CAPÍTULO 19 - A DECISÃO

104 18 5
                                    

Escuro
- Ai, que dor nas costas... - Samira acordou dando uma leve espreguiçada. O local onde estavam era completamente escuro.
- ILLUMINET TENEBRAS.
Imediatamente uma luz forte tomou conta do lugar. O orbe que existia na ponta do cajado de Jullr brilhava intensamente, dando assim finalmente visão do local onde estavam.
Eles estavam em uma espécie de bolsão de ar. Duas enormes pilastras estavam cruzadas logo acima de suas cabeças, o que indicava que durante o desabamento, os dois pilares ao caíram e formaram uma espécie de escudo que acabou segurando os outros escombros logo acima.
- Não sei se digo que isso é sorte ou milagre. - Barton acabou acordando com a forte luz do cajado de Jullr.
- Não acredito em milagres.
- Em que você acredita então?
- Em mim. - Jullr então começou a caminhar pelo local procurando por alguma saída.
- Não perca seu tempo, já procurei por todo o lugar. Não existem saídas. - Astron estava sentando em um enorme pedaço de uma das pilastras polindo suas espadas. Todo o bolsão possuía cerca de sessenta metros quadrados
Jullr pareceu ignorar a informação e continuou caminhando.
- Há quanto tempo estamos aqui?
- Não tenho idéia, acordei há cinco horas atrás. Acredito que podemos estar aqui a cerca de um dia. - Astron observava Jullr caminhando pelas rochas que estavam caídas no local. - O que você está procurando?
- Isto... - Jullr apontou um espaço vazio no chão.
- Ta... e o que é isto? - Samira não via nada em volta a não ser muita poeira e pedras.
- A concentração mágica neste ponto é muito maior do que em todo o salão. A notei antes enquanto vocês brigavam entre si.
- Quanto às coisas que nós te dissemos. - Samira colocou a mão na cabeça como se procurasse as palavras corretas para dizer.
- Sim eu sei, vocês estavam sobre o efeito de um feitiço antigo, que influencia a rivalidade entre os que o recebem. Trata-se de um feitiço simples, mas muito eficaz.
- E por que você não foi afetado?
- Eu jamais entraria em um lugar assim sem antes me precaver e também por que sou um mago, logo possuo uma resistência mágica maior do que a de todos vocês.
Jullr começou a fazer uma espécie de círculo sob a poeira no chão com seu cajado.
- QUOD SIT REVELARE ABSCONDITA
No mesmo instante um Carminibus branco se formou no chão, bem no lugar onde o mago havia desenhado o círculo na poeira. O piso então começou a se mover, como se estivesse afundando no chão até então uma espécie de alçapão começar a se formar. Uma escada que descia pelo subsolo desaparecendo na escuridão.
- Sério que vamos ter que entrar ai? - Barton não tinha muita intimidade com o escuro.
- A menos que você tenha outra maneira de sair daqui. De toda forma ainda não concluímos nossa missão. - Jullr então apenas soltou seu cajado e ele começou a flutuar logo acima da entrada. - O cajado precisa ficar aqui, caso contrário à entrada ser fechará. Um de nós precisa descer e averiguar o local.
- Eu poderia simplesmente mandar todos essas pedras pelos ares.
- Claro e matar todos nós junto né. - Samira deu um tapa na cabeça de Barton. - Estamos muito próximos e em um lugar fechado, um ataque seu a essa distância mataria a todos.
- Eu irei. - Astron como líder, sempre se colocaria à frente dos demais, mesmo que isso pudesse resultar em sua morte.
- Você não sabe o que pode ter lá embaixo, se for uma armadilha você pode até mesmo morrer. - Barton não considerava em hipótese alguma perder seu companheiro. - Podemos descer todos lá.
- Seria burrice - Jullr se prontificou - Se o que existir lá embaixo for uma armadilha ele precisará de toda a ajuda que for preciso. Se todos descerem lá, não só ele, mas todos também serão pegos pela mesma armadilha.
- Existe algo que você possa fazer para me dar cobertura? - Astron não gostava da idéia de ir a um local desconhecido sem nenhuma garantia.
- Talvez. - Jullr retirou de uma pochete que estava presa a sua cintura uma pena, a mesma pena que acharam na entrada das ruínas. A pochete que carregava consigo possuía uma interligação mágica com sua bagagem que havia ficado nos cavalos, qualquer coisa que estivesse na mochila poderia ser acessado através da pochete, independente do tamanho do objeto. A plumagem ainda exibia o mesmo brilho intenso que anteriormente. Ergueu as duas mãos com o objeto na mão esquerda. - Essa pena possuí um Karyo muito intenso. Tentarei extrair essa energia e dependendo do que ela nos proporcionar poderei conseguir algo que te ajude.
