6. CUPCAKE

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O final da tarde já se aproximava e eu mal havia notado. A impressão labial avermelhada da madame Delacroix já estava estampada, como de costume, na louça branca. Hoje, a senhora baixinha, rechonchuda, de cara carrancuda e por volta dos setenta anos, não abusou muito no tamanho do chapéu. Mas retocou o batom assim que notou que já havia deixado sua marca registrada na louça do meu café.

Quando madame Delacroix começou a freqüentar a pâtisserie eu ficava de olhos pregados nela. Era tanta informação visual presente em uma só pessoa que, por mais que se tentasse desviar o olhar, ele automaticamente se voltava novamente para a francesa enfezada que pedia o mesmo café amargo de sempre.

Com o tempo ela acabou se tornando parte do entretenimento do lugar. Meus olhos ficaram calejados e eu não os sentia mais feridos na presença brilhante e colorida dela. Se ela não aparecia, todo mundo estranhava.

Hoje mal senti a presença da pobre. Também mal notei a presença de qualquer um que estivesse próximo a mim. Ainda que o trabalho estivesse em excesso, estava estranhamente sofrendo de um bom humor crônico irritante.

- Sofia?

- Sim.

- Está tudo bem?

- Claro que sim, Madalena - respondi sorrindo entretida enxugando alguns pratos.

- Tá com uma cara de massa embatumada.

Eu ri compulsivamente.

- Como é? Você ta me chamando de massa embatumada?

- Estou. Estou mesmo. E você ainda achou graça!

- Como é cara de massa embatumada?

Agora foi a vez de Madalena rir

- Sabe, quando você tem uma receita fabulosa que promete ficar deliciosa, mas contrariando a expectativa, não cresce, desanda...

- Isso soa mais como um suflê...

- Que seja, Sofia. Você pode ser um suflê se preferir.

- E o que isso tem de parecido com a minha cara?

- No momento, tua massa ainda promete.

- Certo, prometo não colocar minha cara no forno tão cedo. Não se preocupe. - falei sarcasticamente e Madalena nem se deu ao trabalho de me responder. Apenas me lançou um olhar áspero a fulminante, mas a doçura da minha amiga não permitia triunfar na tentativa de ser má e ela logo voltou a sorrir.

- Minha mãe sempre dizia para mim e pros meus irmãos que rir demais sempre acaba em choro... - falou querendo me alertar.

- Obrigada, Madalena. Vou me prevenir e não acordar feliz com muita freqüência.

Madalena bufou balançando a cabeça e levantando as mão como se tivesse desistido.

Agradeci pela preocupação dela, mas não dei muita importância.

Fui a última a sair. Apaguei todas as luzes e me deparei com um frio que não era esperado pelas minhas vestes enquanto andava pela calçada. Não via a hora de estar naquele momento pós-banho, de preferência com meu corpo por extenso sobre a minha cama, soterrada por um cobertor bem quentinho.

***

Quando terminei o ultimo lance de escadas do meu prédio, pude ver perto da minha porta algumas caixas de papelão dentre outros objetos. Logo, cheguei à conclusão brilhante, que não precisava nem de meio neurônio para conseguir, finalmente alguém havia acabado de se mudar para minha porta ao lado.

O Novo InquilinoOnde histórias criam vida. Descubra agora