Ela era a imagem da calma por fora, os olhos sempre baixos, os lábios formando uma linha reta, a respiração de quem dorme tranquila e o sorriso de quem é tão sereno quanto uma flor.
Mas, mal sabiam, que ela era um explosão por dentro. O caos e a confusão corrompiam tudo que ela sentia. Por dentro, ela era a perfeita imagem da solidão, os pensamentos perigosos, os sentimentos em colisão, a mente desequilibrada e a alma de quem já se fora.
Os poucos amigos que tinha, a esquecia tão facilmente, que se sentia uma um espelho - só a olhavam quando queriam se sentir bonitos. Os amantes de sua vida a traíram de diversas maneiras.
Quem ela era debaixo daquelas roupas pretas pesadas e da pele pálida de quem nunca mais viu o Sol? Quem era ela atrás daqueles olhos escuros que transpareciam tristeza e tentavam aniquilar as lágrimas, inutilmente? Quem era ela para querer ser feliz? Quem era ela para viver?
A solidão era um monstro que a acompanhava, sugando o último resquício de esperança que ela tentava guardar no fundo de sua alma. Mas naquela noite, sozinha no quarto, a Tristeza - o monstro que lhe enchia de presentes pessoais -, aparecera. Era bonita, mórbida e sombria. Aproximou-se da menina, beijando-a.
A menina aceitou o convite. Juntou à Tristeza, à Solidão, com a Morte.Escrito em um papel enrolado em sua mão, dizia "Fui para o inexistente. Para onde não existo".
Brigamos novamente. Ele gritou coisas ofensivas, tentei rebater, até ficar insuportável olhar para ele, aquele rosto vermelho, os olhos furiosos, a saliva que voava com ódio. O veneno de suas palavras fizeram lágrimas brotarem em meus olhos. Nada estava bom para ele, nada era suficiente.
Saí sem terminar a discussão, ele gritava "Vai ficar assim? Você nunca tenta resolver as coisas!". Minha cabeça latejava, meu coração batia em um ritmo ensurdecedor, cacete, eu mal conseguia respirar.
O celular tocou em meu bolso, era ele. Recusei. Tocou no mesmo instante. Desliguei. Queria silêncio.
Comecei a caminhada até a praia. Geralmente, eu ficava perto dos quiosques, bebendo alguma coisa e sentada em cadeiras confortáveis, mas ele viria atrás de mim.
"Deixe ele vir. Quem sabe melhore algo", gritava uma vozinha na cabeça. Parei de andar, encarando os quiosques, mas dessa vez, eu só queria sumir. Fui mais além. Caminhei até onde não havia mais pessoas, nem estradas ou estruturas visíveis de concreto. Meus pés ardiam na areia quente que cobria minha sandália; areia do fim da tarde, logo estaria fria como o mar. Senti as lágrimas escorrendo pelos cantos dos meus olhos, se perdendo perto da orelha, onde o vento diziam para ir.
Sentei-me na areia, ousei ligar o celular para me deparar com 20 ligações perdidas e mensagens. Atrás de mim, o céu já era noite, no mar, o Sol se escondia devagar. As águas com cor de fogo logo seriam tão negras quanto o céu. A maré subiu rápido, alcançou meus pés, como quem dá beijos. Era fria e pesada.
Agora, o céu era um amaranhado de estrelas contemplando a lua, que, por sua vez, contemplava o mar. A maré me arrastava aos paucos para o mar.
"Deixe-se levar", sussurrou o vento.
Coloquei-me de pé e andei até a água cobrir minha cintura e as ondas, meus seios.
-- Annie!
Olhei para a areia. Era só um figura negra, distorcida, um vulto.
"A morte", volta o vento a sussurrar.
Dei um passo para trás e caí num vão. Meus pés não achavam o chão e meu corpo era jogado de um lado para o outro. Abri o olhos, mas só havia escuridão, eu não tinha para onde ir. Então fiquei esperando o pouco ar que me restava acabar e eu sumir. Por um momento, fiquei feliz, como não me sintia em anos.
Meus pulmões ardiam, minha garganta queimava, minha cabeça encontou a lua e o vento, meus braços voaram para o alto, como se os anjos fossem me puxar dali. Mas outra onda me levou para a escuridão de novo.
Fiquei esperando a morte me liquefazer, o ar não existia mais, meu cérebro não possuía mais pensamentos coerentes. Até que senti algo puxando-me pelo braço. Ainda era tudo escuro, tudo morto. "É a morte", afirmei para mim mesma.
- Não, Annie. Não me deixe. - Era ele, sussurrando através de meus pensamentos.
Apaguei.De Annastrid
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M-48 Contos
Short StoryNova fase do Projeto Montag!! O nosso Projeto conta com um livro de poesias, que contém 83 poesias dos fundadores do projeto, e um livro de Bastidores, que contém entrevistas com os mesmos, contando suas inspirações, e histórias de vida. Agora damos...