Cinderela da... 7

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   Telefonei para a mãe do Rafa, o melhor amigo do Xandi, e disse que meus pais estavam viajando e minha avó me levaria a uma festa. Não precisei falar muito pra que a mulher se oferecesse pra tomar conta do meu irmão, com o maior prazer, o Alexandre era muito educado e não dava nenhum trabalho. Educado? Desconfiei de que ela estivesse se referindo a outra pessoa, mas agradeci a gentileza e tratei de despachar o garoto.

   Só então pude me preparar para a festa. Fui pra debaixo do chuveiro e fiquei pensando o que vestir. Mas a água quente não me trouxe inspiração. Saí do banheiro enrolada na toalha, abri meu guarda-roupa e estendi na cama, lado a lado, o tubinho preto básico e o conjunto de calça jeans com blusa justa. Enquanto me lambuzava de creme, pedi socorro à minha avó.

   Ela achava o jeans uma graça, mas foi pelo tubinho que se encantou. E lamentou não ter idade nem cintura pra se enfiar num modelo tão versátil, que podia ser clássico ou sexy dependendo do ângulo de quem olhava.

   Se tinha gostado tanto do vestido, por que não ia com ele à festa?

   Vó Nina se ofendeu com a sugestão e comentou que não queria morrer entalada. Falei que não havia esse risco: para transformar o tubinho em tubo, eu só precisava de papel e lápis. Ela agradeceu a oferta, mas não se interessava. Já tinha selecionado um conjunto estampado (o mesmo que usou no meu batizado) e foi tomar o seu banho.

   Segui até o quarto da minha avó e senti cheiro de mofo com naftalina. Sempre ouvi dizer que os ácaros são invisíveis a olho nu, mas juro que vi uma fila passeando sobre o conjunto de saia e blusa pendurado na cadeira. Será que vó Nina não tinha uma roupa mais... saudável? Vasculhei gavetas e cabides e não achei nada que prestasse: todas as peças estavam fora de moda ou desbotadas ou com um botão a menos ou com o zíper emperrado.

Não via outra solução senão reformar o tubinho, mas de repente tive uma ideia que era justamente o contrário: em vez de aumentar o diâmetro do vestido, eu deveria reduzir as medidas do manequim. Pra ficar bem naquela roupa, a garota tinha de ter o corpo, como direi, de uma garota! Só havia, portanto, uma saída: fazer vó Nina voltar no tempo.

Abri a agenda de remédios. Na mesma página onde tinha previsto que vó Nina ficaria curada, criei uma frase ainda mais radical:

 Na mesma página onde tinha previsto que vó Nina ficaria curada, criei uma frase ainda mais radical:

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   Dali a pouco, ouvi um berro e corri até o banheiro: "Tudo bem aí dentro, vó?". O silêncio me deixou preocupada. Mesmo sabendo o que me esperava, quase morri de susto quando abri a porta e encontrei uma garota da minha idade.

   Vó Nina olhava para o espelho com a mão na boca e não sabia se ria ou se chorava. A toalha jogada nos ombros não escondiam os seios - bem maiores, aliás, que os meus. O piercing continuava na sobrancelha, o cabelo molhado  realçava o vermelho e o nariz não carregava uma única espinha. Resumindo: uma gata digna de outdoor.

   Sem desgrudar os olhos do espelho, ela quis saber que ideia era aquela de fazer uma velha virar menina. Eu respondi que não tive escolha: "Foi o único jeito de fazer a senhora caber no tubinho". Falei senhora e comecei a rir; nenhuma garota pode ser chamada assim! Prometi que dali em diante ela seria tratada por você. E, é claro, nada de vó.

   Nina enxugou os olhos na toalha e admitiu que não havia do que reclamar. Não é qualquer um, afinal de contas, que tem o privilégio de retornar à adolescência literalmente, sem ter de folhear o álbum de retratos ou apelar pra uma plástica. Mas sua alegria não era completa e muito menos relaxada. E se alguém descobrisse que existia uma velha disfarçada no corpo daquela menina?

   Pra acabar com a paranóia, jurei que mais tarde escreveria um bilhete - assim que a gente saísse da festa - pra que Nina deixasse de ser Cinderela e voltasse a parecer uma respeitável avó. Ou, como ela mesma dizia, uma pacata senhora da terceira idade. Também não havia motivo pra temer um flagra dos meus pais: eles estavam a centenas de quilômetros e só chegariam à cidade no domingo à noite.

   O único que poderia desconfiar de alguma coisa era o porteiro, mas seu Esteves estava dormindo quando um tubinho preto e uma calça jeans desceram do elevador, desfilaram pelo hall do prédio e entraram no primeiro táxi.

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