- EXTRACTIONEM - A pena então começou a levitar sobre sua mão esquerda, até então seu brilho começar a desaparecer e a plumagem então começar a se quebrar sozinha, como se alguém a esmagasse. Todo o brilho que desaparecia, no mesmo instante reaparecia em sua mão direita. Após alguns segundos, a pena já estava completamente amassada e sem brilho, enquanto em sua mão direita uma esfera luminosa parecia dançar no ar.
- Que lindo - Samira olhava para a esfera como se fosse a jóia mais preciosa que já vira já vida.
- Esta é a energia mais pura que já vi até hoje. - Jullr também parecia impressionado com a energia. - Por isso disse que aquele Mantícora não era o monstro que viemos procurar, aquele monstro jamais teria tanta pureza. Na verdade chega até ser um absurdo considerar o portador desta pena como um monstro. Venha aqui.
Astron então se aproximou do mago. A energia então no mesmo instante pareceu entrar na mão de Jullr, desaparecendo completamente todo o brilho. O mago segurou a mão do guerreiro e começou a passar o dedo pelo seu antebraço, como se escrevesse algo. Aonde o dedo tocava uma espécie de escrita luminosa era gravada na pele de Astron. Após alguns segundos Jullr havia desenhado algumas runas.
- O que é isto?
- É um feitiço de proteção. Nestas runas está escrito QUI MORTUUS AD VITAM. QUID IGITUR REVERSUS EST. Que significa "Aquele que morre volta a vida. O que passou volta a passar". Este feitiço funcionará somente uma única vez. Caso você se encontre em uma situação entre a vida e a morte, as runas lhe trarão de volta, mas cuidado, elas só se ativarão uma única vez, então não as desperdice.
Astron apenas consentiu através de um movimento sutil com a cabeça e com a Naelyon empunhada começou a descer as escadas. O guerreiro desceu até finalmente sair das vistas do restante do grupo. Dois minutos inteiros de silencio tomaram o lugar, Barton deu algumas tossidas devido à poeira, o que fez com que Samira quase caísse na gargalhada.
- Podem descer, está tudo limpo.
A voz veio da escuridão. Samira e Barton desceram imediatamente as escadas, Jullr retirou a orbe de seu cajado e a levou consigo para iluminar o caminho. Ao fim dos degraus existia um enorme corredor com cerca de quinze metros de comprimento e dez portas abertas no decorrer de sua extensão, sendo cinco portas de cada lado. No final do corredor existia uma porta de madeira que se diferenciava das demais, esta estava fechada e parecia ser ornamentada com dezenas de crânios humanos que estavam fixados por toda a borda do portal. Logo à frente dela estava Astron já colocando a Naelyon de volta à bainha.
O grupo caminhou pelo corredor averiguando cada uma das portas. Cada passagem levava a uma espécie de sala onde existiam vários objetos, como esculturas de barro ou livros antigos. Jullr arriscou pegar um dos livros e folhear, no decorrer de suas paginas estavam transcritos vários desenhos de seres com asas segurando as mãos de pessoas comuns, como se lhes entregassem um presente.
Assim que alcançaram a porta, o mago sentiu no mesmo instante uma forte energia decorrente do que existia atrás daquela passagem.
- Ao que tudo indica, este é a nossa única opção de caminho. - Astron deslizou a palma da mão sobre a estrutura da porta. Estranhamente a passagem não possuía nenhum tipo de maçaneta ou qualquer outro tipo de acesso para abri-la. O guerreiro até tentou a empurrar, mas acabou se frustrando ao perceber que não importa a força que empregasse, a porta nem sequer se movia.
- Esta porta está selada por magia, mas não é nada que eu não possa resolver. REVELABIT - Um pequeno círculo Carminibus se formou logo na palma da mão de Jullr.
- Você consegue conjurar feitiços sem seu cajado? - Samira sempre vira Arkamalls que sempre fora um mago poderosíssimo conjurar feitiços somente quando estava de posse de sua arma, por isso sempre acreditou que os magos dependiam de suas armas assim como todos os membros do grupo.
- Minha arma não é como a de vocês. As que vocês possuem são conhecidas como as armas lendárias. São feitas da mais pura essência retirada dos templos antigos. Minha arma se chama Hecaríate. É o que chamamos de Essência artificial, um protótipo criado por um mago antigo, que na tentativa de replicar a essência de Hécate, a deusa da magia, conseguiu criar esta arma, ela não possui a mesma força que uma criada por uma essência pura. De todo modo eu compenso isso com meus próprios poderes.
