Complexo de noiva... 8

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   Faz tempo que vó Nina está  doente, mas eu lembro como se fosse hoje: todas as tardes, na hora do chá, ela lambia a borda da xícara, queimava a ponta da língua e se abanava com a torrada. Enquanto esperava o chá esfriar, ficava lembrando as histórias do internato e me contava que a turma inteira foi suspensa porque um morcego morto apareceu boiando no prato de sopa da madre superiora, que a professora de Latim caprichou demais na pronúncia e acabou cuspindo a dentadura, que uma aluna se escondeu no confessionário, no lugar do padre, pra descobrir  os pecados das colegas e professoras.

   Eu conhecia todas as histórias de cor, mas sempre dizia que não me contou. E ela então dava um golfinho de chá e descrevia as noites de insônia no dormitório do internato e os planos infalíveis e mirabolantes das alunas pra ridicularizar as freiras e aguentar a saudade de casa.

   O derrame pôs fim às histórias da vó Nina, mas as minhas estão apenas começando. Mesmo sabendo que ela vive em outro planeta, ajoelhei-me à beira da cama e falei que tinha sido abandonada na porta do cinema e me sentia a última das adolescentes. E agora, o que fazer da vida?

   Queria um conselho, mas ouvi um gemido: minha avó dormia com a boca aberta e metade da língua de fora. Foi então que olhei para a minha mão esquerda e tive a idéia mais absurda e pretensiosa do mundo.

   Não sabia ao certo a extensão dos meus poderes, mas nos últimos dias tinha conseguido salvar Joana d'Arc da fogueira, enfiar uma barata no decote de uma perua, jantar de graça num restaurante de luxo, salvar o casamento da minha mãe e despregar uma largatixa do teto. Será que também seria capaz de tirar a linha avó  do reino vegetal?

   Não custava tentar. Agarrei a caneta com força e escrevi na agenda:

   Apaguei o abajur, saí do quarto e deixei a minha frase fazer efeito

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   Apaguei o abajur, saí do quarto e deixei a minha frase fazer efeito.



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