O Novo Inquilino

1. MORANGO

  "E alguém deixou esse clichê pra todo mundo saborear: a fruta dos amantes, da paixão, a preferida entre os paladares... O morango não passa de uma fruta ácida se não for ingrediente de alguma iguaria bem elaborada. Sou mais uma banana". - Sofia 

- Adoro os dias de céu azul e frio intenso.

Foi a última frase que eu me lembro de ter pronunciado antes que o médico entrasse no meu quarto fazendo minha pressão cair a ponto de eu ver aqueles pontinhos luminosos que comumente chamamos de estrelas. E não, o médico não era a causa da minha pressão parar no dedo do meu pé, mesmo que ele não fosse de se jogar fora apesar da idade avançada. Foi a notícia que ele trouxe pra mim que fez meu coração, que há tanto tempo não batia, chacoalhar um pouco do pó.

- Nós temos um! Temos um! – Ele repetia com aquela alegria discreta que todos os médicos têm.

Minha mãe pareceu que tomaria meu lugar na cama do hospital tamanho foi o seu choque. Agarrou minhas mãos com tanta força que quase tive que pedir por um ortopedista. Meu pai chegou a pular na poltrona acordando assustado com a movimentação dentro do quarto. Levei alguns segundos pra administrar a notícia enquanto todos se alvoroçavam ao saber da novidade.

Assim que dei por mim e pro que estava acontecendo, senti como se meu coração fosse parar. O médico pareceu notar meu desespero e tentou me acalmar.

- Não se emocione demais, mocinha. Ainda terá que esperar seu presente chegar. Fique preparada. Assim que possível estará indo para a sala de cirurgia – disse o médico saindo do quarto.

- Minha filha! – Minha mãe exclamou enquanto eu mal piscava tendo picos de alegria e estranheza sem conseguir distinguir ao certo quando acabava um momento e começava o outro.

- Você vai ter um coração novinho em folha. – E seus olhos brilhavam, e de novo eu vi estrelas.

Parei por alguns instantes, me virei para a janela que estava atrás do meu pai, olhei o azul doído do céu que estava lá fora e percebi que o presente que eu estava prestes a ganhar era maravilhoso, mas era infinitamente triste também. Era uma pena pensar que para eu ganhar meu presente o embrulho tivesse mesmo que ser rasgado.