A Borboleta que...6

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Vó Nina saiu do salão com passos firmes, orgulhosas da sua decisão de tingir os cabelos vermelhos. Mas a auto-estima evaporou quando cruzamos o portão do nosso prédio. Ela subiu no elevador com a mão na boca, roendo o esmalte ainda fresco, e empatou na porta do apartamento. Cadê coragem de enfrentar a opinião da filha e do genro?
Os dois estavam na sala, folheando guias de viagens e percorrendo com os dedos as estradas de um mapa estendido sobre a mesa. Entrei sozinha e tive que tossir pra chamar a atenção do meu pai, que me acenou sem se virar e continuou falando sobre a beleza das praias do Nordeste e das cinco estrelas do hotel com vista para o mar onde eles ficariam hospedados. Da minha mãe, nem um oi. Ela disse que aquela viagem sairia muito cara, quem sabe não era melhor esperar as férias de janeiro, quando pagariam a última a prestação do carro, ou então optar por um pacote mais barato e dormir numa pousada?

Meu pai bateu o pé e respondeu que não,  nada de economia, o amor não tem preço, passagens e hotéis já estavam reservados. Tudo dependia, agora, da sogrinha.

Ao perceber que era o tema da pauta, vó Nina saiu do corredor e entrou na sala de mansinho. Na mesma hora, minha mãe se levantou da cadeira, sacudiu um folheto de turismo e foi direto ao assunto : ela é papai estavam planejando passar alguns dias em Porto Seguro. Não foi lá que o Brasil nasceu? Pois então?  Não existia lugar melhor pra recomeçar um relacionamento. Só um detalhe: alguém teria de tomar conta da casa. Leia-se: do Xandi e de mim.

Quando vó Nina se ofereceu como voluntária, o casalzinho de pós-adolescentes se beijou como se já estivesse em Porto Seguro, enfim sós no quarto do hotel com vista para o mar.

Sempre me achei um bocado romântica - qualquer Lua cheia me arranca suspiros. Mas aquele beijo melado me embrulhou o estômago. Eu não podia concordar com o egoísmo cego dos meus pais, que não fizeram nenhum comentário, observação,  referência, elogios ou crítica sobre a nova fachada da minha avó. Na verdade, eles nem perceberam a novidade. Fui obrigada, então, a informar que tínhamos passado tarde no salão.

Minha mãe apontou para o cabelo da vó Nina  era deixou escapar um ó. Apenas isso: ó! A opinião dela se resumia a uma letra. Meu pai também parecia espantado, mas só falou depois de dar uma volta ao redor da sogra pra examinar o penteado por todos os ângulos. Aí levantou os braços e disse francamente o que pensava: é  como se o verbo fosse adjetivo.

Vó Nina balançou a cabeça e concluiu o óbvio: "Vocês não gostaram". Minha mãe garantiu que não era bem assim: o vermelho nunca sai de moda e dá uma aparência, como dizer? Quem disse foi o meu pai: diferente!

Esse é o tipo da palavra que à primeira vista soa simpática, mas no fundo não significa nada. Diferente de quê? De quem? Minha avó se virou para o Xandi, que tinha saído do banho e entrado na sala enrolado na toalha. O insensível disse que vó Nina estava parecendo uma lanterna e começou a mexer nos mapas e folhetos espalhados sobre a mesa. Ao ouviu falar em nova lua-de-mel, ele contou que era doido pra conhecer a Lua e andar de foguete, será que poderia usar roupas de astronauta? Minha mãe  explicou que dessa vez só ela é papai iriam viajar - a gente passava uma semana na praia!

Foi então que explodiu a birra. De nada adiantou vó Nina prometer passeio no cinema, na sorveteria, no planetário e no shopping. Só houve trégua quando minha mãe anunciou que traria um presente bem bacana - desde, é claro, que ele parasse de chorar. Meu pai resolveu fazer graça: "Que tal ganhar um irmãozinho?".

Xandi deve ter imaginado que a idéia era adotar um órfão na Lua. E foi logo avisando, aos berros, que não estava a fim de dividir o quarto com um ET.

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