Cinderela da...5

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   Vó Nina mostrou a mão fechada e foi abrindo dedo por dedo. Começou mostrando o polegar: jamais iria a uma festa sem ter sido convidada. Logo depois, o indicador: o que é que uma pacata senhora da terceira idade faria no meio de uma tribo de adolescentes? Dedo médio: não dava pra colar numa garota com quem nunca tinha conversado. Anular: detestava música barulhenta. E, finalmente, o mindinho: quem é que ficaria em casa, tomando conta do meu irmão?

   Modéstia á parte, eu tinha toda as respostas. Garanti que Leninha não ficaria aborrecida se eu levasse uma amiga na festa, ainda mais se essa amiga fosse a minha avó. Da terceira idade? Pode ser. Mas uma mulher que pinta os cabelos de vermelho e sonha em cravar um piercing na sobrancelha pode ser chamada de tudo - menos de pacata. Ela sabia se entender com todas as tribos e, pra distrair Danyelle, bastava contar umas histórias de internato. Quanto a música, não havia com o que se preocupar: o rock  era um animal ameaçado de extinção, principalmente o rock pesado. Agora a moda era a balada romântica, muito melhor pra dançar de rosto colado, cochichando no pé do ouvido e trocando uns beijinhos no pescoço. Quem sabe a previsão da Salete iria se cumprir nessa festa? Em vez de ficar em casa, tomando conta do Xandi, seria muito mais divertido viver uma paixão vermelha com um adolescente irresistível. E, por falar no meu irmão, ele conhecia todo o mundo no prédio e adoraria passar a noite jogando videogame no apartamento de um vizinho.

   Podia desfiar muitas outras razões pra convencer minha avó, mas tive de atender o telefone. Ligação a cobrar: para aceitá-la continue na linha após a identificação. Continuei na linha e ouvi o cara dizer que se chamava Adão. Pensei deve ser engano. Quando ele contou que estava no Paraíso, eu percebi que era trote e só não mandei o engraçadinho para o inferno porque reconheci a risada do meu pai.

   Ele me confessou que era assim mesmo que se sentia: um Adão de férias no Paraíso! Chovia muito em Porto Seguro e só dava pra ver a praia pela vidraça fechada da janela. Mas quem viaja em lua-de-mel não está a fim de fazer turismo, não é mesmo? Muito melhor aproveitar as mil e uma delícias do hotel: ducha de água mineral, home theater com telão, lagosta e vinho no café-da-manhã, lareira bem em frente à cama.

   Lareira em Porto Seguro? Achei que meu pai estava abusando do vinho, mas ele explicou que a lenha era só enfeite; no lugar do fogo, uma luz violeta criava uma atmosfera romântica. Minha mãe pegou o telefone e disse que a tal lareira era uma obra-prima do mau gosto. Não se conformava de ter viajado tanto pra passar o dia inteiro confinada num quarto de hotel, sem poder ir à praia nem passear no shopping nem visitar os lugares históricos que marcaram o nascimento do Brasil - e tudo por causa de uma maldita chuva que estava mofando até a sua alma!

   Parece que Adão e Eva não tinham a mesma opinião sobre o clima. Ela perguntou se estava tudo bem, mandou um beijo para o Xandi e mandou chamar a minha avó. Não sei o que as duas conversaram, mas vó Nina suspirou fundo quando saiu do telefone.

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