Complexo de noiva...2

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   Meu pai me recebeu com beijos e abraços e uma pulga atrás da orelha: como é que eu já podia estar com dor de dente se no mês anterior tinha terminado o tratamento? Ele acendeu um refletor no meu olho e me examinou com aquele espelhinho redondo. Não encontrou nada de errado e me perguntou onde é que doía.

   Fiquei um instante em silêncio, sem saber como começar e, afinal, confessei que não tinha dor de dente coisa nenhuma, o problema era o meu sorriso. Desde que ele tinha ido embora, não havia mais motivo pra rir: Xandi só falta botar fogo na casa, vó Nina está mais desanimada que o vaso de samanbaias e eu não consigo dormir direito sem o beijo que, toda noite, ganhava na ponta do nariz. Mas a pior é a minha mãe: dá pena ver o sofrimento dela pelo buraco da fechadura. Quando chega da faculdade, ela se fecha no quarto pra folhear o álbum de retratos e abafa o choro no travesseiro".

   Meu pai me ouviu com a cabeça baixa, tentando encaixar a imagem do seu rosto no espelhinho redondo onde só cabem os dentes. Assim que terminei, ele tirou da minha testa um fiapo de franja e me perguntou se era a minha quem tinha me mandado até o consultório. Fiz cara de ofendida e jurei que não, claro que não, que ideia! Ela nem podia sonhar que eu estava ali.

   Será que meu pai acreditou? Se fosse uma prova de múltipla escolha, eu marcaria x  no "não". Ele me disse que também estava sofrendo, sentia muita falta de mim e do Xandi, não era fácil viver longe da família. Talvez um dia voltasse pra casa, mas antes de qualquer decisão precisava botar a cabeça e o coração em ordem e, naquele momento, não tinha certeza de nada - somente de que a sala de espera estava cheia e, por isso, não podia continuar conversando.

   Vi que não adiantava insistir e me despedí com um abraço mudo. Meu pai também não disse mais nada, apenas beijou a ponta do meu nariz.

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