7. SUSPIRO - PARTE II

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Estava vestido dessa vez. Fiquei em dúvida se era ele mesmo, eu só havia visto ele uma vez, afinal. Mas não demorou para eu reconhecer os olhos azuis redondos, as covinhas quase imperceptíveis, algumas pintinhas e o cabelo sem corte propositalmente despenteado com cor de chocolate que reluzia acobreado pelo reflexo dos últimos resquícios dos raios solares do dia que se esvaia.

Novamente senti uma pontada tão forte no peito que tive que prender o ar tamanha era a dor. Um cupcake caiu no chão quando eu perdi o controle. Abaixei pra pegar o bolinho e aproveitei o momento pra pensar numa atuação convincente caso ele viesse falar algo a respeito da vergonha que eu havia passado no nosso último encontro.

Fui dali diretamente para a cozinha, agindo como uma completa idiota, obviamente. Alguns funcionários estavam entretidos e nem notaram o papel de boba que eu estava fazendo. Parei no vidro da porta e examinei cada detalhe de um vizinho que eu não sabia nem o nome.

O nome! Eu pensei, tão alto dentro da minha cabeça que achei que pudessem ter me ouvido. Eu nem sabia o nome dele.

Me certifiquei de que ninguém me olhava e voltei minha atenção toda para a figura dele que hoje estava infinitamente diferente da que eu tinha guardado na memória. O cabelo estava premeditadamente desalinhado, e ele usava óculos. Definitivamente, parecia outro. Estava com um cachecol envolta do pescoço e uma roupa de acordo com a moral e os bons costumes da nossa sociedade ao contrario da noite passada.

Ele se sentou, colocou um livro sobre a mesa e estudou o cardápio por algum tempo. Logo foi atendido e quando seu pedido anotado no bloquinho passou pelos meus olhos não olhei. Contrariando todos os impulsos corporais que me comandavam eu espremi os olhos e me mantive firme.

A pessoa que o atendeu abriu a vitrine e pegou um bolinho sabor Madonna. Madonna! Mesmo que fosse um completo idiota, havia acabado de escolher o meu capcake favorito e tinha ganhado um ponto.

Antes de comer, ele abriu o seu livro, leu por algum tempo e sem desviar os olhos da página, localizou o cupcake com as mãos e enviou à boca.

Não demorou muito e Madalena me achou, ainda colada na porta da cozinha, vendo tudo pelo vidro da porta.

- O que você está fazendo?

- Observando – falei sem dar muita atenção a ela, procurando focar meu olhar pra outro canto que não fosse meu vizinho.

- Sim, isso eu vi. Mas o quê especificamente?

Eu me virei para ela decidida a guardar segredo.

- Nada. Avisei que não estava normal hoje.

A principio, Madalena parecia ter caído na minha conversa. Continuou a trabalhar como estava fazendo antes e eu fiz o mesmo.

Tentei agir de forma sutil. Tive coragem de sair da cozinha, mas fiquei nas limitações do balcão sempre vigiando cada movimento que meu vizinho fazia.

Ele leu por um bom tempo enquanto eu tentava descobrir qual era o titulo do livro que tanto prendia sua atenção. Era um sacrifício em vão tentar descobrir isso na distância em que eu estava. Mesmo assim, eu não pretendia desistir. Até o último minuto que pude tentei aguçar minha visão. Mas nada.

Mesmo que ele tenha ficado por um bom tempo lá, não consegui. Uma hora e meia depois de sua entrada triunfal com a madame Delacroix, ele deixou o lugar assim como chegou.

Ele não fez o caminho de volta. De onde quer que ele tivesse vindo, não foi para o mesmo lado que voltou. Foi o que eu pude ver seguindo ele com os olhos através das janelas.

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