11. SORVETE DE LIMÃO - PARTE I

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A campainha tocou exatamente às 11:58. Minha paranóia com as horas me fez correr os olhos rapidamente pelos números do microondas enquanto eu escutava o som estridente do toque que vinha da porta.

A essa altura estava tudo devidamente preparado em seu lugar. Escolhi o melhor peixe de toda a feira. O salmão mais vistoso que eu já havia visto em todas essas andanças atrás da melhor iguaria para os meus pratos. Junto com o salmão providenciei um abacaxi fresco e de sabor doce para acompanhar assim como o vinho branco. Perfeito.

Eu estava de meias, companheira inseparável do assoalho de madeira do chão de casa. Usava uma blusa branca com rendinhas no decote, um jeans caseiro e o cabelo desarrumado num coque. No entanto, era um casual completamente premeditado. Cada fio desarrumado do meu cabelo estava coerentemente fora do lugar, transparecendo conforto e não desleixo.

Com as mãos quase na maçaneta, ainda tive tempo de uma última verificada no espelho na parede da porta. Não tinha o que fazer, só ficaria bonita nascendo de novo.

- Bom dia – ele falou olhando no relógio. – Ainda faltam 2 minutos para o meio dia – brincou.

Ele usava a mesma bendita calça de moletom cinza do dia em que o vi pela primeira vez e uma camiseta de manga comprida alguns números menores que seu tamanho, ainda que não revelasse nenhum pedaço de pele. Era magro demais. Ainda teria que comer muitas Madonnas...

Segurava algumas flores amarelas em uma das mãos e uma sacola na outra. Mas não pude ver o que era.

- Bom dia, antes que passe do meio dia, então – respondi no mesmo tom de sua brincadeira. – Fique à vontade.

Abri mais a porta que estava entreaberta ele passou por mim vasculhando o local discretamente.

- Mas tudo bem ser bom dia ainda, já que não almoçamos - falou olhando novamente para mim.

- As pessoas costumam dizer isso, mas você não acha um pouco de prepotência basear isso na hora em que a gente almoça? Depois das doze horas é tarde, mesmo que eu almoce às quatro da tarde - sorri para ele que parecia acompanhar meu raciocínio como se fizesse um cálculo mental.

- Faz sentido - concordou. - Ah... a prepotência humana - zombou.

Eu ri da sua gracinha enquanto ficava sem jeito. Não sabia muito bem como agir perto dele.

- Se eu soubesse... Tinha vindo de meia também – falou sorridente ao olhar para os meus pés descalços.

- Fique à vontade para se livrar dos sapatos quando quiser.

O sorriso que ele havia aberto quando entrou continuava estampado em seu rosto, seus olhos não se fixavam em nada, percorria toda a casa e não se detinha em nada.

Talvez no dia dos kiwis ele não tivesse prestado muita atenção na minha sala.

Confesso que havia muita informação em quase tudo, quem sabe ele não tivesse acostumado. Primeiro ele lançou seu olhar para poltrona creme que estava estrategicamente posicionada ao lado do abajur de estampa floridinha, como aquele vestido preferido da vovó. Depois olhou maravilhado a estante de livros que era iluminada pelo sol que entrava pela janela.

Eu só o observava. Estava fascinada com sua expressão de curiosidade. Ele notou.

- Desculpe. Muita informação – parecia sereno, como sempre e um pouco envergonhado.

- Já falei. Fique à vontade – respondi rindo da sinceridade dele.

- Olha só – ele estendeu a mão em que segurava com muita delicadeza as flores amarelas. – Espero que goste. É algo para começar nossa barganha de favores. – ele sorriu sem muita emoção.

O Novo InquilinoOnde histórias criam vida. Descubra agora