- Eu não imaginava que eles já conseguissem criar essências - Para Samira essa fora a primeira vez que a loira ouviu falar em essências artificiais.
Jullr apenas consentiu com a cabeça e continuou o encantamento. Não demorou muito e a porta começou a se mexer, mas ao invés de abrir, toda sua estrutura começou a se mover e do centro da porta uma espécie de rosto apareceu. A face que parecia colada na madeira era aparentemente humana, mas possuía a mesma cor da madeira da porta, como se fosse parte dela.
- Eu posso simplesmente quebrar a porta em pedacinhos - Barton já erguia a Brakan para preparar o golpe.
- Tudo para você é quebrar? - Jullr deu um olhar de desprezo - Essa magia não pode ser quebrada com força bruta, apenas temos que seguir o critérios de quem a fez.
- Quem de vocês é o líder que deseja passar pelo portal? - A voz ecoou da face de madeira. Estranhamente a boca do estranho objeto não se moveu, mas permaneceu fechada, como se o som estivesse sido emitido por telepatia.
- Isso é assustador, me causa calafrios. - Quando se falava em luta a caçadora sempre levava a sério, principalmente se fosse algum trabalho, mas no restante do tempo permanecia sempre sendo alegre e brincalhona.
- Sou eu - Astron se aproximou do objeto. - Estamos em uma missão e precisamos passar.
- Você pode passar humano, - Sua voz era áspera e oca - mas antes terá que passar por um teste.
No mesmo instante a boca do rosto se abriu e uma espécie de feixe de luz contínuo foi emitido, acertando em cheio o peito do guerreiro. O feixe parecia focar logo o coração de Astron que não demonstrava nenhum tipo de dor ou qualquer tipo de desconforto.
- Este feixe luminoso está ligado diretamente ao seu coração, ou seja, diretamente a sua vida. Vocês terão que responder a um enigma para passar, vocês terão duas tentativas, se errarem as duas seu amigo morre. Esta é a condição.
- Mas você nem mesmo nos contou como funcionava. - Barton ameaçou tentar derrubar a porta com sua marreta.
- Caso qualquer um de vocês ataque, por menor que seja o dano, o acordo será quebrado e a vida do guerreiro retirada.
- Parece que o que nos resta é só aceitar os termos. - Jullr já vira que não haveria nenhuma escapatória. - Diga, qual é o enigma.
Ainda com o feixe de luz focando o guerreiro, a voz novamente começa a ecoar, como se o rosto falasse diretamente a mente da pessoa.
- Estou em todos os lugares, já fui, sou e ainda serei. Muitos tentam me controlar, mas ninguém jamais conseguiu. Ninguém pode me vencer, nem mesmo me tocar. Todos os que estão sob meus efeitos, acabam no mesmo lugar.
- Esse é bem difícil - Barton coçou a cabeça - não sou muito bom em pensar.
- Bom... ninguém pode tocar o vento - Samira sugeriu.
- Resposta errada. Vocês só têm mais uma tentativa.
- Mas isso só foi uma sugestão, não foi uma resposta.
O rosto permaneceu calado.
- Precisamos ter mais cuidado
Cinco minutos se passaram. Todos os três tentavam pensar. Jullr se afastou do restante do grupo, tentando pensar na melhor resposta possível, Astron por sua vez permanecia imóvel tentando de alguma forma ajudar o grupo, até que suas pernas bambearam e ele caiu se apoiando na parede.
- O que aconteceu?
- Nada.
Jullr observou atentamente Astron. Até concluir o que estava acontecendo.
- Você não nos disse que tínhamos tempo, - Jullr voltou seu olhar ao rosto - a cada minuto que passa a vida dele esta sendo consumida certo?
- Sim. Depois que se começa o desafio não tem volta.
Samira então se desesperou, pensou em socar a porta, mas lembrou da advertência do rosto ao dizer que qualquer dano acarretaria na morte do companheiro
- Precisamos descobrir a resposta rápido.
Astron caminhou com dificuldade até Jullr e colocou sua mão sobre o ombro do mago
- Eu acredito em vocês, dêem o seu melhor. - Então correu os olhos cansados aos demais do grupo - Se o pior acontecer... Lidere o grupo e cuide deles assim como eles cuidaram de você.
- Isto não será necessário. - Jullr caminhou até ficar frente a frente com a porta. - Você disse que temos mais uma tentativa então vamos lá. Estou em todos os lugares, já fui, sou e ainda serei. Muitos tentam me controlar, mas ninguém jamais conseguiu. Ninguém pode me vencer, nem mesmo me tocar. Todos os que estão sob meus efeitos, acabam no mesmo lugar.
