele gostava, mas todo mundo gosta de chocolate -, umas três pizzas, docinhos recheados com álcool - era tradição, também -, cervejas e uma garrafa de Jack Daniel's.

Quando ouvimos a porta destrancar, fizemos poses e o SURPRESA! veio logo depois. Daniel não se mexeu e nem mudou sua expressão, parecia até não respirar. Um calafrio percorreu minha espinha como se eu imaginasse o que veio a seguir.

- Saiam daqui. - Falou baixo como um rosnado.

Ju fingiu não ouvir, ou talvez não tivesse ouvido mesmo. Os sorrisos começaram a diminuir, mas ela pulou em sua frente, com os cabelos loiros balançando.

- Feliz aniversário, Dan! - Sorriu para ele.

Daniel fechou os olhos, como se pudesse apaga-la.

- Saiam daqui. - Falou, mais alto agora.

- Dani, olha... - Samuel tentou, com um sorriso torto.

- Mandei sair da minha casa, porra! - Berrou dessa vez, acompanhando um soco na parede, e a deixou suja de terra negra. E aí, eu percebi que havia terra debaixo de suas unhas e nas botas. Além do cheiro forte da flor Dama da Noite. - Vão!

Ju se encolheu toda com o grito e fez cara de choro. Victor a envolveu num abraço, levando-a para fora da casa.

- Deixa esse idiota aí. - Ele parou com ela do lado de fora, voltou alguns passos e pegou uma pizza de cima da mesa - Ele não merece isso. - Imaginei que ele falava da festa, e não da pizza.

Victor envolveu Ju com um braço e, no outro, levava a pizza. Bárbara saiu logo atrás, com os olhos grandes, de choro também. Os outros a seguiram, estavam de cara feia ou chocados.

- Por que fez isso? - Berrou para Samuel.

- Talvez porque ele queira comemorar seu aniversário? - Rafa berrou de volta.

- Sai da minha casa, garota. - Resmungou, sem dar muita atenção.

- Ótimo. - Rafa bateu o pé e puxou Nat para fora.

- Dani, eu... - Sam tentou. - Sinto muito. - Abaixou a cabeça.

"Sinto muito"?

- Sai daqui. - Daniel sussurrou com a voz extremamente magoada.

Samuel caminhou para a saída, com o olhar arrependido na direção do amigo.

Continuei parada no lugar onde estava desde o início, bem ao lado da poltrona e perto da garrafa de whisky.

- Tá esperando o quê? - Olhou para mim como se pudesse me atacar e eu tremi internamente. - Vai ficar esperando eu colocar você pra fora também?

- Qual é o seu problema? - Falei tão duro quanto pude, mas ainda prestava atenção nas unhas dele, sujas de terra. - Somos seus amigos... - Vacilei. Senti o gosto do arrependimento assim que as palavras saíram.

- Quando foi que eu dei a entender que queria ser amigo de vocês? - Olhou profundamente nos meus olhos com desdém. Era um babaca, um completo babaca. Pegou a garrafa de Whisky e caminhou na direção do quarto. - Vai embora, não quero você aqui.

Minhas bochechas esquentaram de raiva, senti os olhos encherem.

- Dane-se. - Saí do apartamento e bati a porta.

Para: ClariceOnde histórias criam vida. Descubra agora