16. CONFETE - PARTE I

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O som da chuva me acordou antes que o despertador tocasse. Consegui ver por uma fresta na cortina que o dia estava escuro e não senti a menor vontade de levantar. Encolhi-me sob a coberta e voltei a pensar na noite passada. Não podia acreditar que tinha resistido ao olhar sugestivo que Cristofer dirigia a mim.

Não fosse pela promessa que tinha feito a mim mesma, de não me envolver com alguém tão estranho, não teria muito sentido sentir orgulho de resistir a ele, a quem eu queria tanto. Tratava-se de um ato de auto-preservação e não de punição, portanto, eu deveria estar feliz por ter resistido, mas não era felicidade o que eu sentia.

Minha vontade era de ficar sob o peso das cobertas o dia todo. Até poderia fazer isso, mas ficaria todo o tempo ocioso me martirizando pelo que havia acontecido na noite passada. O melhor mesmo seria trabalhar e ocupar a mente.

Cheguei mais tarde do que de costume na pâtisserie, ainda que este dia, em especial, fosse o início de uma semana de confecções de cupcakes das mais importantes do ano pra mim. Tanto que Madalena estranhou meu atraso, mas já estava se acostumando com a minha atual confusão depois que conheci Cristofer. Minha única esperança era fazer cupcakes e tornar meu dia mais leve.

Com a proximidade do dia dos namorados, todos os nossos cupcakes se tornavam especiais por ganharem formato de coração e por serem procurados com mais freqüência como forma de presente. Não apenas isso. No dia dos namorados, além de comprar os corações recheados do que há de mais delicioso, modéstia à parte, também se participa da promoção mais clichê que existe: pague um e ganhe dois.

Um clichê que valia a pena já que com isso as vendas aumentavam consideravelmente. O trabalho também aumentava, mas de forma gratificante. O lugar ficava tomado de gente, já havia se tornado a tradicional semana do coração, na pâtisserie. Com o lucro mais alto uma parte da renda ficava destinada para o hospital em que fui operada. Fazia questão de espalhar cartazes aos arredores da pâtisserie para anunciar a semana pela qual todos acabaram simpatizando.

Dentro da pâtisserie a decoração também se tornava especial, evidenciando a semana que eu mais adorava por ter um significado muito importante para mim. O fato de ter Cristofer em minha vida desta vez tornou o evento ainda mais especial. Pela primeira vez passaria a semana dos namorados namorando alguém, ainda que secretamente.

Tive alguns namorados, mas não cheguei a me apegar a ninguém ao ponto de sofrer pelo fim dos relacionamentos que, em geral, duravam menos de um ano.

Ninguém nunca tinha feito meu coração novo doer como Cristofer fazia.

Talvez eu devesse mesmo é fugir disso, e não correr em direção a ele. Com dor ou sem dor uma força quase que magnética me empurrava para ele. Um paradoxo. Doía às vezes, mas era ao mesmo tempo tão reconfortante que eu não conseguia me afastar.

No meio da manhã, quando vi Madalena correndo em minha direção, já imaginava que seria bombardeada de questões a respeito da semana dos namorados.

- Sofia! Pronta distribuir os cartazes?

- Claro que sim, Madalena. Eu sempre to pronta pra isso. Sempre me dá um friozinho na barriga.

- Os cartazes e o restante da decoração já estão no escritório. A gráfica entregou há alguns dias. Mas acredito que você estivesse um pouco distraída – brincou.

- É mesmo? – ironizei. – Vou aproveitar que a chuva deu uma trégua e vou colar alguns cartazes na rua.

- Era sempre Daniel que te ajudava lá fora – deixou escapar.

- Pois é. Mas dessa vez vou fazer sozinha.

- Nada ainda?

- Nada... – respondi pesarosa. Eu queria me fazer de forte, fingir que não me importava, mas a verdade é que estava morrendo de saudade dele. – Esqueceu que eu existo. Sei lá. Não quero mais pensar nisso.

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