Massacre na Favela Belém

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Nove da noite na favela Belém. As noites em uma favela nem sempre são tranquilas e silenciosas. O chão da comunidade já está acostumado a ser regado com sangue durante a escuridão da noite. Mas nunca se ouviu falar de uma noite como aquela naquele lugar. Nunca se ouviu falar de algo tão tenebroso. Os homi metia o pé na porta, mas dessa vez não estavam atrás de nóia ou traficante.

O som do pé na porta do barraco - tão violento que estraçalhou o pedaço de compensado de madeira que outrora servira como porta de um guarda roupas, mas agora fazia o papel de porta do casebre - fez embranquecer de pavor a negra mãe solteira, e fez despertar aos prantos as duas crianças que dormiam, a menina de cinco anos e o menino de um aninho apenas.

"Cadê a criança! Cadê o menino!", gritava o homem de farda em toda a sua truculência, enquanto revirava o pequeno barraco, jogando no chão os poucos pertences da pobre família.

"Não matem meu filho! Não matem meu filho!", gritava a mãe desesperada, que tentou segurar um dos homens a força, e golpea-lo com uma faça de cozinha, numa reação materna desesperada na tentativa de proteger suas crias. Mas aquele homem forte, num só golpe de cotovelo, fez a mulher cair desmaiada no chão do barraco.

"Maaaaaae!", grita a menina, desesperada, entre choros. Enquanto isso, o outro homem de farda, sem dificuldades, rastreia o choro do menino de um ano, e o encontra escondido no fundo do barraco, enrolado em um cestinho. Ao perceber, a menina reage, em desespero.

"Não mata meu irmão, moço! Não mata meu irmão!", clama a menina em prantos. Mas aqueles homens não tinham coração. Talvez nem se davam conta do genocídio. Será que algum dia eles perceberiam que fizeram parte de uma carnificina? Será que eles não tinham filhos? Com um só tiro, tirou a vida daquele pequeno e gracioso ser, e largou o bebê ensanguentado na cama e foram embora, enquanto aquela menina, chocada e paralisada, presenciava aquilo tudo, na escuridão e solidão daquele barraco: seu irmãozinho sendo assassinado na sua frente.

As equipes invadiam casa por casa em toda a favela, e os gritos e tiros só traziam mais pânico e terror naquele inferno. Sob este clima, em um barraco não longe dali, José já tinha tudo preparado: uma bolsa pequena com poucos pertences. Basicamente, muitas mamadeiras para matar a fome da criança durante o longo caminho. Maria suava frio, coração saindo pela boca, mas tentava manter a calma, e assim manter a criança calma em seu colo. Em um momento, ela olhou fundo nos olhos de José, como quem fizesse perguntas e procurasse aquela certeza de que tudo ficaria bem.

"Vai dar tudo certo, Mor! Deus vai ajudar a gente.", naquele abraço, José buscava forças de não se sabe onde para consolar sua esposa, pois nem mesmo ele tinha forças aquela altura. " Vem amor, vamos sair por esse buraco no fundo do barraco, pra não dar bandeira.", e a conduziu para uma pequena abertura que ele mesmo havia feito na parede no fundo do barraco de madeira. Por ali, eles sairiam por uma viela menos movimentada, que daria acesso a uma viela maior, onde eles conseguiriam fugir rapidamente da comunidade.

Fuga difícil. O cabelo de Maria enrosca nas madeiras. "Vai amor, vai!", apressa José. Maria passa, então José entrega o bebê e também passa, encolhido, pela pequena frecha. É necessário cuidado, para não serem vistos e colocarem tudo a perder. Ir a passos cuidadosos ou correr logo? Cada esquina escura da favela poderia apresentar sua própria armadilha.

"Tem gente vindo! Quieta! Quieta!", ambos se escondem numa abertura qualquer entre um barraco e outro. A criança, no colo, percebe a tensão e ensaia um choro que colocaria tudo a perder, mas logo tem o choro sufocado pela mão da mãe em sua boca. Três homens armados, como cães, farejam minuciosamente cada espaço da favela, como se tivessem o poder de farejar o medo. Passos lentos, armas em posição de tiro. Um pio, e tudo estava perdido. Até respirar parecia perigoso naquela situação. Um dos homens de farda, mal encarado, mete a cara naquele vão entre os barracos, procurando algo. Olha, olha... Sente que ali tem algo. Tenta ser mais minucioso, mas sensível, em toda a sua insensibilidade. Tenta pegar o cheiro do medo no ar. Os três, escondidos no fundo daquele beco entre os dois barracos, suavam frio, sem respirar. "Tudo está perdido", pensou José, enquanto Maria pedia a Deus com toda a sua fé que a criança não desse um pio que fosse. Aqueles cinco segundos foram os mais longos em toda a história.

"Tem nada aí não. Vamo embora!", gritou um dos homens de farda. E de fato, eles tomaram posição para irem embora, e seguiram em seu farejar pela favela, em busca de sangue de criança.

"Espera um pouco", José, à passos de veludo, verificou se a barra tava limpa. " Vem! Rápido!", e eles saíram do beco e viraram a esquina a passos largos, não antes de José garantir que não havia ninguém ao dobrar a esquina.

Mais alguns passos, e aquele jovem casal já estava na avenida. Subiram no primeiro ônibus que apareceu e tentaram parecer pessoas normais. Só havia um banco vazio, Maria se sentou com a criança no colo, enquanto José, em pé, olhava pela janela do coletivo, para a favela que até então tinha sido seu lar. "Quantas crianças morreram nesta noite...", os pensamentos de José se perdiam em meio aos agradecimentos à Deus por ter conseguido tirar sua jovem família de maneira ilesa dali. Aquele foi o primeiro teste do jovem José como pai de família, e ele havia passado. Mas ele sabia que nada daquilo teria sido possível se não fosse aquele sonho estranho, no meio da noite anterior, onde um anjo o avisava das coisas que aconteceriam durante o dia. José se sentia um injustiçado por ter que passar por aquilo tão cedo, mas ao mesmo tempo agradecido por entender que foi Deus quem os salvou da morte naquela noite.

Enquanto o ônibus virava as esquinas e desbravava os bairros mais chiques da cidade, Maria via pela janela famílias felizes, saindo dos shoppings, crianças com suas caixinhas do MC Lanche Feliz nas mãos, e então ela olhou para seu pequeno Jesus, que finalmente encontrara paz para dormir em seu colo. "O que será do meu filho?", pergunta ela a Deus, em pensamento.

"Deus vai cuidar do nosso filho, Mor.", diz José enquanto abraça a cabeça dela contra seu corpo, lhe fazendo carinho. "Deus vai cuidar do nosso filho..."

#Crônicas e Versos que nem sempre Rimam, de BrunoAnastacio

M-48 ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora