Pense, Pink! Pense!

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Bruno me deixou na faculdade depois de se acalmar. Eu expliquei tudo mais de uma vez até que ele fingiu não se importar. Seria tão mais fácil dizer "tudo bem, mas eu não gostei", eu pediria desculpas e evitaria fazer de novo, eu respeitaria sua opinião, afinal, um relacionamento é isso, não é? Mas ele preferiu dizer "tanto faz" e depois fingir que nada aconteceu. Daqui a pouco, ele faria alguma coisa na tentativa de me deixar com ciúme.

No fim da reunião de TCC, na biblioteca da faculdade, segui para cafeteria do campus, onde Samuel me esperava. Mandei uma mensagem de texto para Daniel, com o número que seu amigo me passou, dizendo que ia para o bar direto da faculdade. Antes mesmo do meu Expresso chegar, ele respondeu dizendo que me buscaria lá, sabe, para evitar Ju.

- Você me ligou só para eu te passar o telefone dele? Eu podia ter passado por mensagem. - Samuel pediu um chocolate.

- Não é só isso.

Contei da aparição de Daniel no meu prédio hoje. Contei do jeito escolhido por ele para provocar meu namorado e quase contei que ele riu. Riu e depois sorriu, e saiu da minha casa parecendo pesar uns quilos a menos.

- Ele deve ter tido uma noite ruim. - Deu de ombros, mas fez isso olhando para um guardanapo na mesa.

- Não mente pra mim, Sam. Você acha mesmo que eu não ia perceber? O jeito que você tratou ele ontem, naquela festa... Você se desculpou. O que foi?

- Não foi nada. Ele é assim.

- "Assim" como? Desprezível? Porque é isso que ele aparenta ser. Mas eu sei que não é. Se fosse, Davi e Helena não suportariam ele. Mas eles tratam Daniel como você, com cuidado.

- Nós gostamos dele, mesmo desprezível. - Ele respondeu mais baixo e eu percebi que estava agitada, nervosa. Talvez fosse melhor trocar o expresso por um chá.

- Para com isso. Para de defender essa imagem dele, me conta. Eu não o desprezo, eu quero ajudar.

Ele respirou fundo, passou as mãos no cabelo, pensando.

- Daniel está de luto. - Foi tudo o que me disse e era tudo o que eu precisava saber.

Eu conhecia o luto. Ou, pelo menos, já havia sido apresentada a ele. Eu sabia o que o luto podia fazer, já que minha mãe morreu num acidente e meu pai morreu de luto. Não falamos nada por um tempo. O café chegou com o chocolate, mas não bebemos. Cheguei a pensar se aquela terra em suas mãos, no dia da não-festa, tinha relação com isso. Samuel suspirou.

- Você é quem está mais próxima dele, depois de Davi, Helena e eu. Não quero que se machuque, ficar perto dele é muito difícil.

- Tudo bem. Eu entendo, mas eu sei que ele não é só isso. - Eu o vi sorrir, sabe - Eu posso ficar perto sem me machucar.

Ele me deu um sorriso esperançoso, mas triste. Como se estivesse prevendo o quanto eu estava errada.

Saímos juntos da cafeteria e Daniel estava lá, encostado na moto. Com aquele cabelo castanho preso num coque malfeito, a jaqueta de couro e um cigarro frouxo nos lábios, ele era a sensação de quase todas as universitárias que passavam por ali.


Naquela noite, eu lhe dei espaço. Na verdade, o espaço era para mim. Não puxei assunto, nem fiquei muito perto. Victor e Ju conversavam comigo e ignoravam a existência dele. Vez ou outra, Daniel me olhava como se estivesse confuso com a versão de mim que não fala.

Antes do horário terminar, eu o vi caminhar de um funcionário para o outro. Não ouvi o que o conversavam, mas vi Victor ficar de cara feia enquanto Daniel falava, depois deu um sorriso, depois deram um abraço. Ju ganhou um abraço mais apertado e um beijo na bochecha, e eu fiquei mais curiosa, levemente irritada por ter ficado de fora, talvez.

Depois de falar com quase todos eles, Daniel se aproximou de mim:

- Vai querer carona ou não?

***

Ele parou a moto no estacionamento de um McDonalds 24h, desceu e seguiu na direção da entrada sem me esperar. Tive que correr um pouco para alcança-lo na porta. Eu não o chamei nem disse nada, e isso pareceu ter intrigado Daniel. Ele me mandou sentar numa das mesas e eu escolhi a mesa do lado de fora do restaurante.

Ele me encontrou carregando uma bandeja com dois combos. Ele dividiu os combos e começamos a comer. Sim, ainda em silêncio.

- Eu pedi desculpas. - Ele falou e eu levantei os olhos para ele, que fitava o próprio hambúrguer. Eu não disse nada, então ele continuou - Para os outros seis que estavam faltando.

- Ah, sim. Que bom. - Peguei uma batatinha.

- Eu devia ter perguntando se você é vegetariana antes de comprar isso?

- Eu não sou vegetariana.

- Então você só não gosta de gordura, sal e açúcar em grandes quantidades? Vai me dizer que prefere Subway?

- Eu adoro gordura, sal e açúcar em grandes quantidades! - Ri um pouco - Não prefiro Subway.

- Prefere o quê?

- Deixa eu pensar.

- Pense, Pink! Pense! - Ele falou meio sussurrado e eu ri. Ri de verdade.

- Pink Dink Doo era um máximo!

Depois dos lanches, Daniel quis mais batata. E depois de mais batata, eu quis sorvete.

Cheguei em casa por volta das 4h e mal podia acreditar que o assunto predominante da noite foi desenho animado. Eu me sentia leve por ter conversando sobre um assunto aleatório mesmo quando muitos outros assuntos me incomodavam. Como a - falta de - maturidade de Bruno, por exemplo. Algumas horas atrás ele havia postado uma foto no Instagram com uma amiga da faculdade, dando carona para ela. Ele ainda não havia se dado conta de que isso não me causava ciúme, só fazia parecer que eu namorava um garoto de quinze anos. Não que eu não seja ciumenta, mas não funciona quando é uma provocação, só me deixa entediada.

Lembrei que eu tinha outra reunião sobre o TCC no dia seguinte, e então fui dormir, não sem antes resmungar sobre horário da reunião.    

Para: ClariceOnde histórias criam vida. Descubra agora