Jullr ficou ali parado, frente a frente com a porta, parecendo encarar aquele rosto sombrio.
Astron desta vez desabou no chão, parecia exausto, fatigante e após uma tossida, regurgitou sangue no chão.
- Já chega, não tô nem aí se é arriscado, mas não verei meu amigo morrer na minha frente. - Barton ergueu a Brakan já preparando o ataque. Samira apenas tapou os olhos com ambas as mãos. - Vinte por...
- O tempo.
Barton parou o ataque no mesmo instante e olhou para Jullr. Três segundos de silêncio tomaram conta do lugar. Para o grupo foram os três segundos mais longos da vida deles, até que o feixe de luz desapareceu, como se desprendesse do peito do guerreiro e voltasse para dentro da boca do rosto de onde viera. Astron no mesmo instante sugou uma enorme quantidade de ar, como uma pessoa que já esta quase se afogando e consegue imergir na superfície.
- Você conseguiu! - Samira deu um beijo no rosto de Jullr, que a afastou na mesma hora espantado com o ato da loira. Logo depois ela correu até o guerreiro e deu um abraço bem forte.
- Pa..re por favor, desse jeito você acaba de me matar.
Todos caíram na gargalhada.
A porta então se abriu em um ranger estridente dando assim uma visão do que estava atrás. Uma escadaria que levava a um andar ainda mais abaixo, ao fim dos degraus o grupo encontrou um enorme salão escuro, com alguns pilares nas laterais, assim como no andar que havia desabado.
- IGNIS - Jullr recitou apontando a palma da mão as laterais da sala. Imediatamente um por um os candelabros vieram se acendendo, fazendo assim as chamas trepidarem iluminando parcialmente o lugar.
Mais ao centro do salão existiam vários bancos, como em uma igreja, mas o que acabou chamando a atenção do grupo fora a posição em que os bancos estavam, todos voltados para a outra extremidade do salão, formando uma espécie de corredor no centro que levava até um objeto escondido no breu.
Tum...
Tum...
- Algo naquele lugar está vivo, posso ouvir as batidas de seu coração. - Samira inclinou o ouvido rumo ao objeto. - Estranho, sua pulsação está muito fraca.
O grupo imediatamente avançou pelo corredor sem nem mesmo se preocupar com o que havia em volta, todos já preparados com suas respectivas armas e aos poucos o objeto foi se tomando forma, até que os quatro se aproximaram o suficiente para que ver realmente do que se tratava.
- Mas que diabos é isso? - Não só Barton, mas todos se espantaram pelo que viram.
Ao fim do corredor havia um homem, com diversos machucados e escoriações por todo o corpo. Em ambos os braços possuíam uma espécie de tatuagem tribal na cor preta que corria desde sua mão até o alto do ombro, descendo logo após pelo tórax formando diversos desenhos tribais, em seu peito estava escrita uma frase em uma língua antiga que dizia "Quis Yahweh similis est" . Seu corpo era robusto com toda a musculatura bem definida. O homem estava de joelho, acorrentado com os braços abertos, as correntes estavam presas a duas enormes pilastras posicionadas uma de cada lado. O homem usava uma espécie de tanga, um manto que lhe cobria somente a parte do quadril até os joelhos. Nas coxas o desconhecido também possuía uma tatuagem, que parecia ser a continuação da que existia na parte superior.
Ao se aproximar o grupo percebeu imediatamente a enorme quantidade de sangue que estava logo abaixo dos joelhos do homem, mas estranhamente ele não possuía nenhum ferimento na parte da frente que pudesse causar tamanha hemorragia. Sem dúvida o que mais chamou a atenção dos quatro havia sido um objeto que estava pregado logo atrás do desconhecido, como um troféu.
Um par de asas enorme, constituída das mesmas penas que Samira encontrara anteriormente. As asas emitiam um brilho radiante. Divino. Estavam estendidas, amarradas com cordas que as exibiam como um objeto sagrado.
O homem abriu os olhos, cansados e pesados, mas sem perder o tom ameaçador, seguindo a loira enquanto ela caminhava. Samira começou a dar a volta pela lateral, como se averiguando o que havia atrás do prisioneiro.
- Não me diga que você... - A caçadora ficou boquiaberta.
- O que você viu Samira? - Barton engoliu seco, como se já soubesse a resposta.
Samira havia visto dois enormes ferimentos nas costas do homem, no músculo infraespinoso, como se algo estivesse sido cortado ou arrancado de seu corpo, de onde notavelmente havia escorrido todo o sangue que havia no chão.
- Sim, eu sou um anjo!

ACRONÉPOLISOnde histórias criam vida. Descubra agora