Striptease para...3

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É claro que estou exagerando, a Danyelle não teria coragem de tirar a roupa. Mas, pra mostrar o piercing, ela seria obrigar a levantar ou puxar ou abrir uma parte qualquer do uniforme - a gente iria assistir, a um striptease localizado, sem música nem penumbra, uma amostra grátis liberada para menores de 18. E isso já deixava os meninos sem ar. Eles se comportavam, aliás, como se estivessem numa espécie de cabaré: contavam piadas, davam risadas e batiam palmas pra incentivar a estrela a começar o número.

   Danyelle não tinha pressa e deu uma olhada no seu mapa. Não estou falando de mapa astral, nada disso: numa folha de cartolina, os meninos desenharam as silhuetas de uma garota, de frente e de costas, colaram os desenhos sobre uma base de isopor e espetaram dezenas, talvez centenas de tachinhas  numeradas, cada número correspondendo a um aluno. A legenda do mapa era uma lista de nomes e números que ficou sob a responsabilidade do Marcelo.

   Motivada pelos assobios, Danyelle abriu um botão, mais outro e lentamente puxou a gola da camisa. O ombro era um depósito de sardas, mas muitos garotos perderam o fôlego e continuaram aplaudindo. Ela sorriu, espichando o suspense e, afinal, afastou a alça do sutiã: a argolinha de ouro estava pregada bem em cima da clavícula!

   Marcelo abriu caminho entre os colegas, retirou uma tachinha do ombro da silhueta e anunciou em voz alta o vencedor.
   Não foi nenhuma surpresa ouvir o nome do Guto. Todo mundo já desconfiava de que aquela loteria era uma armação: Danyelle só escolheu um esconderijo do piercing  depois de conferir o mapa de apostas.

   Quando passou perto de mim, ela empinou ainda mais o nariz e descarregou todo o seu veneno: "Viu, Joana? Eu  ao te disse que ele ia ficar comigo?".
   O beijo eu ainda podia tolerar - desde que fosse breve. Mas ver um ex-futuro babando no ombro da Danyelle  era demais para a minha beleza!

   Sem pedir licença nem desculpa, saí atropelando pés e cotovelos e quase tropecei num idiota quer usava o jornal Olho Vivo (e logo a página da minha redação!) Pra construir um aviãozinho. Cheguei esbaforida ao balcão da cantina, pedi uma caneta emprestada ao caixa e escrevi uma frase apressada num guardanapo de papel.

   Depois de guardar o papel no bolso, tive o prazer de assistir a uma cena de filme de terror: um novo piercing - o terceiro - prendia um lábio no outro e não deixava a Danyelle dizer um aí - quanto mais beijar! Exatamente como eu tinha escrito:

   Depois de guardar o papel no bolso, tive o prazer de assistir a uma cena de filme de terror: um novo piercing - o terceiro - prendia um lábio no outro e não deixava a Danyelle dizer um aí - quanto mais beijar! Exatamente como eu tinha escrito:

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   Foi preciso arranjar um alicate de unha pra livrar Danyelle  da argola. Assim que pode falar, ela soltou um arsenal de palavrões e correu até a cantina pra me espetar o dedo no nariz; tinha me visto rabiscando um guardanapo e queria saber por que logo em seguida ganhou um maldito piercing  na boca. Será que eu poderia explicar aquela estranha coincidência?

   Respondi que não lhe devia satisfação e fui acusada de bruxaria: "Sorte sua, Joana Dalva, viver no século XXI. Se tivesse nascido na Idade Média, você iria direto pra fogueira".

   Pra quem sonha em virar escritora, ser chamada de bruxa é  um elogio: Machado de Assis, por exemplo, ficou conhecida como "o bruxo do Cosme Velho". Mas Leninha sentiu-se pessoalmente ofendida e disse que ninguém tinha o direito de humilhar a sua melhor amiga. Danyelle falou que a conversa não tinha chegado ao jardim-de-infância, cresça e apareça,  e as duas começaram a discutir. Só não saíram no tapa porque acabou o intervalo. Ao ouvir a sirene, pensei: estou salva! Acontece que Danyelle não queria trégua e me desafiou a provar que eu não era bruxa... mostrando o papel que eu tinha no bolso.

   Vivo com os bolsos cheios de poemas, lembretes, recados, lista de compras, números de telefone e récitas caseiras pra acabar com cravos e espinhas. Mas naquele dia fui pega de surpresa e não achei nenhum pedacinho de papel pra enganar Danyelle. Se ela lesse em voz alta a minha frase sobre o piercing, eu seria apontada como bruxa por todos alunos e professoras, com certeza acabaria expulsa da escola e ganharia de novo a primeira página do Olho Vivo - dessa vez acusada de usar a ficção pra prejudicar (por ciúmes) uma colega de classe.

   Não, eu não podia passar esse vexame. Achei melhor não reagir e saí caminhando pelo pátio como se nada tivesse acontecido. Danyelle me puxou pela blusa e avisou que não estava brincando: ou eu tirava o papel do bolso ou ficaria sem as calças. Fiz força pra rir da ameaça, mas gelei ao ver a espuma borbulhando no canto da sua boca.

   A gritaria, a essa altura, tinha virado zunzunzum. A escola inteira me olhava, arregalada, sem saber qual seria a minha reação. Pra dizer a verdade, nem eu mesma sabia. E só decidi na última hora, quando enfiei a mão no bolso: em vez de entregar o guardanapo a Danyelle, botei na boca, mastiguei e engoli o meu segredo.

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