Gemil e Cebel

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Os habitantes de Gemil desligaram os propulsores e estacionaram à entrada do
sistema de Cebel. Isto em linguagem corrente, pois, na verdade, a caravana continuava em
veloz queda livre pelo espaço, impulsionada apenas pela força da inércia.
Cebel esperava-os triunfante, radiante de alegria. Toda enfeitada, cheia de brilhos e
cores por todo lado.
O sol de Cebel rodopiava loucamente no centro do sistema, como a comemorar a
chegada dos visitantes.
A caravana de recém-chegados, extasiada, procurava abranger pelos sentidos toda a
beleza da recepção. A tudo olhavam, a tudo apreciavam. Aos poucos, os astros externos de
Cebel iam ficando para trás, perdendo, numa ilusão de ótica, seu brilho aparente. E o local de
pouso aproximava-se.
Os habitantes de Gemil, agora expatriados, trocavam ideias entre si, ardendo de
expectativa. Faziam planos de atividade para sua chegada. Cada um era possuidor de um
sonho maior: este afirmava com convicção que iria ser querido por todos; aquele, com uma
leve dose de ironia, prometia conquistar e dominar Cebel.
E o sistema nunca antes visitado só dava mostras de contentamento pela invasão
amigável.
Mais astros eram ultrapassados, diminuindo a distância da meta. A velocidade
aumentava imperceptivelmente, devido à ainda fraca influência gravitacional do sol.
Era grande a beleza deste sol. De tom predominantemente alaranjado, apesar de finas
estrias roxas, vermelhas e mesmo brancas. Seu período de rotação era um dos mais curtos já
observados até então. Sua alta velocidade dava a impressão de instabilidade de forma. Era
como uma gigantesca ameba temerosa de esticar para muito longe seus pseudópodes.
Os habitantes de Gemil riram-se às largas com esta fantasiosa imagem mental.
Já corriam a metade do caminho, e Cebel mostrava-se cada vez mais ansiosa.
Mensagens radiofônicas e energéticas eram freneticamente trocadas. Em Cebel os
preparativos eram febris, e filas eram formadas para a entrega de presentes.
Os habitantes de Gemil chegavam como deuses.
Sua velocidade era agora estonteante. O alvo estava cada vez mais perto, e a emoção
beirava o clímax. Astros de diversos tamanhos faziam parte do espaço percorrido, à
retaguarda.

A aproximadamente um terço do ponto final, foi tentada a ignição invertida dos
propulsores, para que servissem como freios.
Mas os propulsores não funcionaram. Não havia mais corrente nos circuitos. Toda a
caravana foi convocada para pensar no assunto. Novas tentativas desesperadas foram feitas,
mas os propulsores não respondiam.
A influência do sol era inegável e inevitável. A velocidade crescia numa razão de uma
para cada três unidades. A pressão também começava a aumentar, e também os
compensadores não funcionavam.
Apelos, gemidos e signos indecifráveis foram enviados a Cebel. As respostas
coincidiam, alarmantemente: já era tarde para que alguma coisa pudesse ser feita.
Um dos habitantes de Gemil, em reunião extra no seio da caravana, sugeriu uma
explicação que, por falta de outra mais aceitável, passou a ser utilizada como razão científica.
Simples, consistia na atribuição ao próprio sol da culpa. Ele deveria possuir alguma forma
estranha de magnetismo que neutralizava a corrente elétrica em corpos alienígenas.
E lá estava ele, o grande sol: bem em frente à louca correria dos habitantes de Gemil. A
linha imaginária que traçava a trajetória dos viajantes cruzava exatamente o centro da estrela
de Cebel.
Face à alucinante disparada rumo ao sol, os habitantes de Gemil dispersaram-se, cada
qual procurando chegar primeiro a um abrigo confortante. Inexplicavelmente, em cada rosto
brotou um sorriso, em cada interior invadiu uma contagiante alegria.
Os brilhos e as cores de Cebel aumentaram de intensidade, como para encorajar os
visitantes. Por ocasião da passagem pelo derradeiro astro de Cebel, todas as transmissoras
enviaram mensagens radiofônicas e energéticas à caravana de Gemil ao mesmo tempo, e
todas comunicando signos de boas-vindas.
Numa arrancada final, um habitante de Gemil se adentrou na massa informe e quente,
misturando-se ao alaranjado, ao vermelho, ao branco... e passou a fazer parte do sol de Cebel.
E, num último abraço mais apertado, Cebel sussurrou:
— Eu te amo!

#O pior dos venenos, de Flafon

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